Representantes do Supremo Tribunal Federal (STF) realizaram em Porto Velho, Rondônia, reuniões técnicas preparatórias para uma escuta inédita junto ao povo Cinta Larga. Conforme informações divulgadas pelo site do STF, a iniciativa visa colher a posição da comunidade indígena sobre a atividade de mineração no entorno de seu território, marcando a primeira vez que um povo originário será ouvido em seu próprio ambiente no curso de um processo judicial da mais alta corte do país.
Os encontros, ocorridos na terça e quarta-feira (22 e 23), contaram com a participação de líderes de aldeias Cinta Larga de Rondônia e Mato Grosso, além de órgãos públicos federais e estaduais. As lideranças indígenas manifestaram concordância unânime com a realização da escuta, que ocorrerá em suas aldeias em data ainda a ser definida. O ministro Flávio Dino, relator do processo, determinou as reuniões com o objetivo de "democratizar a construção da metodologia e a forma de implementação da escuta", conforme relatado pela assessora-chefe de seu gabinete, Larissa Abdalla.
A escuta tem como foco principal a posição da comunidade em relação à mineração em uma faixa de 10 km no entorno da Terra Indígena Roosevelt. Há também uma demanda para estender esse procedimento às Terras Indígenas Aripuanã, Serra Morena e Parque Aripuanã, que também abrigam o povo Cinta Larga. As terras estão localizadas a leste de Rondônia e a noroeste de Mato Grosso, abrangendo cerca de dois mil indígenas distribuídos em aproximadamente 60 aldeias. O avanço do garimpo ilegal na região tem intensificado a degradação ambiental e impactado o modo de vida tradicional.
O processo judicial em questão é o Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1425370, cuja disputa se arrasta desde 2005. Nele, a Agência Nacional de Mineração (ANM) contesta uma decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) que cancelou permissões de lavras de recursos minerais e impediu novas concessões no entorno das terras indígenas afetadas. Em 2023, o então relator do caso, ministro Luís Roberto Barroso, negou seguimento ao ARE, reconhecendo os danos e efeitos negativos do garimpo na população indígena da área.
Durante as reuniões preparatórias, as lideranças indígenas defenderam a manutenção da suspensão da mineração no entorno do território. Eles expressaram preocupação com o impacto que a presença de grandes multinacionais poderia causar na vida dentro da terra indígena, argumentando que seria inconsistente liberar tal atividade enquanto a exploração mineral dentro dos próprios territórios ainda carece de regulamentação.
Representantes de órgãos públicos e entidades que atuam como "amigos da corte" também contribuíram com informações e posicionamentos. A consultora jurídica do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Alessandra Vanessa, ressaltou a posição institucional da pasta, "contrária a qualquer tipo de mineração dentro dos territórios indígenas". O procurador Reginaldo Trindade, do Ministério Público Federal (MPF), descreveu as violências históricas contra o povo Cinta Larga, afirmando que "tudo que não presta e que é terrível tem acontecido ali, e a única instituição que lucra com isso é o crime organizado".
O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), por meio de Lucas Santos, informou que 93 processos minerários foram impactados pela suspensão da atividade na região dos Cinta Larga. Já a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), representada por Ingrid Gomes, destacou a preocupação da entidade com a forma de desenvolvimento da mineração no entorno de territórios, enfatizando a necessidade de que as consultas respeitem protocolos estabelecidos e sejam "livre, prévia e informada".






