NOTICIÁRIO Quinta-feira, 30 de Março de 2023, 16:52 - A | A

Quinta-feira, 30 de Março de 2023, 16h:52 - A | A

REGRA FISCAL

Gastos federais com saúde, educação e emendas poderão crescer acima de demais despesas

Thiago Resende, Idiana Tomazelli e Alexa Salomão
Folhapress

A nova regra fiscal apresentada pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nesta quinta (30) permitirá que algumas despesas possam crescer acima de outros gastos. É o caso dos recursos para saúde, educação e emendas parlamentares. Essas despesas são corrigidas por fórmulas previstas na Constituição e que são vinculadas à receita.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deve apresentar na próxima semana um projeto de lei complementar com a proposta de nova regra fiscal, que substitui o teto de gastos. O modelo atual limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior -desenho visto como muito rígido pela atual gestão.

Portanto, a proposta de Haddad não pode modificar a Constituição. O governo, por isso, continuará cumprindo os valores mínimos a serem destinados à saúde, educação e emendas.

O reajuste de forma individualizada para esses três grupos de despesas poderá pressionar o aumento dos demais gastos, porque a proposta de Haddad prevê um percentual de expansão geral das despesas públicas.

Se, de acordo com a Constituição, a ampliação das despesas de saúde, educação e emendas ficar acima dessa média, outros gastos precisarão ter reajuste menor para que o governo cumpra a nova regra fiscal.

"Se ele continuar vinculado à receita, que é uma escolha da sociedade e política, significa que as outras áreas, que não são saúde e educação, precisam crescer menos", disse o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron.

Para corrigir esse descompasso, o Ministério da Fazenda informou nesta quinta-feira (30) que estudará mudanças no reajuste dos pisos de gastos em saúde e educação.

Para isso, deverá ser apresentada, até o ano que vem, uma PEC (proposta de emenda à Constituição) para que o Congresso analise essa alteração.

Hoje, os pisos de saúde e educação são corrigidos por um percentual da receita -de 15% da RCL (receita corrente líquida) no caso da saúde e, para educação, de 18% da receita líquida de impostos.

Ceron afirmou que a ideia é discutir um novo modelo de reajuste desses valores mínimos, que não necessariamente seja vinculado ao patamar da receita líquida.

"Tem critérios que podem ser melhores para a própria política educacional e de saúde, com menos volatilidade, do que mera indexação", disse Ceron.

No caso das emendas, a Constituição prevê que, no mínimo, 2% da RCL serão usados para emendas individuais -aquelas que todo deputado e senador tem direito e que o Executivo é obrigado a liberar no ano. No entanto, a equipe econômica não sinalizou mudanças nesse patamar mínimo para emendas.

Novo arcabouço fiscal

A nova regra fiscal proposta pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prevê um crescimento real das despesas entre 0,6% e 2,5% ao ano. Esses são o piso e o limite máximo de avanço dos gastos.

O desenho também prevê um patamar mínimo para investimentos, atendendo a uma preocupação política do PT de que esses gastos não sejam comprimidos ao longo do tempo.

Os detalhes foram anunciados em entrevista coletiva concedida pelos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) e por técnicos do Ministério da Fazenda nesta quinta-feira (30).

Haddad afirmou que a fórmula proposta pelo governo não é uma "bala de prata" para resolver a situação das contas públicas e adiantou que haverá um novo pacote para ampliar a arrecadação do governo em até R$ 150 bilhões. "Isso aqui [regra fiscal] não é uma bala de prata que resolve tudo. É o começo de uma longa jornada. Mas esse é o plano de voo", disse.

Em uma espécie de vacina contra críticas, o ministro afirmou que o governo atuará para recompor a base tributária que garante a arrecadação do governo, mas negou que isso vá representar um aumento da carga sobre os contribuintes. Ele defende a maior cobrança sobre aqueles que hoje quase não pagam imposto.

"Essa regra não vai ser impedimento para que se cumpra aquilo convencionado pela sociedade. Apenas o que foi convencionado tem que ter a contrapartida dos setores mais abastados", disse o ministro. Segundo ele, é preciso reverter a "tendência patrimonialista de apropriação do Estado".

Tebet reconheceu que o foco principal da nova regra não é diminuir despesas, mas sim ampliar a qualidade dos gastos. "Estamos tranquilos e convictos de que conseguiremos atingir a meta, diminuir as despesas dentro do possível, mas esse não é o foco principal, o foco principal é gastar com qualidade", disse.

Como antecipou a Folha, o governo propõe uma regra fiscal em que o crescimento das despesas federais seja limitado a 70% do avanço da receita primária líquida observado nos últimos 12 meses até o mês de junho -dado disponível no momento da elaboração do Orçamento, apresentado em agosto de cada ano.

Na prática, o governo pretende trabalhar com uma nova trava para as despesas, que teriam crescimento real (acima da inflação), mas em ritmo menor do que a arrecadação. Essa combinação é considerada crucial para melhorar a situação das contas públicas nos próximos anos e estabilizar a trajetória da dívida pública.

Além disso, a regra vai prever um intervalo para a meta de resultado primário a cada ano, como uma espécie de banda para flutuação. O resultado primário é obtido a partir das receitas menos as despesas. Hoje, há uma meta única definida anualmente.

Caso o resultado das contas venha melhor do que a banda superior da meta anual, o excedente poderá ser usado para financiar os investimentos. Por outro lado, se o governo não conseguir atingir sequer o piso da meta de primário, o crescimento das despesas ficará limitado a 50% da alta das receitas no ano seguinte.

O objetivo da proposta é substituir o teto de gastos, regra fiscal em vigor que limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior -desenho visto como muito rígido pela atual gestão.

A previsão do governo é que o déficit, projetado em 1% do PIB (Produto Interno Bruto) neste ano, seja zerado já em 2024, conforme mostrou a Folha. Em 2025, a estimativa indica superávit (arrecadação maior do que gastos) equivalente a 0,5% do PIB. No ano seguinte, 2026, o saldo positivo seria de 1% do PIB.

O texto do projeto de lei ainda não está pronto e começa a ser redigido após a validação da proposta por Lula na quarta-feira (29). Segundo Haddad, a previsão é que a minuta seja concluída ao longo dos próximos dias para ser apresentada oficialmente ao Congresso na semana que vem.

Com o texto protocolado, o governo poderá incorporar as novas regras à proposta de LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2024, a ser apresentada até 15 de abril. O projeto da nova regra, por sua vez, iniciará a tramitação pela Câmara dos Deputados, onde deve ser analisado nas comissões e depois pelo plenário. Se aprovado, o texto seguirá para o Senado.

No texto do projeto, o percentual de vinculação entre despesas e receitas será fixo, embora a cada ano sua aplicação sobre as novas estimativas leve a números diferentes de espaço no Orçamento.

A ideia é que, ao aprovar o Orçamento para o ano seguinte, o governo obtenha, a partir dos dados de arrecadação nos últimos 12 meses, o limite de avanço da despesa.

No cenário em que a estimativa de alta da arrecadação seja 2% em termos reais, por exemplo, a elevação na despesa poderia ser de até 1,4%.

Além disso, o percentual não será aplicado de forma linear a todas as despesas. Com o fim do teto de gastos, serão retomados os mínimos constitucionais de saúde e educação como eram até 2016: 15% da RCL (receita corrente líquida) para a saúde e 18% da receita líquida de impostos no caso da educação.

Na prática, o avanço dessas despesas acompanhará mais de perto a arrecadação, enquanto outros gastos precisarão ter crescimento mais moderado para respeitar o limite como um todo.

O limite será abrangente, mas algumas despesas ficarão de fora, entre elas os repasses do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) e a ajuda financeira para estados e municípios bancarem o piso da enfermagem. São gastos aprovados por emenda constitucional.

Pela forma como foi desenhada, a proposta tem caráter pró-cíclico, ou seja, permite aumento de gastos quando há ampliação da receita e do crescimento, ao mesmo tempo em que impõe moderação em fases de baixa. Evitar isso era um dos princípios defendidos por economistas do próprio PT.

Por isso, o governo incluiu as travas para impedir que a despesa acompanhe o ritmo das receitas quando estas tiverem alta expressiva, ou ainda que seja preciso cortar gastos porque a arrecadação caiu de forma significativa.

A ideia é que o crescimento da despesa siga a receita, mas até o percentual limite de 2,5%. De forma análoga, se as receitas despencarem, a alta de gastos respeitará o piso de 0,6%.

"[O governo] Faz o colchão na fase boa para poder usá-lo na fase ruim. Isso dá segurança não só para o empresário que quer investir, mas para as famílias que precisam do apoio do Estado no que diz respeito aos serviços essenciais", disse Haddad em entrevista.

O novo marco fiscal foi apresentado a Lula em seu formato final pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em reunião nesta quarta-feira (29) no Palácio da Alvorada. Também participaram da reunião a ministra Esther Dweck (Gestão), a secretária-executiva da Casa Civil, Miriam Belchior, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e os líderes do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), e no Senado, Jaques Wagner (PT-BA).

Na sequência, Haddad se dirigiu à residência oficial do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para apresentar a proposta a lideranças da Casa.

Nesta quinta, antes do anúncio oficial da proposta, o ministro teve encontro com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e senadores para divulgar os detalhes e buscar apoio ao projeto.

ENTENDA A MUDANÇA NAS REGRAS FISCAIS

O que é o novo arcabouço fiscal?
É o conjunto de regras de controle para as contas públicas. A proposta do governo busca substituir o atual teto de gastos, criado no governo de Michel Temer (MDB).

Por que o governo está substituindo o teto?
O governo avalia que o teto de gastos limitou a capacidade do Estado de promover políticas públicas. Apesar disso, reconhece que não é possível ficar sem uma regra de controle para as despesas.

O que é necessário para o teto ser substituído?
Uma emenda constitucional promulgada no fim de 2022 estabelece que o governo deve apresentar, até 31 de agosto, uma nova proposta de regra fiscal por meio de um projeto de lei complementar. Uma vez aprovada a proposta pelo Congresso, ela substituirá o teto de gastos -que será automaticamente revogado.

Como é hoje
Teto de gastos: regra inserida na Constituição e que está em vigor desde 2017. Ela impede que as despesas federais cresçam mais do que a inflação na passagem de um ano para o outro.

Meta de resultado primário: prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal, é estipulada em valor numérico a cada ano na Lei de Diretrizes Orçamentárias. O resultado é obtido a partir da diferença entre receitas e despesas no ano. Hoje, é uma meta única e precisa ser cumprida pelo Executivo.

Como é a proposta do governo

Trava para gastos: em vez do teto de gastos, a despesa poderá crescer o equivalente a 70% da alta projetada nas receitas (por exemplo, se a arrecadação subir 2%, a despesa poderá subir até 1,4%). Haverá, porém, limites mínimos e máximos para essa variação nos gastos. O percentual mínimo evita que uma queda brusca ou temporária na arrecadação obrigue o governo a comprimir despesas. Já o limite máximo afasta o risco de o Executivo expandir gastos de forma exagerada quando há um pico nas receitas.

Meta de resultado primário: em vez da meta única de resultado das contas públicas a ser perseguido pelo governo, haverá um intervalo projetado para o exercício e o Executivo precisará encerrar o exercício dentro dessa banda.



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