Meses e meses sem chuva. A terra sente, virgem desprezada cultivando mágoa, guardando rancor. Rachada, trincada, ressecada, estéril, sem viço, sem cor.
Mesmo suados de desespero, tentamos manter a normalidade, continuar as atividades rotineiras, como se superiores fôssemos às intempéries, ocultos pela fumaça.
Também estamos secos. A pele teima em permanecer áspera, os olhos como se nunca mais conseguissem chorar. A garganta arranha, tomada de pó, como se nunca mais pudéssemos dizer verdades.
A secura também é interior. Cada vez mais áridos. Indiferentes à dor do outro, às crianças nos sinais, aos animais abandonados, às injustiças, às desigualdades. Aos mortos da pandemia, aos mortos de todo dia, mártires de nossa época.
Leia mais: Ser gente grande é muito mais do que crescer
Sufocados pela areia fina do tempo, enterrados vivos num deserto imenso, do tamanho do mundo, de nós mesmos. E nada nos umedece. Nada mais nos hidrata.
Como bem disse Guimarães Rosa, “o sertão é uma espera enorme”. Espera-se em prece, em contar as horas, olhando para o céu, tecendo comentários banais. Uma brisa é um presságio, um sinal de que ainda não perecemos.
Leia mais: A vida, esse programa de milhas
Espera-se tentando esquecer o motivo. E seguimos, suspirando, gemendo e chorando neste vale de lágrimas, esperando pela chuva, para que torne a terra novamente verde e fértil, lave a alma de quem quiser e estiver pronto, tire a poeira dos olhos e do coração.
Esperamos por dias melhores. Esperamos pela Primavera. Dentro e fora de nós.
Claudia Luz 05/09/2020
Fantástico Si!!! Vivemos em um sertão.
Mity Pantoja 28/08/2020
Que analogia!
Karina Guerra 28/08/2020
Quanta sensibilidade! Texto forte, verdadeiro e intenso! Parabéns Si! Que possamos esperar a primavera florescer dentro da gente. ????
Simara 28/08/2020
Quero enxergar a dádiva que está presente no sol forte que parece só castigar.
4 comentários