O pacote eleitoral em discussão no Congresso não valerá para a disputa municipal de outubro de 2024, mas segue vivo e continuará no radar de deputados e senadores.
As medidas, que incluem afrouxamento das regras de fiscalização e transparência e fragilização das cotas para negros e de gênero, motivaram um esforço do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para tentar emplacá-las nas eleições do ano que vem. A tramitação acelerada, porém, não foi encampada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Pela Constituição, alterações no processo eleitoral só se aplicam à disputa caso tenham sido aprovadas e sancionadas (ou promulgadas) com pelo menos um ano de antecedência. Para valer nas eleições de 2024, precisariam ser viabilizadas até quinta (5).
Atualmente, o Congresso discute três propostas mais robustas de alterações eleitorais, sendo que duas delas começaram a tramitar recentemente, sob patrocínio da Câmara.
A mais robusta das mudanças é a que revoga toda a legislação eleitoral e institui, em seu lugar, um único código eleitoral, com mais de 900 artigos.
Aprovada em setembro de 2021 pela Câmara dos Deputados, o texto está há dois anos parado no Senado, aguardando uma votação na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça). A relatoria é do senador Marcelo Castro (MDB-PI).
Assim como as mais recentes, essa proposta inclui vários pontos que fragilizam a fiscalização e transparência sobre os gastos eleitorais de partidos e candidatos, que só em 2022 receberam R$ 6 bilhões dos cofres públicos.
Entre vários outros pontos, o texto censura a divulgação de pesquisas na véspera e no dia da votação, além de estipular que os institutos publiquem "o percentual de acerto" das pesquisas realizadas nas últimas cinco eleições.
Já as duas propostas mais recentes começaram a tramitar em 2023. São elas a PEC da Anistia, que dá o maior perdão da história a irregularidades cometidas por partidos e candidatos, e a minirreforma eleitoral, que inclui uma série de alterações pontuais na legislação.
A PEC da Anistia conta com o apoio de praticamente todos os partidos, do PT de Lula ao PL de Jair Bolsonaro, tendo como oposição aberta apenas o esquerdista PSOL e o direitista Novo.
Ela já foi aprovada pela CCJ da Câmara e está em uma comissão especial. Houve três tentativas de votação na comissão, mas divergências em alguns pontos específicos adiaram o desfecho.
Deputados dizem agora que só votarão a medida, enfrentando o consequente desgaste público de legislar em causa própria, se obtiverem a garantia do Senado de que isso não será em vão, ou seja, de que o texto não ficará dormitando nos escaninhos da casa revisora, assim como aconteceu com o projeto do novo código eleitoral.
Apesar do amplo apoio na Câmara, a PEC da Anistia não encontra respaldo tão evidente entre os senadores.
Na avaliação de alguns parlamentares, boa parte dos senadores é menos sensível aos pleitos de dirigentes partidários e, também por serem em menor número (são 81 senadores contra 513 deputados), seriam mais influenciáveis à pressão da opinião pública e de especialistas em contas e transparência partidária, que são contrários à anistia.
A PEC perdoa em especial o não cumprimento pelos partidos das cotas de estímulo da participação de negros e mulheres na política, além de fragilizar essas políticas.
No caso dos negros, uma decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e do STF (Supremo Tribunal Federal) estipulou que eles devem receber verba eleitoral proporcionalmente ao número de candidatos pretos e pardos, ou seja, cerca de metade do dinheiro.
A PEC rebaixa esse patamar para 20%, ou seja, concentrando 80% do dinheiro público de campanha nas mãos de brancos.
Ela institui ainda uma reserva de vagas para mulheres no Legislativo de 15%, medida positiva em relação às pequenas cidades, mas que já está superada nacionalmente –em 2022 as mulheres eleitas deputadas federais representaram 17,7% da Câmara.
Apesar de baixa, a faixa de 15% sofria resistência entre partidos que afirmam considerá-la inviável para 2024 em cidade pequenas.
Além disso, a proposta permite a volta de uma antiga manobra dos partidos para driblar a cota: a de poderem lançar uma chapa apenas de homens, deixando as 30% de vagas reservadas às mulheres em branco.
"Hoje, as mulheres brasileiras já ocupam 18% dos assentos na Câmara dos Deputados e 16% nas Assembleias Legislativas Estaduais e nas Câmaras Municipais. A proposta de cotas de cadeiras de 15%, além de ser inferior ao já conquistado, coloca o Brasil na lanterna em relação aos demais países da América Latina e do mundo", afirma Michelle Ferreti, diretora do Instituto Alziras.
"Países como Argentina, México e Bolívia, por exemplo, já instituíram paridade de gênero nas cadeiras no parlamento. A Índia recém aprovou uma cota de 30% para mulheres."
Já o terceiro projeto da temática eleitoral é a chamada "minirreforma", que faz alterações pontuais na legislação eleitoral –o que também inclui afrouxamento de regras de transparência e fiscalização.
O texto foi aprovado pela Câmara, mas ainda não teve tramitação no Senado e, como não deve entrar em vigor em 2024, tem maior chance de ir ao arquivo, já que seus pontos devem ser absorvidos pelo projeto de reformulação do código eleitoral.
"A minirreforma eleitoral não será votada pelo Senado nesta semana, o que inviabiliza sua aplicação para as eleições de 2024. O Senado preferiu se dedicar com mais profundidade ao código eleitoral, já sob minha relatoria, e fazer uma reforma eleitoral mais ampla e consistente", afirmou nesta terça-feira (3) Marcelo Castro, relator do código no Senado.
A tramitação do atual pacote eleitoral evidenciou mais uma vez a disputa de poder entre Lira e Pacheco.
Os dois têm divergido em alguns assuntos, entre eles a tramitação de medidas provisórias, o que tem levado o governo a ter que implantar boa parte dessas medidas por meio de projeto de lei.
Lira defende que elas comecem pela Câmara, modelo usado durante a pandemia para agilizar o processo, mas Pacheco defende que elas voltem à regra normal, começando a tramitar em comissão mista de deputados e senadores.