AMOR SEM MEDO Quarta-feira, 24 de Setembro de 2025, 09:52 - A | A

Quarta-feira, 24 de Setembro de 2025, 09h:52 - A | A

TRAVESSIA E PALAVRAS

Sonhos, “antes dele”, esperanças e dores, “com ele”. “Depois dele”, uma nova vida.

Dielcio Moreira

Advogada, uma filha, bem-sucedida no mundo corporativo, experiência internacional, de repente se vê aos poucos sendo anulada por força de um relacionamento emocionalmente abusivo. Não houve violência física, foi apequenamento, palavras que apunhalavam a alegria de viver. O sorriso de um relacionamento feliz e regado a sonhos foi dia após dia tornando-se um cubículo, dentro dele um confuso mundo de ciúmes, gentilezas, agressões verbais, afeto, controle e acusações.

Essa é a história de Tatiana Poletti, contada em fragmentos de alegrias e dores no livro “Ela não disse: a história real de um relacionamento abusivo”. Com edição da autora, o texto está disponível na página do Instagram “Ela não disse”. Tatiana deixa claro na introdução que o livro não é sobre o “Ex”, muito menos sobre a relação, é sobre ela, sobre a vida dela vivida nos dois anos de convivência. Contada na terceira pessoa, é um relato íntimo, é a autora olhando para ela mesmo e se libertando na escrita.

Ao longo de onze curtos capítulos, formados com frases concisas, como se fossem poemas, Tatiana se vê aprisionada em um imbróglio emocional que o antropólogo e cientista social Gregory Bateson chamou de “Duplo Vínculo”. Como conta Tatiana, seu companheiro ora era gentil, amigo, afável, ora perturbador, ciumento, controlador e perseguidor. Este modo paradoxal de se comunicar em uma relação afetiva familiar cria, segundo Bateson, situações em que as pessoas se anulam e adoecem.

Escrever sobre o que vivemos e sentimos é um caminho libertador. Texto do professor Anselmo Alós, da Universidade Federal de Santa Maria e de Camila Marchezan Cargnelutti discute a “escrita como um território de libertação” no romance da escritora Ana Maria Machado, “Tropical Sol da Liberdade”. “As memórias da dor” são narradas no contexto da ditatura militar no Brasil, entre 1954 e 1985, por uma mulher oprimida por “gênero e ideologia”, que não admite ser silenciada. 

A escritora norte americana Charlotte Perkins Gilman (1860-1935) sofria de depressão, ainda criança sentiu profundamente o distanciamento afetivo da mãe e a separação dos pais. Escreveu “O papel de parede amarelo”, um conto em que a intimidade da personagem ganha forma em um misto de gratidão e resignação à condição de confinamento imposta pelo marido (Veja artigo nesta coleção de textos “Amor sem Medo). 

A personagem do conto de Charlote, segundo a jornalista e escritora Heloisa Seixas na apresentação do livro “O papel de parede amarelo e outras histórias” vive “o processo de adoecimento mental de uma mulher, a partir do comportamento dominador de seu marido e dos mecanismos de uma sociedade opressora, que convence as mulheres sobre as suas fragilidades e limitações”.  

A armadilha emocional criada pelo companheiro que aprisionou Tatiana por dois anos foi desarmada por ela de dentro para fora, quando resolveu usar as palavras para entender e traduzir as suas dores. Aliás, Virginia, personagem de Machado de Assis em Memórias Póstumas de Brás Cubas, submetida a “alguma afetação”, mas calada como “estátua do Silêncio”, inspirou no autor uma de suas frases mais reconhecidas: “a dor que se dissimula, dói mais”. Como se libertar é o ensinamento que Tatiana deixa com a publicação de sua história real.

Antes de se tornar um livro impresso para ser folheado capítulo por capítulo, “Ela não Disse” nasceu por partes, no Instagram: do início, quando “ele apareceu, das gentilezas e momentos felizes até o surgimento da dor, do isolamento e a luta interior para voltar a ser o que sempre foi, “antes dele”: uma mulher feliz, de bem com a vida. A travessia começou com palavras expostas ao público e não termina no primeiro livro. É o desejo de Tatiana.    



Comente esta notícia

Nossa República é editado pela Newspaper Reporter Comunicação Eireli Ltda, com sede fiscal
na Av. F, 344, Sala 301, Jardim Aclimação, Cuiabá. Distribuição de Conteúdo: Cuiabá, Chapada dos Guimarães, Campo Verde, Nova Brasilândia e Primavera do Leste, CEP 78050-242

Redação: Avenida Rio da Casca, 525, Bom Clima, Chapada dos Guimarães (MT) Comercial: Av. Historiador Rubens de Mendonça, nº 2000, 12º andar, sala 1206, Centro Empresarial Cuiabá

[email protected]/[email protected]

icon-facebook-red.png icon-youtube-red.png icon-instagram-red.png icon-twitter-white.png