CONTEMPORANEIDADES Quinta-feira, 21 de Janeiro de 2021, 10:47 - A | A

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OSMAR SANTOS

A realização da sombra - o resgate da minha vida

Osmar Francisco dos Santos

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Psicólogo junguiano transpessoal, fundador do Instituto Holístico do Saber

Continuando a proposta de elaboração de cinco textos fundamentais para a ressignificação de nossa vida, neste segundo texto vamos falar da sombra, que como tudo que existe, também possui seu paradoxo. Por um lado, o que a Psicologia Analítica chama de sombra constitui o empecilho que nos impõe enormes limitações e sobre o qual evitamos tomar consciência. Por outro lado, o encontro com a sombra e a elaboração de seu conteúdo libera para a personalidade as energias reprimidas, assim como a capacidade de crescimento impedida de ser acessada pela personalidade.

Por esse motivo, Nietzsche fala em Assim Falou Zaratustra: “...O que não nos mata nos fortalece”. A sombra é, pois, a escuridão luminosa. Algo que ocultávamos nos enfraquecia, até que descobrimos que esse algo era nós mesmos. Jung entre tantas ideias importantes para o desenvolvimento da consciência disse: “Aquilo que não fazemos aflorar à consciência parece em nossas vidas como destino”.

No evangelho apócrifo, conforme documentos encontrados no Mar Morto em 1943, disponível no Google, uma parte creditada a Thomé diz: “Se trouxeres pra fora o que está dentro de ti, o que é trazido pra fora te salvará; se não trouxeres pra fora o que está dentro de ti, o que não é trazido pra fora te destruirá”. Esses textos, que segundo análise dos cientistas datam de cerca dos anos trezentos de nossa era, foram escritos e traduzidos de uma antiga língua copta. Eles foram encontrados em cavernas, muito bem conservados, considerando sua idade original.

Todos nós possuímos uma sombra. Para a ciência e muitas culturas ela é conhecida com vários nomes: o self inferior, o eu reprimido, alter ego, id, complexo de ego, etc. Há sempre, em todos nós, uma ideia que nem sempre somos plenos, sentimos que nos falta algo, quando isso nos incomoda reagimos de várias formas para não tomar consciência.

Freud chamou esses recursos de mecanismos de defesa do ego. Na prática são formas que nos impedem de sermos plenos; um dos discursos mais enganosos que ouvimos sempre: “eu me conheço”. E assim vamos cristalizando uma personalidade provisória que acaba por ser definitiva. Quando nos deparamos com nosso lado obscuro, usamos metáforas para descrever esse encontro com a sombra: confronto com nossos demônios, luta contra o diabo, descida aos infernos, noite escura da alma, crise da meia-idade.

As atividades desses lados sombrios surgem não somente em nossa vida pessoal mas também em nossos sistemas sociais, em nossa política, em nossas relações interpessoais e mesmo em nossas crenças. Por que as infinitas complexidades da psique humana não se manifestam nas também infinitas complexidades do mundo que criamos ou do mundo que imaginamos? O segredo está nos ensinamentos de Hermes Trismegistus, no antigo Egito, no discurso de iniciação da Tábua de Esmeralda.

As bases do meu crescimento: habitante de dois mundos

Não devemos nos esquecer que foi no Egito que a Filosofia Grega encontrou suas raízes. Hermes, o três vezes grande, também conhecido no esoterismo como o Deus Thot disse: “O mesmo que está em cima, está em baixo”, ou também: As coisas de cima são cópias das coisas de baixo; assim como as coisas de baixo são cópias das que estão em cima. Essa questão fundamental nos leva novamente a considerar a lei universal dos opostos como sendo a base da vida em todas as suas manifestações. Assim sendo, os opostos se identificam como uma única realidade. O objetivo da luz não é combater as trevas, pois ambas constituem uma única energia que cria a vida: o movimento. Como disse Heráclito (550 aC): a única realidade é a mudança, uma verdade impossível de ser contestada.

A alusão a essas raízes filosóficas históricas, que estão nos fundamentos da Psicologia Analítica, mais precisamente na parte da Psicologia Alquímica, tem o propósito de destacar a importância da identidade histórica de cada um, conforme disse Jung: “Qualquer renovação sem raízes na melhor tradição espiritual é efêmera; mas o preponderante que cresce a partir de raízes históricas age como um ser vivo no homem limitado ao ego. O homem não o possui, é ele que possui o homem". Nesse pequeno texto Jung enfatiza que a falta de consciência interior deixa o homem possuído pelo ego.

A partir da compreensão da lei dos opostos, que rege todo o universo, é possível modificarmos nossa percepção da realidade e nos afastarmos das lutas existenciais que consomem todos os nossos recursos para uma compreensão prática. Vou compartilhar algumas ideias que regem nossa relação com os opostos. Tenho certeza que a nossa vida ganhará outro significado ao descobrirmos que não somos vítimas de qualquer relação mal sucedida, mas, de fato, portadores de falta de informações profundas de como somos e porque agimos de certa forma. Hoje em dia contamos com material de muita qualidade para elevação de nossa consciência, mas apenas podemos nos apropriar desse material disponível em vários textos, sobretudo os da Psicologia Analítica, se possuirmos uma ferramenta: o conhecimento e uma mente aberta para explorar o novo, deixando, por um tempo, nosso sistema de crenças possessivo à parte.

Alguns textos nos trazem ideias que são verdadeiros atalhos para conquistarmos uma vida plena e feliz. Um dos que considero dos mais simples e importantes está no livro O Mistério da Coniunctio – Imagem alquímica da imaginação – Edwuard F. Edinguer - Editora Paulus – S. Paulo – Vou compartilhar pequenos trechos e comentá-los com o objetivo de melhor compreendermos nossas relações e melhorar nossas vidas: Pag. 13: “...Vejam que o simples fato de ter experiências, de ser atraído por coisas e de ter repulsas por outras não gera consciência. Consciência requer simultaneamente, a experiência dos opostos e a aceitação dessa experiência, e quanto maior o grau de aceitação, maior a consciência”. Pag. 17: “...Toda guerra, toda competição entre grupos, toda disputa entre facções políticas, qualquer jogo, é uma expressão da coniunctio. Sempre que somos tomados por uma identificação com um dos lados dos opostos beligerantes, perdemos, nesse instante, pelo menos, a possibilidade de sermos um portador dos opostos. A invés disso nos tornamos uma das pedras moedeiras de Deus que tritura nosso destino. Nessas horas, ainda colocamos o inimigo fora de nós e, assim fazendo, somos apenas uma partícula”. Pag. 63 “...Todos os opostos são de Deus; portanto o homem deve curvar-se perante esse fardo e, assim fazendo, ele descobrirá que Deus, no seu 'caráter de oposição de opostos', apossou-se dele, encarnando a si mesmo nele. Ele torna-se um vaso preenchido com o conflito divino. Deus atua a partir do inconsciente do homem, e o força a se harmonizar e a unir as influências opostas, que vêm do inconsciente, às quais sua mente está exposta”.

A respeito do primeiro texto, página 13, ser portador dos opostos significa, quando em qualquer relação, ficarmos com o papel do abusado, da vítima. Precisamos assumir esse papel procurando entender de que forma nos colocamos para ser atraído. Serrano Caldeira, filósofo, fala sobre a relação interdependente entre o senhor e o escravo. Existem dois sentidos. Quem tem o poder de interromper o abuso é a vítima, pois o abusador é apenas uma bactéria oportunista. Lars Von Trier, premiado cineasta dinamarquês, demonstra essa questão de abusador e abusado nos filmes dogville e manderlay.

No segundo texto, página 17, fica exposto que enquanto estivermos ligados a uma escolha, a uma ideologia ou contra outra, somos levados a uma percepção parcial da realidade e nossas decisões ficam condicionadas ao nosso sistema de crenças que, ainda que não concordemos, não abrange a totalidade.

No terceiro texto, página 63, a ambivalência do caráter divino se expressa da forma como concebemos um criador universal, Deus, onisciente, onipresente e onipotente. Concluímos, segundo essas qualidades, que não apenas a luz, mas também as trevas são obras de sua criação. Então se alguém nos oferece a oportunidade de nos livrar do mal, está nos oferecendo uma fantasia absurda, inexistente. Por isso sempre digo: o melhor negócio é vender o paraíso, não precisa ser entregue.

Vou compartilhar, para encerrar, um texto esotérico canalizado por Pamela Kribbe, filósofa holandesa, que pode ser encontrado no google: “Dentro de cada um de vocês está havendo uma enorme batalha entre o antigo e novo. Vocês estão levando o antigo para o túmulo, mas antes de fazer isto, precisarão olhar o antigo nos olhos e fazer as pazes com ele. Do contrário, ele não descansará em paz. Então, vocês precisam aceitar a escuridão que existe em si mesmo e no mundo antes de poderem se elevar sobre ela e serem livres. Na realidade, não existe tal coisa como a escuridão, mas como vocês se sentem amarrados pelas emoções pesadas de tristeza, medo e raiva, parece-lhes que estão lidando com os demônios das trevas. No entanto, em geral, vocês estão lidando com sua própria resistência em encarar esses demônios, a fitá-los nos olhos e aceitá-los como uma presença viável. Eles são uma parte de vocês que foi ferida, frustrada e mal orientada. Eles estão chamando-os para que os reconheçam e compreendam! Vocês são os guias deles, não seus inimigos! Enquanto resistirem a eles, eles continuarão batendo cada vez mais forte na sua porta. Só quando os abraçarem com sua amorosa compaixão é que eles poderão encontrar a paz e vocês poderão colocá-los para descansar”.

A realização da sombra necessita de uma complementação que acrescente algum trabalho prático, então proponho desdobrar esse texto em duas partes, em virtude da importância do assunto. 



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