O epicentro da política brasileira em 2025 é o embate incessante entre o Palácio do Planalto e um Legislativo cada vez mais autônomo. Disputas orçamentárias, derrotas sucessivas do Executivo e uma articulação política fragilizada marcam um cenário de "colaboração tensa", onde a governabilidade se torna um exercício diário de barganha e resiliência, com os olhos já voltados para as eleições de 2026.
A capital federal tornou-se, desde o início do segundo ano do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um palco de negociações e embates contínuos. Longe de uma convivência harmoniosa, a relação entre o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional é marcada por uma tensão crônica, um caldo de forças que dita o ritmo da governabilidade e impõe desafios diários à agenda do Poder Executivo. O cenário, que se estende de meados de 2024 até o presente momento em julho de 2025, revela um pragmatismo político exacerbado, onde a moeda de troca e o "toma lá, dá cá" são a regra, e o custo da articulação política se eleva a patamares inéditos.
Desde o retorno de Lula ao poder, a expectativa de um governo com maior capilaridade política – dada a vasta experiência do presidente em negociações – esbarrou em um Congresso mais autônomo, pulverizado e com fortes bancadas temáticas e regionais. A chamada "agenda própria" do Legislativo, impulsionada em grande parte pelo poder concentrado nas mãos dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, transformou o ambiente político em um tabuleiro complexo, onde cada movimento exige concessões e, muitas vezes, sacrifícios à agenda original do governo.
A principal evidência da crise reside na série de derrotas impostas pelo Congresso ao governo Lula (embora se contabilizem vitórias), bem como na consolidação do Legislativo como um poder cada vez mais assertivo. A dinâmica de poder no Brasil tem sido redefinida, com o Congresso Nacional solidificando sua influência, especialmente no controle do Orçamento da União. A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025, por exemplo, prevê um montante de R$ 38,9 bilhões para emendas parlamentares impositivas, num universo superior a R$ 50 bilhões na soma de todos os tipos de emenda. Esse valor, que demonstra a crescente prerrogativa dos parlamentares sobre a destinação de recursos públicos, limita consideravelmente o espaço de manobra do governo, obrigando-o a negociar cada passo de sua agenda e a aceitar o ritmo imposto pelo Parlamento. A disputa em torno da liberação e da transparência dessas emendas tem sido uma fonte constante de atrito, com o Supremo Tribunal Federal (STF) inclusive intervindo para buscar maior rastreabilidade dos recursos.
A rota das derrotas e a fragilidade da articulação política
A derrubada de vetos presidenciais tornou-se uma rotina, sinalizando a dificuldade do Planalto em construir maiorias e manter o controle sobre as pautas legislativas. O Congresso derrubou vetos cruciais à LDO de 2024, a dispositivos da reforma tributária (que mantinham a isenção para fundos de investimento imobiliário e do agronegócio), e a pontos sobre bioinsumos e energia eólica offshore, entre outros.
O revés mais emblemático e recente foi a derrubada do decreto presidencial que aumentava o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Essa derrota, que resultará em uma perda de arrecadação de cerca de R$ 10 bilhões para o Ministério da Fazenda, expôs a fragilidade (e até aqui inutilidade) da coalizão governista e o descontentamento dos parlamentares com as medidas arrecadatórias do Executivo. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, chegou a expressar surpresa com a decisão, indicando uma falha na comunicação e na negociação.
A percepção de uma articulação política deficiente é um fator central para essa crise. Uma pesquisa Quaest divulgada agora em julho de 2025 revelou que 45% dos deputados federais atribuem a lentidão nas votações de pautas importantes à "falta de articulação política do governo". A mesma pesquisa aponta que 57% dos parlamentares veem poucas chances de o governo Lula aprovar sua agenda em 2025. A troca no comando da Secretaria de Relações Institucionais (SRI), com a nomeação de Gleisi Hoffmann em fevereiro de 2025 para substituir Alexandre Padilha, reflete a busca do governo por um novo fôlego na relação com o Legislativo. No entanto, a mudança ainda não se traduziu em maior fluidez nas votações, evidenciando que o problema é estrutural e não apenas de nomes.
Os pilares da disputa
O epicentro dessa disputa de poder reside, inegavelmente, no controle do Orçamento da União. O Congresso, que ganhou protagonismo orçamentário nas gestões anteriores, com a ampliação das emendas parlamentares – individuais, de bancada e, mais recentemente, de comissão – não recua em sua prerrogativa de definir onde e como os recursos públicos serão aplicados. Para 2025, a Lei Orçamentária Anual (LOA) tem sido, mais uma vez, um campo de batalha intenso. Parlamentares exigem a liberação de emendas não apenas em volumes robustos, mas também com celeridade, transformando-as em ferramenta essencial para a construção e manutenção da base de apoio. A dificuldade do governo em equalizar as expectativas dos parlamentares com a necessidade de responsabilidade fiscal tem gerado desgastes. A pressão por mais recursos e a barganha por cargos e espaços na máquina pública são uma constante. Se a liberação de emendas não ocorre conforme o esperado ou se atrasa, o governo vê seus projetos estagnarem na Câmara e no Senado, com a pauta "trancada" ou a aprovação de proposições que contrariam os interesses do Planalto. É um ciclo vicioso de dependência e barganha, que expõe a fragilidade da articulação governista.
A figura de Arthur Lira permanece central nessa dinâmica. Lira, que encerrou seu mandato na presidência da Câmara no início de 2025, consolidou-se como um dos presidentes mais poderosos da história recente do Legislativo. Sua capacidade de pautar projetos, seja por meio de acordos ou pela simples imposição da maioria, transformou a Câmara em um contrapeso robusto ao Poder Executivo. O governo, em diversas ocasiões, viu-se obrigado a negociar diretamente com Lira para destravar suas pautas, aceitando condições impostas que, por vezes, desvirtuavam ou diluíam suas propostas originais. A sucessão de Lira na presidência da Câmara foi um ponto crítico. O governo buscou influenciar o resultado, almejando um interlocutor mais alinhado ou, ao menos, menos propenso a embates. No entanto, o peso do "Centrão" e a autonomia dos blocos partidários garantiram que a eleição de um novo presidente não resultasse em uma subordinação do Legislativo ao Executivo, mantendo o ambiente de negociação constante e a busca por consensos pontuais, nem sempre duradouros.
Além da disputa orçamentária, a agenda legislativa é outro foco de atrito. O Congresso tem demonstrado autonomia para pautar temas que não estão na lista de prioridades do governo, e que, em muitos casos, são consideradas "pautas-bomba" por gerarem impacto fiscal ou por colidirem com as diretrizes do Planalto. Propostas que aumentam despesas sem fontes de custeio claras ou que alteram arcabouços regulatórios importantes têm sido aprovadas pelo Legislativo, forçando o presidente a usar o instrumento do veto. A derrubada de vetos presidenciais, por sua vez, é um termômetro da força da oposição e da fragilidade da base governista. Cada veto derrubado representa não apenas uma derrota legislativa para o governo, mas também um sinal de que a articulação política falhou e que o Executivo tem pouca margem de manobra para impor sua vontade sem um apoio parlamentar sólido e consistente. As Medidas Provisórias (MPs), que deveriam ser um instrumento de celeridade para o governo em casos de urgência e relevância, também se tornaram fonte de tensão. Muitas MPs têm seu texto original desfigurado no Congresso, ou pior, caducam por falta de acordo, evidenciando a dificuldade do Executivo em aprovar propostas mesmo com caráter de urgência.
A quimérica base aliada e o indomável "Centrão"
A despeito da experiência de figuras como o Ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha – ou mesmo de sua sucessora, Gleisi Hoffmann –, a construção e manutenção de uma base aliada coesa têm sido um calcanhar de Aquiles para o governo Lula. O "Centrão", bloco informal e pragmático (para não dizer fisiológico) de partidos, continua sendo o fiel da balança, oferecendo apoio em troca de espaço e recursos. A ausência de uma maioria ideológica ou programática faz com que o governo precise negociar a cada votação importante, dependendo da boa vontade ou das condições impostas por esses partidos. Essa dinâmica, embora inerente ao presidencialismo de coalizão brasileiro, tem se intensificado, tornando a gestão do presidente Lula refém de negociações pontuais e de um constante trabalho de convencimento e concessão. A busca por ministérios para acomodar partidos e por cargos estratégicos na administração pública é uma prática constante, mas que nem sempre garante a fidelidade nas votações mais sensíveis.
No campo das pautas econômicas, o governo enfrenta desafios para aprovar medidas de ajuste fiscal. Por outro lado, propostas com apelo popular, como a isenção do Imposto de Renda para salários de até R$ 5 mil, têm maior probabilidade de avançar, mesmo que gerem renúncia fiscal significativa. Essa dinâmica reflete a influência das eleições municipais de 2024, que fortaleceram o "Centrão", e a proximidade das eleições gerais de 2026, que já pautam as decisões dos parlamentares. Além disso, a bancada conservadora no Congresso tem avançado em pautas de costumes que colidem com a agenda social e de direitos humanos do governo, gerando atritos e desgastando a relação.
Consequências para a governabilidade e o País
As consequências dessa relação turbulenta são sentidas em diversas esferas. A governabilidade torna-se mais lenta e imprevisível, com projetos importantes, sejam eles econômicos, sociais ou ambientais, correndo o risco de serem engavetados, desfigurados ou simplesmente não aprovados. A incerteza política gerada por esses embates pode afetar a confiança de investidores e a estabilidade econômica, ao mesmo tempo em que atrasa a implementação de políticas públicas essenciais para a população.
Ademais, a polarização política e ideológica, que se manifesta tanto no Executivo quanto no Legislativo, contribui para um ambiente de constantes choques, onde o diálogo construtivo é frequentemente substituído pela retórica do confronto. O papel do Supremo Tribunal Federal (STF) também se torna mais relevante, atuando por vezes como mediador ou como instância final para resolver impasses institucionais, o que, para alguns, gera uma indesejável judicialização da política. O próprio presidente Lula, após a derrubada do IOF, chegou a afirmar que "não governa mais o país" se não recorrer à Justiça contra decisões do Congresso, e que "cada macaco [deve ficar] no seu galho", em clara referência à divisão de poderes e à frustração do Executivo.
Perspectivas futuras: a negociação eterna
Olhando para o futuro próximo, a tendência é que a tensão entre o Planalto e o Congresso persista. Com as eleições e o cenário para 2026 já começando a se desenhar, os parlamentares estarão ainda mais focados em suas bases eleitorais e em suas agendas próprias, tornando as negociações com o governo ainda mais difíceis e custosas. A popularidade de Lula tem apresentado queda, e a percepção de que o governo não consegue aprovar suas pautas no Congresso é generalizada entre os deputados.
A capacidade do governo de Lula de avançar com sua agenda dependerá, fundamentalmente, de sua habilidade em gerir essas relações, buscando consensos onde for possível, cedendo onde for inevitável e articulando estratégias para contornar as resistências. A governabilidade no Brasil é, e continuará sendo, um exercício constante de negociação, paciência e resiliência, num cenário onde o poder não reside em uma única esfera, mas é distribuído e disputado a cada votação, a cada projeto e a cada liberação orçamentária. A "colaboração tensa" que marca a relação entre o Executivo e o Legislativo é, portanto, o desafio central para a estabilidade política e a efetividade das políticas públicas no país nos próximos anos.
Diante desse quadro caótico que praticamente extingue o presidencialismo e institui um regime que desafia a democracia brasileira, favorecendo devaneios golpistas de uma direita ávida de poder e absolutamente descomprometida com os destinos do País, vale refletir: até quando o Parlamento e sua maioria conservadora vão governar o Brasil? Nessa perspectiva é bom ressaltar que a grande disputa em 2026 não será pela Presidência, mas pela maioria no Congresso Nacional.