Em uma entrevista concedida ao "Jornal da Cultura", da Cultura FM 90.7, os jornalistas Antero Paes de Barros e Michely Figueiredo conversaram com Fábio Bernardo da Silva, presidente da Associação Mato-Grossense dos Servidores Públicos (AMPE), sobre a crise na educação em Mato Grosso e no Brasil. A pauta inicial abordou uma matéria publicada no jornal A Gazeta, que apontava uma redução de 30% no número de professores no estado.
Silva iniciou a discussão expressando que a diminuição de docentes e a baixa procura pela profissão são multifatoriais, mas que a desvalorização cultural e social da carreira, notadamente o aspecto salarial, desempenha um papel relevante. Ele enfatizou que este não é um problema isolado de Mato Grosso ou do Brasil, mas uma tendência global que aponta para um déficit de profissionais da educação em nível mundial.
O presidente ressaltou que as condições de trabalho precárias, tanto em escolas públicas quanto privadas, também contribuem para a evasão e a falta de interesse na profissão. "A desvalorização, eu atribuo como principal motivo para essa diminuição e essa evasão da categoria", declarou.
Ao ser questionado sobre os desafios diários da docência, Silva afirmou: "Ser professor no Brasil é um ato de coragem nos dias atuais". Ele detalhou que, além do processo de ensino-aprendizagem, os educadores precisam competir com os meios digitais e as redes sociais pela atenção dos alunos, que por vezes "entendem que sabem mais do que o professor".
A sobrecarga de trabalho foi outro ponto levantado, com o presidente da AMPE explicando que, além das aulas, os professores lidam com múltiplas atribuições em plataformas digitais. Embora reconheça os benefícios da tecnologia, apontou que muitas dessas ferramentas "sobrecarregam o professor".
Um dos desafios mais pungentes, segundo Silva, é a questão emocional de lidar com adolescentes e crianças sem o apoio adequado da família. "A família, hoje, ela não traz um apoio que nós tínhamos há dez, quinze, vinte anos atrás", observou.
A violência no ambiente escolar, um reflexo da crescente agressividade na sociedade, também foi amplamente discutida. Silva afirmou que a escola "é, de fato, uma representatividade da sociedade", e que o aumento da violência, como os casos de feminicídio, "reverbera dentro da unidade escolar".
Diante desse cenário, a AMPE está propondo uma audiência pública para debater a violência escolar. "Não é difícil nós conversarmos com qualquer professor, qualquer pessoa que está dentro da unidade escolar, e ouvir os relatos de que esta violência alcançou ele em algum momento", disse Silva, citando violência de alunos contra professores, de famílias contra professores e até mesmo a influência de facções dentro das escolas.
Antero Paes de Barros questionou sobre o "apagão da educação brasileira" e o afastamento das famílias. Fábio Bernardo da Silva confirmou a existência de um apagão e lamentou a baixa participação das famílias em reuniões escolares, que ele chama de "entrega de nota".
Ele explicou que muitas famílias não veem a educação como algo primordial, preferindo "brigar com a escola, fazer uma denúncia ao Ministério Público" em vez de cumprir regras básicas como a pontualidade. "Não é compreendido pela família" o valor pedagógico do cumprimento de horários, segundo Silva.
A desconstrução da figura de autoridade do professor foi atribuída a uma "alteração no comportamento social" e a uma "cultura de desvalorização da educação e do profissional da educação, no Brasil, nos últimos tempos".
O presidente da AMPE criticou a politização da educação, defendendo que ela deve ser tratada como ciência, não como "questões partidárias". Alertou que o questionamento da educação com base em "achismo" ou "convicções" sem dados científicos leva a um "descrédito da educação".
Fazendo uma analogia, Silva comparou a crítica infundada à educação com a irracionalidade de questionar uma cirurgia médica sem formação na área. Ele argumentou que a sociedade, as famílias e até as políticas públicas, em grande parte, "não entendem a educação como algo prioritário".
Sobre a questão ideológica de um possível desmonte da educação, levantada por Antero, que mencionou o descaso com concursos públicos e o RGA atrasado de 19,5% para profissionais da educação, Silva concordou. Ele defendeu que a educação é historicamente o motor da ascensão da classe trabalhadora e que, portanto, não deveria ser um tema de esquerda ou direita, mas um interesse de todos.
"Há uma questão de uma ignorância social de nós não entendermos que a educação é algo importante para a sociedade", pontuou Silva. Ele lamentou que a classe política, em geral, "não vê a educação como algo importante", o que pode levar a um "desmonte" institucionalizado.
"Estamos caminhando para esse desmonte e que ele está institucionalizado muitas vezes, nos processos, nos programas educacionais e que a gente não tem se atentado a isso", concluiu.
No encerramento da entrevista, Fábio Bernardo da Silva aproveitou para compartilhar uma importante conquista para a AMPE. "No último dia 30 do mês anterior, nós tivemos reconhecimento público de entidade pública", referindo-se à Lei de Reconhecimento de Utilidade Pública Municipal.
Com essa declaração, a AMPE passa a ter acesso a benefícios significativos, como isenções fiscais e a possibilidade de firmar convênios com o poder público. Essa medida fortalece a atuação da associação em prol dos servidores públicos de Mato Grosso, permitindo-lhes buscar novas parcerias e recursos para desenvolver projetos e ampliar a representatividade da categoria.
Silva reiterou o compromisso da AMPE em continuar trabalhando pela valorização e defesa dos direitos dos servidores, destacando que essa conquista é fruto do esforço conjunto da diretoria e dos associados.
    





