Nunca dei muita bola para cerimônias e celebrações, mas sempre me comovia com a emoção que me despertava cada vez que vivenciava algum evento do tipo. Me questionava por que algumas pessoas realmente investem tempo, dinheiro e dão o melhor de si para celebrarem momentos como aniversários, bodas, formaturas...
Uma hora a ficha cai. Caiu. Num ano tão embebido de inseguranças, temores e restrições, breves e singelas comemorações tomaram proporções gigantescas, não fora, onde todos podem ver, mas internamente, onde a alma reconhece a importância de vivenciar cada passagem.
Compreendi, finalmente, que muitas dessas celebrações não se tratam apenas de pompa e roupa bonita (embora muitos só se preocupem com isso). Percebi que na maior parte das vezes essas comemorações podem ser vivenciadas como verdadeiros rituais de passagem e por isso despertam tantas emoções.
Uma simples e típica cerimônia de formatura, lá da pré-escola, anuncia que a criança está pronta para o novo ciclo no ensino fundamental. Mas veja como pode ser doloroso esse rompimento, essa morte, tanto para a criança como para as famílias. O pequeno formando sairá do seu ambiente conhecido e seguro, terá de se separar de grandes amigos e vencer o assustador desafio de um novo ciclo, com novos professores, novos amigos. As famílias precisarão escolher e confiar um momento tão ímpar a pessoas novas, situações novas. Vive-se um fim e um início de uma só vez.
Depois isso se repetirá ao final do ensino fundamental e novamente no fim do ensino médio, quando mais uma vez os amigos, a escola e o ambiente familiar serão trocados pela novidade da vida acadêmica. Fala sério! Isso não acontece sem dor. Mas também faz renovar as expectativas e enriquece as experiências.
Esses rituais presentes na vida, seja nas formaturas, seja no nascimento da criança, quando a mãe também nasce e entrega às visitas uma lembrancinha, marcam não apenas socialmente uma mudança, mas são reveladores de passagens também internas.
Os ritos de passagem nos transformam dentro e quando carecemos deles acabamos ficando de alguma forma estagnados no estágio anterior ainda que seja necessário viver no estágio seguinte. Por isso eles são tão fundamentais. Veja, se o estudante não vive sua formatura de alguma forma, talvez fique “parado” na faculdade sem nunca estar disponível para o trabalho, se o casal não assume e celebra a união, ainda que num singelo ritual, pode ficar com o pezinho ainda na juventude, sem ingressar na vida adulta necessária a uma vida a dois, se não nos é permitido vivenciar a despedida de alguém querido que morreu, ficamos com a sensação eterna de que a pessoa que partiu pode chegar a qualquer momento.
Não se trata de imensas festas, mas de simbolicamente marcar o momento da passagem. Isso não é novo, evidentemente. Exemplos não faltam entre os povos originários de rituais para que o menino se torne homem, ou mulheres que se sentam à beira de uma árvore ao decidirem pela maternidade e ali ficam até receberem a música que representará a criança que será concebida.
A comoção, a alegria ou tristeza, as sensações, o velho ciclo que se vai para dar espaço ao novo... tudo isso são experiências inevitáveis e importantes para que seja possível processar a mudança e vivenciar cada etapa. O formidável Fernando Pessoa já soprava isso aos quatro ventos ao escrever que “Sempre é preciso saber quando uma etapa chega ao final. Se insistirmos em permanecer nela mais do que o tempo necessário, perdemos a alegria e o sentido das outras etapas que precisamos viver. Encerrando ciclos, fechando portas, terminando capítulos - não importa o nome que damos, o que importa é deixar no passado os momentos da vida que já se acabaram.”