Diretora do documentário “Amazônia, o Despertar da Florestania”, a atriz Christiane Torloni defendeu a perenidade das políticas públicas de defesa da floresta amazônica e criticou a sazonalidade com que a defesa do ecossistema é feita. Ativista há mais de 30 anos, Torloni coordena o movimento Amazônia para sempre desde 2009. Ela participou de uma live realizada pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) para tratar do assunto.
Torloni lembrou que o documentário, dirigido também pelo cineasta Miguel Przewodowski e lançado no final de 2018, se inicia no período das “Diretas Já”. A abertura política com o fim da ditadura militar culminou com a promulgação, em outubro de 1988, da Constituição Federal, que prevê uma série de mecanismos de defesa do meio ambiente e dos povos indígenas.
“Se nós lutamos tanto pela abertura democrática do Brasil, sendo tão diferentes, chegamos à Constituição, por que essa carta que tem mais de 30 anos não consegue ser respeitada?”, questiona a atriz que se disse impressionada com o fato de que não se consiga impedir que ela não seja sazonalmente desestabilizada. “Em um ano e meio estamos vendo um retrocesso nunca antes imaginado, vivendo uma inquietação institucional que nos atinge emocionalmente, tanto quanto a pandemia do novo coronavírus”.
Ela lembrou que ainda na gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi necessário montar uma “força-tarefa” para que um grupo fosse recebido por ele para cobrar o fim do desmatamento. “Por que não existe uma cláusula pétrea que proteja nossos ecossistemas?”, pontuou. Para ela, o maior desafio é a mudança de comportamento das pessoas. “Porque você pode ter em um momento figuras importantes em lugares magníficos, mas isso pode ser descontinuado”.
Responsabilidade social
Uma das alternativas aos questionamentos de Torloni foi apresentada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar
Mendes. Ele defendeu, por exemplo, a criação de uma Lei de Responsabilidade Social, com perfil semelhante à lei de Responsabilidade Fiscal. Para o magistrado, as pessoas que ocupam cargos importantes sem o compromisso com a causa que estas instituições defendem traz graves prejuízos para o país.
“Na medida em que você coloca na Funai pessoas que não tem a ver com a causa indígena há um comprometimento na proteção dos índios. Quando você coloca no Ibama pessoas que não possuem compromisso com a defesa do meio ambiente, tudo isso é posto em risco. A destruição por dentro das instituições é extremamente grave”.
Ministra do Meio Ambiente no governo Lula, a ex-senadora Marina Silva também participou do evento. Ela fez um histórico da redução do desmatamento conseguida no início do século XXI e destacou que o descontrole ambiental da Amazônia pode, combinado com a pandemia da Covid-19, aumentar e muito o número de mortes.
“Imagina esse cenário de uma doença respiratória dramática com as queimadas que virão aí. Segundo os médicos já é muito difícil para as pessoas que têm problemas respiratórios, imagine quando somar as duas coisas, o vírus com o material particulado lançado pelas queimadas, vamos ter uma situação de completo descontrole”, ressaltou.
Além das questões da saúde, Marina salientou os aspectos econômicos, com os prejuízos econômicos que a falta de eficiência no combate ao desmatamento da floresta pode trazer para o Brasil. “Esses prejuízos são para a saúde, para o meio ambiente, com a perda de muitas riquezas, mas é também um prejuízo econômico. O Brasil já está sendo trancado do lado de fora por uma decisão que tomou em não enfrentar o desmatamento”.
Ponto de retorno
Um dos maiores pesquisadores do clima, o cientista Carlos Nobre rememorou suas previsões sobre a Amazônia, feitas há 30 anos, de que se o desmatamento não fosse combatido a floresta se tornaria uma savana degradada. “No sul da Amazônia a estação seca está ficando mais longa, mais quente. Em Alta Floresta, por exemplo, a floresta já não absorve carbono, ela está perdendo carbono”.
Todos esses sinais, pontuou Nobre, apontam que a floresta está no limiar do seu ponto de retorno que ultrapassado não seria mais possível resgatar o ecossistema. “Se isso acontecer, os microrganismos vão ficar soltos, vamos ter um desequilíbrio imenso, que não tivemos em milhões de anos”.
As mudanças climáticas, avaliou o cientista, estão fazendo também com que a produtividade chegue ao limite. Nobre prevê que se o país não conseguir o sucesso do que se propôs a fazer no Acordo de Paris, as temperaturas vão estar acima do limite de produção de grãos e até da pecuária, colocando o papel de destaque do Brasil no agronegócio em risco.