O cheiro de pólvora e medo que impregnou o ar dos complexos do Alemão e da Penha na terça-feira, 28 de outubro de 2025, deu lugar a um silêncio pesado e ao odor da morte na manhã seguinte. Enquanto as autoridades estaduais celebravam o que chamaram de uma vitória contra o crime, moradores, tomados pela angústia e pelo desespero, embrenhavam-se nas áreas de mata que circundam as comunidades. Eram mães, pais, irmãos e amigos em busca de seus desaparecidos. A cena que encontraram transformou o que já era uma tragédia em um capítulo sombrio e sem precedentes na história do Rio de Janeiro e do Brasil. Dezenas de corpos, espalhados pela vegetação, muitos com marcas que sugerem execuções sumárias, elevavam o saldo da chamada "Operação Contenção" para mais de uma centena de vidas perdidas, consolidando-a como a maior chacina já ocorrida no estado.
Tudo começou nas primeiras horas da terça-feira, quando um contingente de aproximadamente 2.500 agentes das polícias Civil e Militar foi mobilizado para uma megaoperação. O objetivo declarado era desarticular as atividades do Comando Vermelho, uma das maiores facções criminosas do país, que domina vastos territórios na região. Helicópteros cortavam o céu, veículos blindados, os chamados "caveirões", avançavam pelas vielas estreitas, e o som de intensos tiroteios ecoava por horas, aterrorizando milhares de famílias. Ao final do dia, o balanço oficial divulgado pelo governo do estado apontava 64 mortos, entre eles quatro policiais militares.
A resposta do governador Cláudio Castro foi imediata e assertiva. Em coletiva de imprensa, ele classificou a ação como um "sucesso" e defendeu a atuação das forças de segurança, declarando que não havia vítimas civis a lamentar. "De vítima ontem, só tivemos os policiais", afirmou Castro, em uma fala que rapidamente repercutiu e foi endossada por seus apoiadores e por lideranças da direita e da extrema direita brasileira, que veem na política de confronto a única solução para o problema da segurança pública. A narrativa oficial era clara: o Estado havia enfrentado e vencido os criminosos em seu próprio território.
Contudo, a versão apresentada pelas autoridades começou a ruir à medida que os relatos dos moradores emergiam. Nas redes sociais e em conversas com a imprensa, o que se descrevia era um cenário de terror e violações. "Encontramos muitos corpos na mata, pessoas que não tinham envolvimento com o tráfico", afirmou um residente que preferiu não se identificar por medo de represálias, em depoimento à Agência Brasil. A busca desesperada pelos desaparecidos durante a quarta-feira confirmou os piores temores. Os corpos encontrados nas matas, longe dos locais de confronto direto, apresentavam ferimentos à queima-roupa e sinais de tortura, segundo os relatos, o que contradiz a tese de morte em combate. Familiares choravam sobre os corpos de seus entes queridos, muitos deles jovens, cujas vidas foram ceifadas em uma ação que prometia segurança, mas entregou luto.
A dimensão da tragédia rapidamente ultrapassou as fronteiras brasileiras. A Organização das Nações Unidas (ONU) emitiu um comunicado expressando profunda preocupação com a letalidade da operação e instou o governo brasileiro a conduzir investigações céleres, imparciais e eficazes para apurar todas as mortes. "Esta operação letal reforça a tendência de consequências extremamente fatais das ações policiais nas comunidades marginalizadas do Brasil", declarou a entidade, em nota que foi divulgada pela Agência Brasil. A imprensa internacional também deu grande destaque ao caso. O jornal britânico "The Guardian", por exemplo, publicou uma matéria com o título "Brasil: ao menos 64 mortos no dia mais violento do Rio de Janeiro em meio a batidas policiais", sublinhando a brutalidade da ação e o seu impacto devastador sobre a população local.
Enquanto a repercussão negativa crescia, especialistas em segurança pública no Brasil começaram a analisar a estratégia e os resultados da "Operação Contenção". Jacqueline Muniz, professora do Departamento de Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense (UFF) e uma das maiores conhecedoras do tema no país, não poupou críticas. Em análise divulgada pela Agência Brasil, ela classificou a ação como uma "lambança político-operacional". Para Muniz, a operação foi "amadora" e falhou em seu objetivo principal de enfraquecer o crime organizado, servindo mais como uma demonstração de força com fins políticos do que como uma estratégia de segurança bem planejada. A crítica central é que tais megaoperações raramente resultam em prisões de lideranças importantes ou na apreensão de grandes arsenais, mas produzem um número elevado de mortes, aprofundando o ciclo de violência e a desconfiança entre a comunidade e a polícia.
Diante da escalada da crise e da gravidade dos fatos, o Palácio do Planalto reagiu. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva convocou uma reunião de emergência com os ministros da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, e dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, para discutir a situação no Rio de Janeiro. A postura do governo federal foi de cobrar apuração rigorosa e responsabilidade. "Precisamos de uma investigação rigorosa para entender o que aconteceu e garantir que os direitos humanos sejam respeitados", declarou o presidente, sinalizando que o governo federal acompanhará de perto os desdobramentos e não se omitirá diante da gravidade do massacre. A declaração de Lula serve como um contraponto direto a narrativas que buscavam isentar a administração estadual e sugerir uma suposta falta de apoio federal no combate ao crime.
A voz das comunidades, muitas vezes silenciada pelo som dos tiros, também se fez ouvir. Líderes comunitários e ativistas de direitos humanos que atuam na região há décadas lamentaram a tragédia e criticaram o modelo de segurança pública baseado no confronto. "Segurança não se faz com sangue. Precisamos de políticas públicas que incluam a comunidade no processo de pacificação", afirmou um representante de uma ONG local, em fala repercutida pela Agência Brasil. A demanda é por investimentos em educação, saúde, cultura e oportunidades de emprego, áreas em que o Estado é historicamente ausente nessas localidades, criando um vácuo que o crime organizado ocupa. Para eles, a solução não virá com mais "caveirões", mas com mais cidadania.
No campo jurídico, o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), conforme noticiado pelo Correio Braziliense, anunciou a abertura de uma investigação formal para apurar as circunstâncias de cada uma das mortes e a conduta dos policiais envolvidos na "Operação Contenção". "É fundamental que haja transparência e responsabilidade em operações dessa magnitude", declarou um porta-voz do órgão. A tarefa dos promotores será complexa, envolvendo a coleta de provas em um ambiente conflagrado, a realização de perícias nos corpos e a oitiva de testemunhas que, compreensivelmente, temem por suas vidas. A sociedade civil, por sua vez, já se mobiliza, com manifestações sendo convocadas no Rio de Janeiro e em outras capitais para exigir justiça e o fim da política de extermínio nas favelas.
O legado da "Operação Contenção" é um Rio de Janeiro mais uma vez dividido. De um lado, um governo estadual que insiste na narrativa da guerra e do sucesso, ecoando um sentimento de parte da sociedade que clama por ordem a qualquer custo. Do outro, uma comunidade em luto, organizações de direitos humanos e especialistas que denunciam uma política de morte e a violação sistemática de direitos fundamentais.
 
     
     
     
     
     
    









