LIVROS E OUTRAS LETRAS Quinta-feira, 14 de Janeiro de 2021, 14:53 - A | A

Quinta-feira, 14 de Janeiro de 2021, 14h:53 - A | A

TIAGO CRUZ

A mão invisível

Tiago Cruz

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Cuiabano, estudante de medicina por hobby, mas apaixonado verdadeiramente por filosofia e outras assim chamadas “ciências humanas”.

“A mão invisível” é não propriamente um livro escrito por Adam Smith (1723 – 1790) – filósofo, pai da economia moderna e pensador importante do liberalismo econômico –, mas sim uma seleção de textos retirados de sua obra principal, chamada “Uma investigação sobre a natureza e a causa da riqueza das nações” (ou apenas “A riqueza das nações”, como é mais conhecida). O critério de agrupamento desses textos foi um pensamento chave do ideário liberal na economia, que é a ideia de que o mercado (ou a economia) se autorregula; isto é, que, salvo em raras exceções, intervenções estatais no processo de produção, distribuição e consumo de bens e serviços – como alguns impostos ou proibições à comercialização de um produto – são prejudiciais ao povo e, muitas vezes, ao próprio Estado. Dessa forma, haveria uma “mão invisível” responsável por orientar as ações dos indivíduos para que eles, usufruindo da liberdade de escolha e de comércio (por isso o nome liberalismo, em referência à liberdade, para aqueles que se perguntaram), buscassem o que seria mais vantajoso para eles sem que houvesse a necessidade de a “mão do Estado” (visível em suas interferências nas vidas das pessoas) regulá-los.

A fim de facilitar meu trabalho, Smith deu uma definição de seu objeto de estudo:

A economia política, considerada como um ramo da ciência de um estadista ou de um legislador, propõe-se a dois objetivos distintos: primeiro, prover uma receita farta ou subsistência para as pessoas, ou, mais propriamente, capacitá-las a prover tal receita ou subsistência para si mesmas; segundo, suprir o Estado ou a comunidade nacional com receita suficiente para seus serviços públicos. Propõe-se a enriquecer tanto o povo quanto o soberano.

(Smith, 2013, p.24)

O pensador busca, portanto, entender o que permite “a riqueza das nações” para saber como promovê-la. Nas 120 páginas do livro “A mão invisível”, são selecionados textos que falam de:

- Divisão do trabalho e sua relação com a riqueza das nações;

- Sistema econômico mercantilista;

- Críticas a noções mercantilistas.

Essa divisão criada por mim é apenas pedagógica, com o intuito de facilitar a compreensão, pois os capítulos não têm esses nomes nem o conteúdo de um desses tópicos está necessariamente separado ou desconexo dos outros.

Adam Smith publicou sua obra prima em 1776, quando a Revolução Industrial já engatinhava na Europa (em especial, na Grã Bretanha). Nesse contexto, ele, escocês e familiarizado com a Inglaterra, vivenciou mudanças no modo de produção das sociedades europeias, que viviam uma fase de transição entre o mercantilismo – cujos pontos importantes para a compreensão do texto serão explicados em breve – e o industrialismo. Em um primeiro momento de seu livro, Smith faz uma ode à divisão do trabalho que se acentuou com a industrialização (ou o “aumento das manufaturas”, como ele escreve). Ele afirma que a quantidade e a qualidade da produção de um país aumentam com a divisão do trabalho quando comparadas a um contexto em que esta não exista (como comumente ainda ocorria na Europa até então, isto é, uma única pessoa era encarregada de boa parte – ou de todo o processo – da confecção de uma mercadoria). Na tentativa de provar sua ideia, Smith deu um exemplo que se tornou clássico: a fábrica de alfinetes. Ele afirma que, caso todo o trabalho envolvido na fabricação de alfinetes fosse delegado a um único indivíduo, com todo seu esforço, essa pessoa mal faria um alfinete por dia, talvez um pouco mais. Já se esse processo fosse dividido em torno de 18 etapas – como desenrolar o fio de aço, fazê-lo ficar reto, cortá-lo em porções de tamanho adequado, fazer sua ponta etc. –, sendo cada uma atribuída a um indivíduo, poder-se-ia atingir a marca de 48000 alfinetes por dia, como ele relata um caso vivenciado por ele de uma manufatura em que assim ocorria. Daí derivaria, em sua opinião, um dos motivos que fazem umas nações serem mais ricas que outras: a organização da produção.

Quanto à qualidade da mercadoria ser melhorada com a divisão do trabalho, o pensador atribui ao fato de que, cada trabalhador podendo se especializar em uma única atividade, é de se esperar que sua habilidade nessa tarefa melhore com a prática, o que, somadas todas as etapas da produção da mercadoria com todos os melhoramentos de cada trabalhador em individual, acarretará a melhoria geral do produto. O economista afirma também que, sendo cada indivíduo dotado de um talento diferente, a divisão do trabalho também permite que a potencialidade de cada trabalhador seja desenvolvida ao máximo, o que otimizará a produção. Por fim, ainda ressalta a crença de que a própria criação de máquinas que aumentam a produção é suscitada pela divisão do trabalho, pois é mais provável que uma pessoa envolvida em uma atividade tenha conhecimento para criar uma máquina adequada para ajudá-la em sua tarefa do que uma pessoa aleatória. Para ilustrar, Smith dá o exemplo de uma criança que ajudava bombeiros a usarem um equipamento em seus carros de trabalho e, querendo poupar-se da atividade para ter mais tempo para brincar com seus amigos, inventou um mecanismo que fazia o trabalho para o qual ele era designado sem sua intervenção, o que só foi possível devido ao fato de o garoto, em virtude de sua experiência, saber o que era necessário para o mecanismo funcionar e soube avaliar que seu invento era capaz de substitui-lo.

Quanto ao sistema econômico mercantilista, alguns aspectos merecem destaque. Têm como algumas características o colonialismo, metalismo, protecionismo (se para toda consequência há uma causa, havendo protecionismo, há também intervenção estatal na economia) e a busca pela tão almejada balança comercial favorável. Explicarei sucintamente cada uma dessas características. O colonialismo é a constituição de colônias – isto é, conjunto de pessoas que partilham uma determinada característica, como nacionalidade, que passam a habitar outros territórios que não o seu original –, prática empregada durante séculos pelos europeus, a qual pregava a exploração das riquezas dos lugares em que esses migrantes se fixavam (e das pessoas que lá estivessem – no caso do continente americano, posso adicionar a escravização de pessoas, como as indígenas e os negros sequestrados da África). O metalismo é a crença de que a riqueza de um país é proporcional à quantidade de metais preciosos que ele possui (em especial, ouro e prata), pensamento esse que impulsionava a colonização, tendo em visto que era principalmente das colônias que os europeus roubavam esses metais). O protecionismo é a prática da proteção dos produtores locais de uma determinada região no intuito de evitar sua falência ou de estimulá-los ainda mais, o que ocorre pela taxação de mercadorias feitas por pessoas exteriores ao território a ser “protegido” ou mesmo pela proibição de sua entrada nesse território. Já a balança comercial favorável faz referência à ideia de que, nas relações comerciais entre dois países, deve-se mais exportar do que importar para que a riqueza do país que assim fizer cresça, uma vez que mais se acumularia dinheiro do que se gastaria. Esse último conceito se relaciona aos impostos, dado que uma forma de evitar que pessoas comprem um produto de outro país é taxando-o de modo a torná-lo mais caro. Com essas medidas, vários pensadores e governantes da época acreditavam assegurar a riqueza de seu país e de suas pessoas. Adam Smith discordava profundamente dessa lógica.

Pensadores acreditavam que o colonialismo, por haver permitido a extorsão de suntuosas quantias de ouro e prata (principalmente) das Américas, havia enriquecido os países europeus devido ao acúmulo desses metais. Smith, no entanto, defendeu que o simples acúmulo desse material não propicia riqueza, mas sim o emprego desse no comércio exterior. Isso porque, se simplesmente se acumular dinheiro em um país, o que vai ocorrer, defendia ele, é que o que antes custava um valor custará um valor mais alto, o que, no entanto, não será uma mudança no poder de consumo da população, dado que ela também teria mais dinheiro. Exemplo: analisemos a relação entre moedas de prata e pães. Imaginemos que, em virtude da colonização de um país americano, a quantidade de moedas de prata duplicou em um determinado país europeu sem que houvesse aumento da produção de bens ou serviços que usualmente existem em seu território. Nesse cenário, houve aumento da oferta de moedas de prata sem que houvesse aumento da demanda por elas (aumento daquilo em que se pode gastar essas moedas). Assim, se, anteriormente a esse quadro, um pão custaria duas moedas, agora, com o dobro da quantidade de moedas circulando, passará a custar (de maneira simplificada, pois economia não é tão precisa) quatro moedas (o dobro do valor inicial). Em outras palavras, com o acúmulo de metais, sua maior oferta faria com que seu valor em relação aos outros produtos diminuísse, enquanto uma menor oferta desses metais faria com que seu valor em relação a outras mercadorias se elevasse. Quanto mais raro, mais caro. Sendo assim, a ideia de se acumularem esses metais não traria riqueza à nação por si só, mas sua utilização no comércio exterior (o que é justamente contrário ao acúmulo) sim, pois se trocaria uma mercadoria que estaria em falta em seu território por outra que estaria em abundância (ouro e prata, principalmente). 

Embora o acúmulo de metais preciosos não fosse admitido por Smith como um indicativo de riqueza, o assim chamado “pacto colonial” ou “exclusivo comercial” foi dito por ele como uma causa do enriquecimento de países europeus. Trata-se de um tratado entre a metrópole (país colonizador) e a colônia que, como o segundo nome escrito anteriormente sugere, permite que apenas a metrópole se beneficie da atividade produtiva da colônia (mas também poderia permitir que países aliados à metrópole – ou com os quais ela tivesse algum débito – também o fizessem). Assim, os que produziam na colônia teriam de vender sua produção (comumente, produtos agrícolas) exclusivamente para seu explorador e dele comprariam produtos manufaturados que auxiliassem a produção. Isso enriquecia uma metrópole porque ela pagava um valor baixo nos produtos de suas colônias e revendia mais caro para seus vizinhos que não tinham como acessar esse produto diretamente do fornecedor.  

Quanto à balança comercial, Smith afirma, basicamente, que se trata de uma ideia simplista. Retomemo-la. Trata-se do pensamento de que, ao se analisar as relações comerciais entre dois países, a fim de que um não se empobreça devido a elas, enquanto o outro se enriqueça, cada um deve buscar mais exportar do que importar. Sendo assim, se isso não for atingido, um país deve se preocupar em parar de importar do outro. O pensador afirma que isso desconsidera o cenário geral a ser analisado. Embora um Estado compre de outro mais do que para ele venda, isso não significa que, necessariamente, isso acarretará um empobrecimento para o primeiro. Isso porque se deve buscar comprar algo de que se haja necessidade e que exista em escassez em sua nação pelo menor valor possível. Assim, em nada coopera para seu enriquecimento deixar de comprar um produto de um país devido ao fato de isso incorrer uma “balança comercial desfavorável” se, em outro momento, esse produto terá de ser comprado de outra nação por um preço maior. Quando se avalia o saldo geral (não apenas a relação entre dois países em específicos), gastar-se-ia mais deixando de comprar um produto de um país por prezar pela “balança comercial favorável” entre esses dois enquanto se compra o mesmo produto de outro em que a balança comercial esteja favorável do que se o contrário fosse feito.

E é para o protecionismo que, ao menos nessa seleção de textos, Adam Smith dedica maior parcela de ódio (expressando-me em uma linguagem mais intuitiva). Na sua visão, o protecionismo tem uma única função: garantir o monopólio de meia dúzia de produtores. Salvo em alguns casos – como em produtos relacionados à defesa armada do Estado, por uma questão de se ter a produção interna por segurança –, o monopólio é algo ruim que é combatido pelo livre mercado. Para ele, taxar produtos estrangeiros é fruto de alguns produtores que, vendo seu lucro ser ameaçado pela entrada de mercadorias que competem pelo mesmo mercado, mas são de melhor qualidade, convenceram – sabe-se lá por qual meio – legisladores a criarem leis que dificultassem ou impedissem a entrada desse concorrente com o pretexto de “defenderem os produtores locais e os empregos”. Para Smith, os únicos beneficiados por isso são os produtores que controlarão a produção e comercialização local dos produtos sem concorrência produzidos por eles, pois o povo e o Estado não. O povo será prejudicado porque não terá acesso ao produto em sua versão mais barata, enquanto o Estado será prejudicado porque, caso necessite do produto, terá de investir mais dinheiro comprando do local – ou até mesmo tendo de subsidiá-lo, caso o motivo do preço elevado da mercadoria local seja a dificuldade de sua produção devido a particularidades da região, como dificuldade de produção em virtude de condições naturais pouco favoráveis. Quanto aos empregos, Adam Smith afirma que, caso a indústria nacional não suportasse a competição com a estrangeira e falisse, essa mão de obra seria naturalmente absorvida em outras atividades. Isso porque ele buscaria uma condição melhor para si e essa condição seria empregar esforços em uma atividade faltosa em sua região. Em outras palavras, o indivíduo buscaria uma atividade de que outras pessoas teriam necessidade, não, necessariamente, porque tivesse interesse de servir os outros, mas porque sabe que, prestando aquele novo serviço, haverá público para consumir dele. 

Desse modo, o principal nome do liberalismo econômico clássico esboçava (ou, em alguns casos, já teorizava) as teses que, precisas ou não, seriam adotadas por uma imensa parcela de pensadores posteriores – e rebatidas por outros –, as quais giravam em torno da ideia de que a liberdade de comércio e a não (ou menor) intervenção do Estado na economia traria, naturalmente, a riqueza das nações. Isso porque o interesse individual por buscar o melhor para sua vida – coisa que nenhuma pessoa pode fazer por outra – guiaria, como uma “mão invisível”, os sujeitos a uma condição melhor que a anterior, o que ocorreria pelo emprego de esforços em áreas que necessitem disso.

Todo indivíduo sempre se esforça para encontrar o emprego mais vantajoso possível para o capital de que ele dispõe. De fato, é a sua própria vantagem, e não a da sociedade, que ele tem vista. Mas o estudo de sua própria vantagem o leva naturalmente, ou mesmo necessariamente, a preferir aquele emprego que é o mais vantajoso para a sociedade.         

(Smith, 2013, p. 56).

 

 

       



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