Com as redes sociais a todo o vapor, informações de toda ordem circulam sem cessar, muitas falsas outras factuais. Vivemos nas redes um presente estendido, sem passado e um futuro a perder de vista. Um dos laços mais importantes em uma democracia sempre foi a relação de confiança entre o ente político e seus eleitores, um compromisso selado e sustentado pela solidez do discurso e pela coerência da prática. A confiança, ponto de equilíbrio, de sensatez e respeito aos princípios humanos mais elementares, parece ter sido substituída por um batalhão de linha de frente nas redes sociais, responsáveis por subverter os fatos e criar realidades paralelas. Na ausência da confiança, explora-se a crença.
Os tarifaços de uma guerra comercial impostos por Donald Trump ao resto do mundo são um exemplo de como relações de diálogo como sustentáculo do bom senso e da boa política podem ser facilmente quebradas. A confiança, ensinam os cientistas, é uma “mercadoria frágil”: difícil de ser conquistada e fácil de ser perdida. Antigos parceiros olham para os Estados Unidos com desconfiança, os mais fragilizados, nações e população, esperam o pior, e os engajados ideologicamente festejam como em um ritual de adoração cega.
Em uma tentativa de impor internamente nos Estados Unidos a ideia de liberdade e supremacia norte-americana, e externamente a ideia de que os EUA continuam poderosos, o presidente Trump ameaça anexar o Canadá e a Groenlândia ao território norte-americano; diz que vai transformar a faixa de Gaza em um resort, ignorando os milhares de palestinos mortos; quer os minérios do solo da Ucrânia como condição para apoiar o fim da guerra com a Rússia; demite funcionários essenciais, ameaça com cortes universidades que contrariam pontos de vista do governo e desmonta instituições voltadas para ações humanitárias.
As tarifas impostas pelo governo dos EUA e os efeitos deste jogo comercial na economia dos países, no humor do mercado e os reflexos negativos dentro do próprio país foram incessantemente noticiadas nas últimas semanas. Em uma fala mítica, o presidente Trump pediu aos seus conterrâneos paciência, disse que a dor vai ser dolorida, pleonasmo eficiente para quem quer fazer crer, e profetizou: depois vem a compensação. A esperança é que depois da tempestade vem a bonança, a riqueza, a dádiva. Isso até pode ser possível em governos comprometidos com o bem da humanidade, atento aos direitos humanos e às necessidades vitais da população. Nos documentos da história, governos autocratas, autoritários e extremistas levam a população ao sofrimento, à fome, e à morte.
Se olharmos para o continente africano com seus intermináveis conflitos, muito deles alavancados pelas grandes potências mundiais interessadas que estão há tempos na riqueza do continente, a bonança está longe, não chegou com o fim da escravidão, não chegou quando os colonizadores europeus invadiram a África em nome de Deus e da modernização e não chegou com o fim do período colonial.
Se olharmos para a periferia das grandes e médias cidades brasileiras, a bonança está muito longe para os 59 milhões de brasileiros em situação de pobreza e muito menos para os quase 10 milhões que vivem ainda na extrema pobreza, conforme dados do IBGE de 2023. Muitos economistas ainda defendem, ao modo do ex-ministro da Fazenda do período militar, Delfim Neto, que o bolo precisa crescer para ser repartido.
Para quem pensa que essa ideia está ultrapassada, é só se atentar para a fala do ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, hoje um dos banqueiros mais influentes do Brasil. Segundo ele, o país precisa congelar o salário mínimo por cinco anos. Além dos milhões de empregados que ganham um salário, quase 20 milhões de brasileiros aposentados e pensionista recebem um salário mínimo. E tem mais, com o salário mínimo congelado, muitos benefícios sociais deixam também de ser corrigidos. Se há bonança fácil, como muitos políticos querem fazer crer, não ocorre para os mais fragilizados. A sabedoria popular ensina: Quem parte e reparte fica com a maior parte.
Comportamentos de muitos dirigentes centrados no imediato, na atmosfera do agora, sem reconhecer experiências e sem medir as consequências de suas ações no futuro, voltam-se mais para os grupos que gravitam e dão sustentação ao governo, para a temperatura negacionista nas redes sociais, artificialmente criada por milícias digitais, e menos para as demandas da população. Minar a confiança na democracia, confundir a população e defender governos autocratas, autoritários, ungidos com o título de mito e salvadores da pátria, parece ser o “modus operandi” de quem não quer perder seus privilégios.
Se perder a confiança é muito fácil, resgatá-la requer empatia, reconhecimento do outro, respeito e acima de tudo capacidade para ouvir, algo hoje impensável via redes sociais. Vencer com mentiras, propagar a crença de poderes milagrosos, ao tempo em que esbanja violência e cultiva o medo parece ser o caminho mais curto. Não é. O efeito colateral da mentira, da quebra de confiança, é o saber. Por sua vez, a chegada do conhecimento é a condição básica para o resgate da confiança. Os políticos autocratas do passado descobriram isso quando já estavam em decomposição. Moram no esgoto da história. Infelizmente estraçalharam muitas vidas.