A vida, esse programa de milhas

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O passado pode ser um lugar agradável pra visitar, principalmente porque você já não está lá.

Por mais que às vezes doa olhar pra trás, por mais que surja a vontade de gritar aos seus próprios ouvidos pra se alertar, que seja tentador o pensamento de ter podido fazer algumas coisas – ou tudo – de um jeito diferente, ou, ao contrário, persista uma saudade de algo que já foi vivido, uma vontade irresistível de morar naquele tempo, saber que o agora é o único momento no qual é possível agir e que o futuro ainda é uma história a ser escrita é um alívio e um estímulo.

Há alguns anos, você não tinha a sabedoria que adquiriu até hoje. Desconhecia alguns assuntos que hoje domina. Não gostava de algumas coisas de que gosta.

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Talvez, com a consciência atual, sequer passasse pelo que passou, desviasse de algumas trilhas perigosas, evitasse algumas pessoas nocivas, eliminasse relacionamentos tóxicos.

Os medos, os questionamentos, as hesitações atuais são outras. E amanhã serão outras mais, ainda mais diferentes.

Vamos acumulando milhas pras próximas viagens, sob a forma de experiências, percepções, afetos. Memórias e histórias. Antigas pessoas que se vão para dar lugar a novas, pessoas antigas que mudam tanto que voltam a ser novidade.

Por isso pode ser bem reconfortante olhar pro passado de forma distanciada, com leveza e até mesmo um certo bom humor. A bagagem não pode ser pesada, pra que carregá-la não seja doloroso.

A menina mais bonita da classe, que tratava a todos com desdém e ar de superioridade, pode ter se tornado uma adulta solitária e infeliz. O adulto que magoou a criança pode ser o idoso fragilizado, atormentado pelas atitudes de toda uma vida. O colega de trabalho mais promissor pode ter sido vítima de seu próprio ego, desconstruindo seu futuro.

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Nem mesmo o/a você de tempos atrás não era o/a você que me lê agora.

Tudo muda o tempo todo no mundo, cantou Lulu nos hoje improváveis anos 80. Na impermanência mora a beleza urgente de fazer, viver e ser o seu melhor. A vida não permite ensaios nem pausas. É ao vivo, valendo, sem filtros, cortes nem edições.

Então, olhe pras suas antigas versões com mais carinho e indulgência. Chame-as pra tomar um café ou uma cerveja, bater um papo e conhecer você ainda melhor. Riam juntas dos episódios antigos, compartilhem memórias, falem daqueles segredos só seus, permitam-se chorar e agradecer por já terem passado por tantas coisas. Planejem as próximas aventuras.

Se algo ainda estiver mal resolvido, reconciliem-se, façam as pazes e selem uma amizade sincera. A mais companheira, mais leal de todas. A única com a certeza de um “pra sempre”