Quem mora em Cuiabá tem convivido quase que diariamente com uma fumaça espessa que encobre o sol, deixa o céu cinza e o ar praticamente irrespirável. Não era para menos. Este ano as queimadas em Mato Grosso atingiram uma área cinco vezes maior do que a Capital, ao todo 1,7 milhão de hectares segundo aponta o levantamento “Caracterização das áreas atingidas por incêndios em Mato Grosso” lançado pelo Instituto Centro Vida (ICV) com base em dados da plataforma global Fire Emissions Database, da Nasa, e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
“As consequências dos incêndios são enormes. Vão desde os impactos para a biodiversidade e equilíbrio ambiental até prejuízos econômicos, como o comprometimento do potencial turístico tão importante para a região. Um dos maiores impactos ocorre na saúde da população local com o aumento da frequência de doenças respiratórias, em meio ao auge da pandemia da Covid-19 na região. Pesquisa da Fiocruz realizada nas áreas mais afetadas pelo fogo na Amazônia em 2019 mostrou que o número de crianças internadas com problemas respiratórios dobrou. Isso acarretou em um custo excedente de R$ 1,5 milhão ao Sistema Único de Saúde (SUS), e esse ano os pesquisadores preveem um cenário ainda pior”, frisa a nota técnica assinada por Vinícius Silgueiro, Ana Paula Valdiones e Paula Bernasconi, que passou pela revisão de Douglas Morton, do Goddard Space Flight Center da Nasa.
Segundo Paula, desde o ano passado os cientistas sabiam que este seria um período crítico e mais propício às queimadas. “É papel da ciência antecipar esses riscos e essas condições”, afirma. “O governo do Estado tomou a iniciativa de antecipar o período proibitivo mas, mesmo assim, não foi suficiente para conseguir evitar que esses focos acontecessem”, completa.
O documento aponta que metade da área afetada por incêndios entre janeiro e 17 de agosto incidiu em imóveis rurais inscritos no Cadastro Ambiental Rural (CAR), com 874 mil hectares contabilizados. A categoria é seguida das áreas não cadastradas, que tiveram 367 mil hectares consumidos pelo fogo.
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“Esses imóveis cadastrados no CAR ocupam a maior área no estado, então quando o fogo sai de controle, ele também se alastra neles. Mas o dado também é um indicador da origem da queimada principalmente nos imóveis rurais privados, de uso agropecuário, e mostra a associação do uso do fogo na sequência do desmatamento para a limpeza da área”, explica Vinícius, ao afirmar que os dados são importantes para ações de responsabilização pelos incêndios.
Dos biomas, o Pantanal foi o mais impactado proporcionalmente, com uma área de vegetação nativa queimada nove vezes superior ao quantitativo de desmatamento na região dos últimos dois anos.
A situação também é crítica para as Terras Indígenas (TIs) mato-grossenses, que concentram 18% de toda a área afetada pelos incêndios no estado.
Entre os biomas, a Amazônia registrou 37% das áreas, seguida do Pantanal, com 32%, e do Cerrado, com 31%. O município com maior área afetada por incêndios foi Poconé com mais de 312 mil hectares atingidos e o correspondente a 18% de toda a área incendiada no estado. O município é seguido de Barão de Melgaço e Cáceres.
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Juntos, os três municípios localizados no bioma Pantanal respondem por 31% da área impactada pelo fogo no estado no período analisado.
Fogo no Pantanal
Considerada a proporção entre área queimada e a extensão total, o Pantanal foi o bioma que mais sofreu pela ação do fogo: as chamas, que atingiram 560 mil hectares, já consumiram 9% do bioma no estado, uma área nove vezes maior que todo o desmatamento ocorrido na região nos últimos dois anos, que somou 59.950 hectares desmatados nos anos de 2018 e 2019. O estudo também mostrou que 95% do fogo no bioma incidiu sobre áreas de vegetação nativa.
Desde o início do período proibitivo, apenas nove pontos iniciais de incêndios se alastraram e foram responsáveis por impactar cerca de 324 mil hectares no Pantanal, maior parte da área total atingida por incêndios no bioma no período de quase 50 dias. As nove frentes responderam por 68% de todos os focos de calor no período proibitivo no Pantanal mato-grossense. Os dados de focos de calor no estado são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e são compilados pelo Monitor de Queimadas, plataforma de monitoramento lançada em julho pelo ICV.
“O bioma pantaneiro é formado por vários tipos de vegetação que vão desde gramíneas nativas até áreas florestais. Estudos mostram que são necessárias de 3 a 4 décadas para que essas áreas voltem à condição anterior ao incêndio. Isso é bastante preocupante porque é um impacto que o Pantanal nunca viu”, ressalta Vinícius.
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Os incêndios florestais que castigam nesta época do ano são, segundo ele, um alerta em relação à gestão ambiental no país como um todo. Para Silgueiro, mostram também uma desarticulação, tanto em nível federal quanto estadual para que os efeitos desse combate sejam efetivos.
“A responsabilização é possível por parte dos órgãos responsáveis e tem que ser feita. Se não quisermos ver cenários como esse, temos que fortalecer a fiscalização e a responsabilização dos agentes causadores dos focos de incêndio”, enfatiza. (Com Assessoria)