Dados pessoais definem quem somos? RG, CPF, endereço, número de telefone, comprovante de renda, relação de bens, dados bancários, cartão de crédito, chaves PIX, e-mail, contas em redes sociais, perfil psicológico, perfil de compra, opinião política, filosófica e religiosa, impressão digital, tipo sanguíneo, DNA, fotos detalhadas da nossa face, dentre tantas outras informações, obviamente não são a essência humana, mas se tornaram bens fundamentais vinculados à nossa existência.
Não se trata de um patrimônio que podemos perder com uma simples venda ou doação, mas de bens em simbiose com nossas manifestações e necessidades e que, portanto, merecem não só uma proteção legislativa muito especial, mas também um despertar de consciência quanto às suas importâncias!
Atualmente, a quantidade de informações privadas e íntimas que carregamos equipara nossos dados pessoais a um verdadeiro corpo digital que transporta nossa história, nosso presente e, até mesmo, nosso futuro.
Assim como não admitimos violações ao nosso corpo físico e à nossa saúde emocional, não podemos admitir violações ao nosso corpo digital.
Às vezes, até sabemos que nossos dados estão sendo captados por aplicativos e plataformas de redes sociais gratuitas, mas não damos importância, pois, a sedução e o prazer gerados pelo uso desses serviços é cegueira digital de difícil cura, é a fascinação pelo "Admirável Mundo Novo”, parafraseando Aldous Huxley.
Foram décadas de formação de uma cultura de apatia dos internautas quanto à importância de seus dados pessoais e, ao mesmo tempo, o surgimento e agigantamento de um novo modelo de negócios que, através da Internet, se apropriou, furtivamente, de uma quantidade imensurável de dados, nas sombras de um cookie ou até mesmo de um exagerado formulário de cadastro prévio, pois esses bancos de dados se tornaram “o novo petróleo”, frase célebre proferida pelo matemático Clive Humby.
Nem mesmo o GDPR, Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia, ou a LGPD, Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais brasileira, conseguiram estabelecer a obrigatoriedade dos controladores de dados em revelar o preço de venda das nossas informações nos contratos com terceiros: quanto vale nosso corpo digital nessa nova economia denominada, por muitos, de Indústria 4.0? E será que temos consciência de que até mesmo um serviço gratuito que usufruímos leva, em troca, nossa privacidade e vida íntima como moeda de troca? Até quando as empresas que comercializam nossos dados vão tratá-los como coisas independentes de seus titulares humanos?
Acordar para a importância da proteção dos dados pessoais é um religare à nossa própria humanidade!
Nos últimos meses, a imprensa noticiou vazamentos descomunais de dados pessoais de milhões de brasileiros, o que leva a inúmeras reflexões e questionamentos, independentemente da necessidade de identificação exata de todos os culpados: como esses dados foram obtidos? Havia necessidade do armazenamento de tantos dados? Que tipo de segurança cibernética foi usada para guardar e tratar essas informações? Por que os “guardiões” desses dados, sabendo da vigência da LGPD, não se adequaram a essa Lei? E nós, estamos agindo com cautela e cuidando da saúde de nossos corpos digitais? Conhecemos nossos direitos de proteção aos nossos dados pessoais? Quando usamos serviços e produtos, privados ou públicos, nós consentimos expressamente e detalhadamente em fornecer nossos dados? Somos comunicados do que será feito com essas informações?
Essas, dentre inúmeras perguntas, são solucionadas pelo Direito da Proteção de Dados Pessoais que veio quebrar o paradigma da apatia e desses abusos para nos vacinar contra a pandemia dessa cegueira digital. Mas essa vacina só funcionará através da imunidade por conscientização coletiva.
Assim como o Código de Defesa do Consumidor quebrou o paradigma da arcaica mentalidade de que, se um produto contratado resultasse, por exemplo, em mal funcionamento, não haveria o que fazer, pois era o risco do negócio, a Lei Geral de Proteção de Dados veio nos despertar para um novo direito que almeja combater excessos que desde os primórdios da Internet têm intoxicado a rede mundial de computadores.
Desse modo, há de chegar o tempo em que a nova rede social do momento, ou o app mais festejado e o website mais visitado serão aqueles que melhor se adequarem à proteção de dados pessoais.
Portanto, que venha um Reclame Aqui de Violação de Dados Pessoais; que venha o despertar quanto à necessidade de zelo quanto aos nossos corpos digitais e, mais do que responsabilidade, que venha o compromisso social de se prevenir e coibir abusos por todos que, pessoas físicas ou jurídicas, acessam nosso passado e presente que deixamos nas pegadas eletrônicas de nossas vidas virtuais.
Nossos dados pessoais, para o mercado, podem ser o novo petróleo, mas se esse “petróleo” é engenhosamente furtado de seus titulares, essa forma de “extração” não pode ser admitida em nossa nova sociedade digital que, na iminência de um mundo a ser inundado pela inteligência artificial, cada vez mais percebe que precisa ser mais humana.