Imagine uma indústria qualquer que de cada 10 produtos produzidos jogue quatro fora. A situação inimaginável no mundo dos negócios retrata a realidade do saneamento básico do Brasil. Dados do Instituto Trata Brasil, que há anos estuda o tema em nível nacional, apontam que de cada 100 m³ de água captada e tratada, pouco mais de 60% chega às casas da população. As duas maiores cidades do Estado, Cuiabá e Várzea Grande, aparecem entre as piores levando em conta os 100 maiores municípios do país com índice de perdas de distribuição da ordem de 60%.
Para fazer o estudo, a organização realiza anualmente o levantamento das informações constantes no Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) ano-base 2018. Com base neste levantamento, em Mato Grosso, o índice aferido pela entidade é de 34% de perdas, menor que a média nacional, mas que não deixa de causar prejuízos econômicos e ambientais.
Conforme o estudo, o índice nacional de perdas vem crescendo ano após ano. “Estamos tirando mais água da natureza, não para atender as pessoas, mas para compensar a ineficiência do setor”, lamenta o presidente do Trata Brasil, Edison Carlos, ao ponderar que a mudança de comportamento dos gestores não ocorre nem mesmo com as recentes crises hídricas registradas em diversas partes do país.
Embora Cuiabá esteja ainda entre as 10 piores cidades quando o assunto é perda na distribuição de água, os índices estão em queda. De acordo com a Águas Cuiabá, que assumiu as operações de saneamento básico em 2017, a redução foi da ordem de sete pontos percentuais. Entre os fatores que explicam o ainda alto índice de desperdício estão os vazamentos decorrentes de tubulações antigas e furtos de água, conhecidos como “gatos”.
A concessionária já investiu em menos de três anos mais de R$ 450 milhões na modernização do sistema de água e esgoto da cidade, em serviços como substituição de rede, setorização, pesquisa de vazamento, “caça fraude” e automação. A meta contratual é que a cidade chegue ao ano de 2026 na casa dos 30% de perdas, nível inferior à média nacional. Estima-se que a Águas Cuiabá fará, até 2024, investimentos de R$ 1,2 bilhão.
Entre as ações executadas estão a troca de redes antigas, que apresentavam constantes vazamentos, por tubulações mais resistentes e a atuação em conjunto com a Polícia Civil e a Politec para o combate aos furtos. Outra linha de atuação é a frente de pesquisa sistemática e reparo de vazamentos, com o investimento em equipamentos que auxiliam na detecção dos vazamentos ocultos, conhecido com georadar.
Investimentos
Os gastos no saneamento, conforme os técnicos da entidade, podem representar ganhos de quase R$ 40 bilhões até 2033, considerando despesas que façam com que o índice nacional de perdas chegue a 15%. No pior cenário, considerando a meta do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), as perdas chegariam a 31%, e os ganhos de R$ 13 bilhões até 2033.
Saúde
Além da economia e do meio ambiente, os problemas estruturais gerados pela falta ou ineficiência do saneamento básico incluem a saúde. Historicamente, gestores públicos dão pouca atenção ao tema, esquecendo que água tratada e esgoto são sinônimos de menos despesas em hospitais e demais unidades de saúde.
Para o cofundador da Water.org, que realizou o estudo em parceria com o Trata Brasil, Gary White, a desigualdade provocada pela ausência do acesso à água continua sendo um ciclo. "Sem acesso à água, uma enorme parte da humanidade não tem a oportunidade de quebrar o ciclo de doenças, pobreza e perda de produtividade”.