Durante o painel que teve como função discutir como financiar os serviços públicos para a população, o consultor legislativo do Senado, Pedro Fernando Nery, destacou que se faz urgente aumentar o investimento na primeira infância, faixa que se estende até os 6 anos. Isso porque a força de trabalho do futuro é formada neste período. O debate integrou a programação do Congresso Nacional de Gestão Pública, ocorrido nos dias 23 e 24 de março, em Brasília. O cerne do evento era trazer um panorama sobre gestão de pessoas e gestão fiscal no ambiente público.
Estudos apontam que a cada R$ 1 investido, o retorno para a sociedade é de R$ 7 ao longo do tempo. “Uma taxa de 14% de retorno ao ano, que é uma taxa invejável para qualquer investimento financeiro. Isso ajuda a entender porque é uma política tão poderosa”, ressaltou.
Nery ainda fez um diagnóstico do Brasil quando o assunto é redução das desigualdades sociais. Mostrou que mesmo adotando medidas utilizadas por países desenvolvidos, os resultados não são semelhantes.
Muito disso se deve a diferença existente nos sistemas tributários. Enquanto no Brasil o tributo é regressivo, nos países desenvolvidos ele é progressivo, ou seja, os mais ricos pagam mais e os mais pobres pagam menos ou não pagam. Outra diferença está na transferência de renda.
Enquanto na Dinamarca o recurso proveniente do Estado financia 90% dos mais pobres e 5% dos mais ricos, no Brasil parte relevante dos mais ricos recebem o dinheiro do Estado. Isso se deve ao funcionalismo público e à previdência.
“`Não conseguimos fazer de maneira eficiente. É preciso ter uma reavaliação do gasto público, é o mais importante. O Bolsa Família mexe um pouco com isso, mas não impacta tanto. A linha de acesso do benefício é baixa. A pandemia mostrou que existiam 17 milhões de crianças na linha mais pobre e que não recebiam auxílio. Aumentar essa cobertura é muito importante”, considerou.
Nery lembra que a população mais pobre do Brasil é composta em grande parte por mães solo, com crianças e que não trabalham porque precisam cuidar dos filhos. Esse é o perfil de 60% das pessoas que estão na linha da pobreza.
Diante desse cenário é que investir, em creches, por exemplo, pode mudar a realidade do país. Se a criança não sofrer privação de carinho, estímulo e comida, ela tem mais chances de ter um desenvolvimento cognitivo pleno. Desta forma, se torna um adulto funcional.
“A gente perde a corrida entre as nações se não investe na primeira infância, quer dizer a força de trabalho do amanhã que vai estar lidando com inteligência artificial, automação, ela está sendo formada agora e não tanto nas escolas e nas faculdades, mas dentro das casas e nos melhores casos nas creches, que são os brasileiros que estão tendo suas habilidades cognitivas formadas, habilidades socioemocionais, que vão ser particularmente relevantes no futuro porque a inteligência artificial não é capaz de imitar aquilo que é muito humano. Esse tipo de aptidão é formado nos primeiros anos de vida e não só na escola, na faculdade ou no trabalho”.
Embora o Brasil esteja atrasado neste sentido, Nery considera que o país tem a seu favor a possibilidade de copiar modelos que se mostram eficientes neste quesito.
“Os países desenvolvidos gastam muito com proteção à infância. Isso quebra o ciclo estrutural da pobreza se você atua desde criança. Isso é considerado pelo professor Naercio (Menezes Filho) uma questão de responsabilidade fiscal”.
Como melhorar a gestão fiscal de Estados e Municípios
Se por um lado é importante investir na primeira infância, por outro é primordial melhorar a gestão fiscal para que os recursos para investimento não sejam escassos. Pensando nisso foi que o advogado e mestre em Direito Rafael Câmara trouxe informações relevantes aos gestores no Congresso Nacional de Gestão Pública.
Para aumentar a arrecadação de tributos sem aumentar a alíquota é preciso aperfeiçoar o procedimento de arrecadação. No entanto, os gestores demonstram uma resistência em fazer a gestão tributária por temer a impopularidade das medidas.
Câmara pontua que fazer a gestão tributária não é uma opção, mas sim um dever do gestor público. Caso seja rechaçada, ele pode ser penalizado por improbidade administrativa. Os Tribunais de Contas já voltaram os olhos para avaliar a capacidade de arrecadação dos entes públicos.
Alguns mecanismos para melhorar essa arrecadação foram pontuados durante a exposição do mestre em Direito. Um deles é trabalhar alíquotas diferenciadas na contribuição de serviço de iluminação pública (COSIP). Já existe legislação que prevê a cobrança proporcional ao consumo. Quem consome mais, paga mais. Adoção do IPTU progressivo, concessão de incentivos fiscais e cashback tributário, devolvendo ISS e ICMS por CPF. O produto que for mais consumido pela população mais pobre, reduz o imposto cobrado. O valor é devolvido com cashback para aqueles registrados no CADÚnico.
Mais recursos em caixa faz com que o gestor possa entregar mais resultados, aumentando assim a sua boa avaliação e logo sua popularidade. Além disso, quanto melhor for a gestão tributária, mais bem avaliada é a capacidade de pagamento, possibilitando acesso a linhas de financiamento. “Organizar as finanças vale a pena, vale o desgaste. Assim é possível promover justiça social na arrecadação”, reiterou.