Em sua segunda visita ao Brasil, Malala Yousafzai mostra interesse nas discussões políticas do país, inclusive à de como os brasileiros têm usado as redes sociais. Para a ativista e escritora paquistanesa de 25 anos que venceu o Nobel da paz, educação digital é a principal ferramenta para o combate à desinformação na internet.
Em sua visão, tanto as big techs quanto os internautas precisam ser responsabilizados em relação ao uso das redes sociais. Ela própria, agora influenciadora digital, afirma se sentir desconfortável nas plataformas às vezes. "Não leio comentários", diz, entre risos.
Malala esteve no país pela primeira vez em julho de 2018, quando acompanhou a expansão das atividades do instituto Malala Fund na América Latina. Agora, ela retorna para participar nesta segunda-feira (22) do Festival do Leitor, o LER, no Rio de Janeiro, onde vai conversar com o público.
Em entrevista à Folha neste domingo (21), Malala compartilhou suas visões sobre o Brasil, seu trabalho e seu próximo livro, que ainda está escrevendo.
Como você gerencia sua carreira de influenciadora digital e quais estratégias usa para alcançar meninas?
As redes sociais são plataformas poderosas para atingir jovens, e eu uso meu próprio perfil para falar sobre a educação de meninas. Há ainda as contas do Malala Fund, que luta em defesa dos direitos delas à educação e as engaja. Acima de tudo, no entanto, são elas quem têm que liderar. Afinal, se falamos de seus problemas, temos que ouvi-las.
O instituto tem um programa para garotas e uma newsletter chamada "Assembly", na qual jovens de mais de cem países têm compartilhado suas histórias. Elas falam sobre mudanças climáticas, saúde reprodutiva e segurança nas escolas. Compartilham não só seus problemas, mas como elas mesmo se tornam agentes da mudança.
Autoridades brasileiras estão discutindo uma nova lei sobre fake news, [o PL das Fake News]. Você acredita que as big techs devem ser responsabilizadas pela divulgação de desinformação e discurso de ódio?
Todos estão expostos à desinformação na internet e isso é um grande problema, porque pode enganar as pessoas e levá-las a coisas terríveis. É importante que todos tenhamos responsabilidade nessas ferramentas, do diretor das plataformas aos seus usuários.
É preciso inserir educação digital nos currículos escolares para ensinar as pessoas sobre o funcionamento da tecnologia, das plataformas e dos algoritmos. Assim, os jovens serão mais conscientes sobre as ferramentas digitais e não vão acreditar em informações falsas.
É preciso pensamento crítico e se perguntar de onde está vindo, se é uma fonte confiável, se tal argumento é plausível. Todos estão vulneráveis, mas, quanto mais nos tornamos conscientes, mais preparados estaremos para encarar a desinformação.
Esta é sua segunda vez no Brasil. Por que decidiu voltar?
Eu estava procurando uma desculpa para voltar e achei a oportunidade certa quando fui convidada para participar do festival LER. Agora, estou apoiando o ativismo na educação por meio do Malala Fund.
O instituto se engajou nas campanhas eleitorais, convencendo as autoridades a ter um comprometimento sólido com a educação, que assinassem compromissos para a educação igualitária e que criassem um manifesto para as meninas.
Oferecer uma plataforma para as vozes femininas tem sido maravilhoso. Retornei ao Brasil e mal posso esperar para encontrar ativistas, ouvir o que as meninas têm a dizer e apoiá-las em seu trabalho. Espero que eu possa levá-las às salas nas quais as decisões que afetam suas vidas são tomadas. Quero fazer a conexão entre suas vozes e as vozes dos líderes.
Também estou animada para ver todos os lugares bonitos do Brasil, curtir a música, a beleza e a comida maravilhosa. Vou explorar um pouco o Rio e andar na praia. Adoraria assistir a alguma partida de futebol e também quero conhecer a capitã da seleção brasileira de críquete, [Roberta Moretti]. Amo apoiar mulheres no esporte.
O Malala Fund tem planos futuros para o Brasil?
Continuamos a trabalhar com ativistas e eles estão fazendo um trabalho incrível a nível internacional. Há projetos específicos para as meninas negras, indígenas e quilombolas. O instituto se certifica de que as vozes dessas meninas sejam o centro de seu trabalho, por seus direitos e pela educação igualitária e segura.
O que o Brasil tem a ensinar ao mundo? E o que o país poderia aprender com o restante?
O Brasil tem uma oportunidade incrível de liderar o acesso à educação. Muitas meninas e mulheres são ativistas e têm tudo pronto no papel. Sabem como implementar a mudança, então é importante que elas estejam engajadas e que a voz delas seja ouvida.
O Brasil pode liderar o acesso de crianças à educação, o que inspiraria outros países a dar o mesmo passo. Muitas nações se preocupam com problemas globais, mas se esquecem de falar sobre as pessoas. Se empoderarmos as pessoas e oferecermos a elas educação de qualidade, oportunidades iguais, alguns desses problemas serão resolvidos.
Com a pandemia, muitas meninas deixaram a escola. Como resolver este problema?
A pandemia trouxe uma perda gigante em termos de educação e deixou algumas comunidades para trás também. É importante que líderes tenham ciência disso.
Algumas comunidades foram afetadas mais do que outras. É preciso dar atenção à comunidade negra, indígena e quilombola e investir mais nelas, que têm uma taxa alta de meninas que desistiram da escola. Elas já tinham menos probabilidade de concluir seus estudos, e a pandemia tornou isso ainda mais desafiador.
Em outubro, "Eu Sou Malala" completará uma década de publicação. Quais histórias você vai contar no próximo livro?
Estou muito feliz por estar escrevendo um novo livro de memórias. O primeiro era sobre minha vida antes de ser atacada e sobre como tornei-me uma ativista tão jovem. Muita coisa aconteceu depois disso, e eu vou compartilhar tudo. Estou gostando de refletir sobre a minha vida. Espero que as pessoas aprendam algo comigo.