CONTEMPORANEIDADES Quarta-feira, 16 de Setembro de 2020, 17:18 - A | A

Quarta-feira, 16 de Setembro de 2020, 17h:18 - A | A

OSMAR SANTOS

O equilíbrio das partes é o que garante uma vida plena

Osmar Francisco dos Santos

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Psicólogo junguiano transpessoal, fundador do Instituto Holístico do Saber

Numa das últimas publicações da obra de C.G. Jung – sobre SENTIMENTOS e a SOMBRA, editora Vozes, 2ª edição, 2014 – Jung questiona sobre o propósito da vida: “Qual é de fato o sentido de nossa existência? Devemos ser todos tigres, tigres amáveis que só se alimentam de maçãs? Tigres vegetarianos – isso é simplesmente uma anormalidade, algo doentio. E assim é o homem que não vive na terra e a ela não paga o seu tributo. Não é algo que fazemos voluntariamente. Ao contrário, é uma exigência sangrenta que – graças a Deus – não é possível contornar. Pericolosamente vivere (viver é perigoso) – a vida é um risco! E caso não seja, então nada aconteceu. Por isso podemos dizer juntamente com Voltaire no leito de morte quando o confessor lhe perguntou: “Regrettez-vous tous vos péchés?” (Você se arrepende de todos os seus pecados?) – Mais oui, mon père, et surtout ceux que n’ai pas commis” (Sim, Padre, e sobretudo daqueles que não cometi). Isso é verdade, enormemente verdade! Esse é o problema.”

Nossa personalidade, que é parte da nossa psique, ou seja o programa que administra todos os nossos recursos, fazendo as escolhas em nossa vida, de acordo com a consciência que é o padrão de avaliação, sempre espera que tudo dê sempre certo e a felicidade e o sucesso seja sempre uma consequência natural que devemos alcançar na vida. Entretanto, felicidade e sucesso são bens flexíveis que representam valores diferentes para cada pessoa. Discutir felicidade significa refletir sobre o que é importante na vida. Significa ponderar os méritos de diferentes caminhos. Nesse ponto vale lembrar Nietzsche em “Assim falou Zaratustra”, em duas partes do texto onde ele diz que há muitos caminhos e não devemos esperar que nos seja dado, pois aquele que não tem caminho, qualquer caminho serve. Na outra parte ele diz que aquilo que não nos mata, nos fortalece. Na primeira parte citada fica clara a necessidade de buscarmos nosso próprio caminho através da “viagem interior”, somente possível durante o silêncio da mente que permite ouvir a voz do coração. Enquanto que na segunda parte Nietzsche, assim como no trecho de Jung, deixa claro que é uma grande ilusão buscar um estado de graça constante, algo como o paraíso, pois o movimento, a mudança é a única realidade, segundo Heráclito, pois por mais que pensemos não conseguimos sair dessa verdade. A consequência de resistirmos às mudanças é perdermos a oportunidade da escolha, uma vez que não aceitamos mudar, nos submetemos ao que não escolhemos.

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Como podemos observar tudo que existe é ambivalente, isto é, possui dois lados, pois um dos lados dá identidade ao outro. Em assim sendo a plenitude está no equilíbrio e este é uma atividade do coração, da mente que julga e compara. A personalidade acredita que há um grande poder em comparar e classificar, mas na verdade isso promove uma grande confusão, uma vez que tende a buscar por uma perfeição impossível de se alcançar. Os opostos pitagóricos representam um marco do desenvolvimento da consciência no ocidente, eram dez pares iniciais: limitado/ilimitado, par/impar, um/muitos, direita/esquerda, macho/fêmea, repouso/movimento, reto/curvo, claro/escuro, bom/mau, quadrado/oblongo. Edward F. Edinger, em seu livro “O Mistério da Coniunctio “ compara a anatomia e o fluxo da libido – energia de vida que possibilita todas as atividades – a um circuito elétrico que gera energia pela polarização dos opostos, polos positivo e negativo, nesse caso, em nossas vidas sempre que somos atraídos em direção a um objeto desejado, ou reagimos contra um objeto odiado. Somos “capturados” pelo drama dos opostos, razão pela qual eu disse no texto anterior – A inteligência do Coração – que a vida não é uma luta, conforme muitos de nós acredita.

Até aqui podemos refletir que qualquer ideologia, seja ela de que natureza for, sempre nos divide e nos joga num conflito sem solução. Dessa forma, podemos garantir que a relação entre abusador e abusado, que constitui grande parte das questões jurídicas, não encontram uma solução de justiças para ambas as partes beligerantes. Essa é uma questão muito importante que, quando entendida, nos liberta das disputas. Quero voltar especificamente a essa questão num próximo texto, em virtude de sua importância e por representar uma ajuda para desenvolvermos a inteligência do coração.

A psicanalista junguiana alemã Brigitte Dorst pesquisou em toda a obra de C.G.Jung referências à espiritualidade e transcendência, publicando o livro com este nome pela Editora Vozes em 2015. Antes de tudo é preciso não esquecer que a ciência analisa os fatos como fenômeno, com um único objetivo de compreender suas origens e funcionamento, suas razões de existir, pouco importando conceitos de origem idealista, o que contaminaria a compreensão dos fenômenos. Não podemos deixar de concluir que há cerca de vinte anos a ciência se ocupa profundamente em entender os mistérios da mente humana, seu funcionamento além das barreiras impostas por comprovações científicas na formulação das teorias. Esse conhecimento que eu considero muito poderoso na ressignificação da vida, por outro lado, só pode ser alcançado com a experiência própria individual sobre o inconsciente, uma vez que cada pessoa é um sistema extremamente complexo. A Obra, como disse Jung, se compõem de três partes: O conhecimento, a persistência e a ação. Na primeira parte, o conhecimento, é necessário consigamos compreender o que lemos, perceber o que quis dizer quem o escreveu. Após essa etapa, se não tivermos a disciplina de persistir e praticar, toda informação será inócua, não produzindo qualquer mudança.

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Segundo Jung: “A questão decisiva para o homem é: ele está conectado a algo infinito ou não? Essa é a questão notável da sua vida. Apenas se soubermos que o que realmente importa é o infinito, é que poderemos evitar de fixar o nosso interesse sobre futilidades e sobre todos os tipos de objetivos que não possuem importância real...Se nós entendermos que aqui nessa vida, já temos uma conexão com o infinito, desejos e atitudes mudam.” A grande dificuldade é que a personalidade acredita que esse “infinito” é algo fora de nós, então ficamos perdidos procurando e aceitando os caminhos que nos são propostos. De acordo com Jung se preferimos as ideias e opiniões da consciência coletiva e nos identificamos com elas, então esses conteúdos do inconsciente coletivo são reprimidos em nosso inconsciente e passam a ser nossa referência, quanto mais material coletivo for reprimido, mais a personalidade perde sua importância. É assim que somos dominados por ideologias que nada têm a ver com nossa real identidade.

Diz: “As imagens de mundo e ser humano da Psicologia Transpessoal – que vai além da mente consciente – só são compreensíveis sobre o pano de fundo da nova imagem do mundo desenvolvida nas últimas décadas com base no conhecimento da física... Entre vários aspectos da física moderna ela cita a Teoria dos Sistemas, embora outras sejam também muito importantes, a Teoria dos sistemas nos interessa para estabelecer um paralelo que demostra a importância de cada parte na construção do todo e o equilíbrio entre as partes na construção da vida plena, pois os sistemas possuem um potencial que expressa seus estados internos. Quanto mais esse potencial é obtido, maior é a estabilidade. O desenvolvimento do potencial depende das interrelações das partes. Sendo assim, o potencial pleno de um sistema é a soma dos potenciais das partes que o compõem. Isso explica a necessidade de cuidarmos de cada parte que compõe nossa psique para obtermos o equilíbrio entre as partes e atingir a plenitude do ser. Esta plenitude não é um paraíso como a personalidade espera que seja, mas um movimento constante que permite a continuidade. As instituições que gerenciam a vida envelheceram porque visaram a manutenção do poder.

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Nossa psique – o programa que administra todos nossos recursos – sempre é representada nos sonhos como uma construção, seja casa, galpão ou um prédio. Esse símbolo indica as várias funções que são exercidas pela psique. A Psicologia Analítica compreende a psique como composta da máscara ou persona com a qual nos apresentamos no mundo; o ego ou personalidade que possui o raciocínio e age pela razão. Estas duas partes compõem a consciência lógica. O inconsciente é composto por tudo que não conhecemos ou esquecemos, porque foi reprimido – essa é a maior parte da nossa psique – finalmente há um núcleo central que Jung chamou de Self ou nossa identidade primária, sendo ainda conhecido por nossa CRIANÇA INTERIOR – A vida plena depende do equilíbrio entre todas essas partes, que por sua vez depende do nosso conhecimento e ação individual.



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