O número de atendimentos prestados a mulheres vítimas de violência doméstica aumentou de forma significativa em Cuiabá no último ano. Dados do Anuário de Violência Doméstica e Crimes Sexuais – 2024, lançado pela Polícia Civil, mostram que os registros passaram de 2.061 casos em 2023 para 6.223 em 2024, um crescimento de 27%.
O levantamento reúne informações da Delegacia Especializada de Defesa da Mulher (DEDM) e do Plantão de Violência Doméstica e Crimes Sexuais – 24h (PLVD). Para a delegada titular da DEDM, Judá Marcondes, os números não significam apenas mais violência, mas também maior confiança no trabalho policial. “O acolhimento pode representar o primeiro passo para o rompimento do ciclo da violência. Quando a mulher encontra profissionais preparados, ela consegue dar início ao processo de denúncia e proteção”, explica.
O anuário aponta que maio e outubro foram os meses com mais atendimentos. A delegada Judá relaciona esse aumento a datas simbólicas, como o Dia das Mães e o Outubro Rosa. “Essas campanhas estimulam a mulher a refletir sobre sua vida e a se perceber como sujeito de direitos”, observa.
Outro dado relevante é que a segunda-feira concentra o maior número de registros. Para especialistas, esse padrão está associado à violência ocorrida nos finais de semana, muitas vezes agravada pelo consumo de álcool e pela convivência prolongada em casa.
Perfil das vítimas
Das 6.223 mulheres atendidas em 2024, a maioria tinha entre 30 e 49 anos (55%), possuía ensino médio ou superior(62%) e vivia com renda de um a três salários mínimos (58%). Além disso, 55% se declararam pretas ou pardas.
Esses dados mostram que a violência atinge mulheres em idade produtiva, escolarizadas e com renda estável. Para a coordenadora de Enfrentamento da Violência Contra a Mulher, Mariell Antonini, a informação é importante para desfazer estereótipos. “A escolaridade e a renda não impedem que a mulher seja vítima. O que faz diferença é a rede de apoio e a confiança nos mecanismos de denúncia”, destaca.
Perfil dos agressores
Entre os suspeitos, 63% tinham entre 18 e 49 anos, 36% possuíam ensino médio ou superior e 33% se declararam pretos ou pardos. As profissões variam, mas em comum está a relação de proximidade com a vítima — parceiros, ex-companheiros, familiares ou conhecidos.
Esse padrão confirma que a violência doméstica ocorre, em grande parte, dentro de casa e é praticada por pessoas do círculo íntimo.
A Polícia Civil enfatiza que o aumento nos atendimentos pode estar relacionado à percepção maior das mulheres sobre o que caracteriza violência. Nem sempre as agressões são físicas. A legislação brasileira reconhece também as formas psicológica, moral, patrimonial e sexual.
Delegadas e especialistas alertam que a violência psicológica é a mais frequente e, muitas vezes, invisível. Humilhações, ameaças e isolamento são sinais comuns. Já a violência patrimonial aparece em casos de controle do dinheiro ou retenção de documentos.
O ciclo da violência doméstica — marcado por tensão, agressão, reconciliação e repetição — só pode ser interrompido quando a vítima percebe que existe acolhimento e proteção disponíveis.
Para a Polícia Civil, o anuário é um instrumento fundamental de análise e planejamento. Os números permitem identificar padrões, fragilidades e pontos de melhoria.
O aumento de 27% nos atendimentos deve ser interpretado como sinal de maior confiança no sistema de proteção. “O desafio agora é garantir que cada mulher que busca ajuda tenha uma resposta efetiva, rápida e humanizada”, conclui a delegada Judá Marcondes.