Em 1956, através de um pequeno ensaio denominado “Presente e Futuro”, Jung escreveu: “estamos vivendo naquilo que os gregos chamaram de kairos – o momento certo – para uma metamorfose dos deuses”, dos princípios e símbolos fundamentais. Essa particularidade de nosso tempo, que certamente não é de nossa vontade consciente, constitui a expressão do homem inconsciente dentro de nós que está mudando. As gerações futuras terão que dar conta dessa significativa transformação caso a humanidade queira se salvar da autodestruição ameaçadora de seu poder, tecnologia e ciência”.
Refletindo sobre o texto de Jung, pensamos que essa mudança somente pode ocorrer mesmo a nossa revelia, pois a personalidade resiste nos seus conceitos conhecidos, como disse James Hillman que paradoxalmente, estamos menos conscientes quando estamos mais conscientes. Quando estamos em plena eficiência egóica, certos de nós mesmos, sentindo-nos muito seguros, movimentando-nos dentro daquilo que mais conhecemos, estamos menos reflexivamente cônscios. Muito perto da luz é aonde menos enxergamos.
Isso nos parece um absurdo, mas é, de fato, a consequência do que disse Heráclito que a única verdade é a mudança, ou seja, o movimento. Assim o que não muda envelhece e acaba. Nesse caso, para que a vida cumpra seu papel de continuidade, o inconsciente gera as crises com o objetivo de nos despertar. Por esse motivo nosso inconsciente está mudando independente de nossa vontade.]
Leia mais: Como as relações harmônicas entre os opostos define o sucesso
A outra questão lançada pelo texto de Jung: ...As gerações futuras...caso a humanidade queira se salvar da autodestruição ameaçadora de seu poder, tecnologia e ciência. Mas em que o progresso tecnológico e científico pode nos destruir? É que não vivemos mais na longa era primitiva, que permitia a continuidade dos sistemas, como também não nos encontramos num futuro próspero e bem ajustado. Começamos por modificar a genética dos vegetais, para conseguir melhores resultados quantitativos, qualitativos e sazonais. Depois modificamos a genética dos animais para obter os mesmos resultados conseguidos com os vegetais. Em seguida, através da decodificação dos códigos genéticos humanos, nos tornamos capazes de alterar nosso genoma e até produzir um novo ser a partir de uma única célula. Ocorre que não podemos garantir a continuidade, a sustentabilidade de uma matriz artificial, sem raízes históricas. Esse é o motivo pelo qual nosso poder tecnológico e científico pode nos destruir.
Essa perspectiva, já foi exibida num filme chamado Milenium, que, segundo a estória apresentada, não era possível ter sentimentos. Na mesma direção o best seller de Aldous Huxley, "Admirável Mundo Novo", no qual as pessoas eram “fabricadas” em provetas de acordo com as necessidades: tantos engenheiros, médicos, advogados, agricultores, etc. As palavras pornográficas eram pai, mãe, gestação, tudo que se referia aos laços parentais. O mundo era administrado por uma autoridade ao qual era-lhe concedido a título de “Vossa Forderia”, naturalmente em alusão a Henry Ford, considerado o pai da automação, visto que o livro foi escrito em 1935.
Todas essas pontuações nos levam a refletir sobre o poder. A Filosofia diz que o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente. Essa questão filosófica está diretamente relacionada ao texto de hoje, pois as mudanças são tão profundas e rápidas que, em alguns casos, não permitem uma adaptação que garanta a continuidade. Por esse motivo as instituições, sejam elas públicas ou privadas, rapidamente envelheceram e não conseguiram mais garantir as sustentabilidades às quais se propõe. Como a resistência à mudança, segundo Freud, é da natureza humana, aqueles que detêm o poder, não permitem que ele seja renovado para atender uma inerente continuidade, pois assim perderiam o poder. Essa é a base das lutas ideológicas pelas quais passamos.
Leia mais: O equilíbrio das partes é o que garante uma vida plena
Podemos também dizer que há uma identificação perversa entre algumas pessoas e o cargo que elas ocupam. A identificação com os papeis que exercemos, assim como com os objetos que possuímos constitui uma alienação da personalidade. A cura dessa alienação comum em nossos dias, que produz lutas coletivas, ansiedade e depressão pessoal, passa necessariamente pela autoconsciência que nos permite entender as relações e fazer escolhas de qualidade.
A autoconsciência apenas pode ser atingida na relação com a mente inconsciente, atividade individual, uma vez que cada individuo é um sistema, sendo impossível alguém acessar a mente inconsciente de outro e promover mudanças. É fundamental dizer que a obra de ressignificação da vida consta de três partes: o insight, ou seja, o conhecimento, a persistência e a ação. A segunda parte, a persistência está no âmago de toda história de sucesso. A disciplina exige força e coragem, pois a pessoa irá deparar com material reprimido que prefere evitar. Quanto terceira parte a ação, é ela que materializa a mudança.
Passando do caminho individual para o coletivo, precisamos fazer alusão aos estudos da Física Quântica, no que concerne "Teoria Geral dos Sistema". A lei geral governa a relação entre um sistema institucional, isto é, uma família, uma organização pública ou privada. Diz que o todo é maior que a soma das partes e que a capacidade plena de um sistema depende da capacidade plena de cada uma de suas partes. Isso nos leva a seguinte conclusão: só podemos atingir a plenitude de um sistema quando incentivamos o desenvolvimento pleno de cada parte. Essa nova realidade leva a gestão a desfazer os processos relacionados ao exercício do poder, definido pela hierarquia ou poder financeiro, para levá-la a um processo de acolhimento humano.
Leia mais: Inteligência do coração - novo patamar do desenvolvimento humano
Não podemos confundir acolhimento com liberalidade, mas com a responsabilidade. A não ser que a pessoa possa se apresentar de forma espontânea, como um ser integral em seu ambiente de trabalho sem a preocupação de ser julgado e ridicularizado. Há, portanto, uma conspiração de medo em jogo que envolve os funcionários e também as organizações. Estas temem que se as pessoas levarem tudo de si mesmas para o trabalho, isto é, seus humores, caprichos e roupas de final de semana, - as coisas rapidamente se transformarão numa bagunça. Parece mais adequado ser cauteloso e esconder a individualidade atrás de uma máscara profissional.
Segundo Richard Buckminster Fuller, “você nunca muda as coisas lutando contra o que já existe. Para mudar alguma coisa, construa um novo modelo que faça com que o modelo atual se torne obsoleto”. Essa talvez seja a grande dificuldade em fazer mudanças. As pessoas que pretendem fazer uma grande mudança, não mais querendo o que é velho, mas, por outro lado, ainda não tem o que é novo, ficam perdidas na rua do meio. Qualquer mudança só é possível se antes acolhermos o que somos.
As empresas centenárias que não se modernizaram para atender as novas exigências de um mercado em constante mutação, que não se refere apenas em atender a evolução dos equipamentos e processos. Em alguns tipos de negócio, onde a atuação das pessoas determina a qualidade do que é ofertado, a gestão de pessoas não mais pode ser engessada como numa hierarquia vertical comum nas antigas organizações. O controle é inimigo da criatividade e inovação. O bem maior que as pessoas podem oferecer hoje são as ideias, essas sim sempre revolucionaram o mundo. Estão aí a Microsoft, Google e tantas outras que comprovam essa tese. Nos tempos atuais a autoridade será exercida pela afetividade oferecida e não mais por algum cargo de chefia ou outro poder.
Leia mais: A consciência como base para a qualidade de vida
A era da internet precipitou uma nova visão de mundo, capaz de contemplar a possibilidade da inteligência distribuída, em vez de uma hierarquia de cima para baixo. Com essa visão de mundo é que podemos conceber a ideia de que temos mais de um cérebro e, mais ainda, de que eles podem trabalhar juntos como inteligência compartilhada.
Podemos inventar uma maneira mais poderosa, mais emotiva, mais significativa de trabalhar em conjunto se apenas flexibilizarmos nosso sistema de crenças. Isso implica em usar o coração no lugar do cérebro. No momento estamos jogando uma partida arriscada com o futuro, acreditando que o aumento da tecnologia irá curar as cicatrizes que a modernidade infligiu ao planeta. Einstein dizia que os problemas não podem ser resolvidos com o mesmo nível de consciência que os criou em primeiro lugar. Por isso é preciso acessar um novo estágio de consciência, uma nova visão de mundo, para reinventar as organizações humanas. Este novo estado de consciência somente poderá ser obtido pelo trabalho individual de cada pessoa mergulhando em seu inconsciente e removendo os entulhos de traumas passados que impedem o acesso a nossa verdadeira identidade.