A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3/2021, que estabelece a necessidade de autorização prévia do Parlamento para a abertura de ações criminais contra deputados e senadores, tem provocado intenso debate e levantado alertas sobre o potencial favorecimento da corrupção no uso de emendas parlamentares. As informações foram inicialmente divulgadas pela Agência Brasil, com base em reportagem do jornalista Lucas Pordeus León, e complementadas por manifestações de diversas organizações civis e especialistas.
O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), que congrega várias entidades da sociedade civil, emitiu nota na qual denuncia que a PEC "fortalece a impunidade e fragiliza a transparência", especialmente ao "admitir o voto secreto em decisões que tratam da responsabilização de parlamentares". A medida é vista como um retrocesso nas ferramentas de controle.
Luciano Santos, diretor do MCCE, afirmou à Agência Brasil que o aumento dos volumes destinados às emendas parlamentares contribuiu para a elevação dos casos de corrupção no país. Para 2025, o orçamento federal previu cerca de R$ 50 bilhões para emendas, valor similar ao projetado para 2026, consolidando um montante significativo de recursos a serem geridos.
Santos destacou uma percepção generalizada de que "se está buscando exatamente uma blindagem por conta dessas investigações sobre as emendas". Ele questionou a lógica por trás da proposta, afirmando que "não faz o menor sentido fazer essa blindagem dos políticos, especialmente sabendo que existem diversas investigações em curso".
O diretor do MCCE defendeu maior controle, transparência e rastreabilidade na execução desses recursos públicos. Ele argumentou que, atualmente, o "controle" vem do Judiciário, com o Supremo Tribunal Federal (STF) "exigindo que o Congresso e o Executivo possam ter práticas e medidas para evitar que aconteçam os desvios nas emendas".
Santos também fez um alerta sobre a ineficácia histórica de propostas semelhantes: "Não dá para fazer uma lei onde a autorização precisa vir do Congresso. A história demonstra que isso não dá certo". Nos últimos anos, as emendas parlamentares têm sido alvo de diversas operações da Polícia Federal (PF) e de inquéritos no STF devido à falta de transparência em seu uso.
O advogado e jurista Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do grupo Prerrogativas, analisou a motivação para a aprovação da PEC. Ele sugeriu que a principal razão reside nas investigações sobre os pagamentos dessas emendas. Segundo Carvalho, "eles já estão blindados, de alguma forma, pela falta de transparência", e a PEC seria uma "ação entre amigos" para "se proteger mutuamente".
Bruno Bondarovsky, coordenador da Central das Emendas, plataforma que organiza dados sobre a execução das emendas, afirmou à Agência Brasil que a PEC pode comprometer a boa aplicação do dinheiro público. Ele salientou que "a transparência já é limitada devido ao modelo atual, que pulveriza os recursos sem o devido controle", o que resulta em baixa eficiência alocativa.
Bondarovsky alertou para as consequências: "Se as investigações de corrupção ficarem limitadas, essas emendas serão um ralo que pode inviabilizar o país". A pulverização de recursos, sem fiscalização adequada, gera um cenário propício a desvios.
Recentemente, em agosto de 2025, o ministro do STF Flávio Dino determinou que a PF investigasse 964 emendas individuais de parlamentares, conhecidas como "emenda Pix", que totalizam R$ 694 milhões e se referem a transferências especiais.
O ministro Dino já havia suspendido, em dezembro de 2024, o pagamento de R$ 4,2 bilhões em emendas devido a suspeitas de irregularidades. Em outra ação, ele suspendeu o repasse de "emendas Pix" para nove municípios, após uma auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) ter encontrado irregularidades em nove de dez cidades investigadas.
A execução das emendas parlamentares permanece como um ponto de atrito entre o Supremo e o Congresso. Novas regras para emendas foram aprovadas em março, seguindo orientações do STF, mas críticos apontam que as alterações não foram suficientes para garantir total transparência e rastreabilidade dos recursos.
A Transparência Internacional, outra organização dedicada ao combate à corrupção, relembrou um precedente histórico. Entre 1998 e 2001, período em que vigorou regra semelhante de autorização parlamentar para ações penais, o Congresso barrou 253 investigações e autorizou apenas uma.
A entidade concluiu que deputados e senadores "se mostram avessos a qualquer tipo de medida de transparência ou controle [sob emendas parlamentares] e se preocupam mais com a possibilidade de responsabilização pelos desvios do que com a necessidade de interrompê-los". A organização avalia que "a urgência da blindagem se origina justamente no avanço das investigações sobre esses desvios, que já alcançam quase uma centena".
O Instituto Não Aceito Corrupção também se manifestou contra a PEC, afirmando que a proposta busca a "impunidade assegurada pela legislação". A organização considerou que a iniciativa visa à "criação de uma verdadeira casta com alcunha jocosa de prerrogativa parlamentar para um nobre grupo de intocáveis, de pessoas acima do bem e do mal", o que "afronta o princípio da isonomia constitucional".
Repercussões e Posições Divergentes
Os defensores da PEC 3/2021 argumentam que a proposta visa proteger o exercício do mandato parlamentar contra o que consideram interferências indevidas do Judiciário e "perseguições políticas", conforme articulado por parlamentares da oposição. Essa perspectiva busca resguardar a autonomia do Poder Legislativo.
O relator da PEC na Câmara, deputado Claudio Cajado (PP-BA), rejeitou a ideia de que a proposta limitaria as ações criminais contra parlamentares. Ele justificou que a medida "não é uma licença para abusos do exercício do mandato, é um escudo protetivo da defesa do parlamentar, da soberania do voto e, acima de tudo, do respeito à Câmara dos Deputados e ao Senado".
O deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) defendeu que o Congresso Nacional não impediria investigações contra parlamentares que cometeram crimes. "Quem cometer crime vai pagar, uai. É simples assim, a gente vota e a gente mostra que essa casa é contra criminoso", disse o deputado durante a sessão.
Em resposta a esses argumentos, Luciano Santos, do MCCE, considerou-os inválidos, citando o histórico de quase todas as investigações barradas quando a regra de autorização parlamentar esteve em vigor. "É absolutamente impossível acreditar que isso aconteça", disse ele.
Santos reforçou a ideia de que o corporativismo atua fortemente nessas situações: "Nós vimos parlamentares que foram cassados pelo Judiciário e que dependiam de votação no Congresso, e que isso leva muito tempo e o corporativismo efetivamente protege. A autoproteção ali é enorme". A PEC continua em tramitação e seu desfecho será determinante para a dinâmica entre os poderes e para a fiscalização de recursos públicos.






