NOTICIÁRIO Quarta-feira, 05 de Novembro de 2025, 17:47 - A | A

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SEGURANÇA PÚBLICA

"Gratificação por produtividade desvirtua o trabalho investigativo", afirma presidente do Sinpol-MT

Mauro Camargo

Em entrevista concedida ao “Jornal da Cultura”, da rádio Cultura FM 90.7, na manhã desta quarta-feira (5), o presidente do Sindicato dos Policiais Civis de Mato Grosso (Sinpol-MT), Gláucio de Abreu Castañon, afirmou que a política de gratificação por produtividade, proposta pelo governo do estado, pode comprometer a qualidade das investigações e desvirtuar a função primordial da Polícia Judiciária Civil. Aos jornalistas Antero Paes de Barros e Michely Figueiredo, ele defendeu uma reestruturação de carreira como solução para a valorização da categoria.

Segundo Castañon, a bonificação, ao premiar prisões e apreensões, cria um incentivo perigoso que pode levar os policiais a priorizarem ações de efeito imediato em detrimento de investigações complexas e demoradas, que são a essência do trabalho da Polícia Civil.

“O trabalho investigativo, ele é um trabalho diferenciado, ele exige metodologia, técnica, exige tempo. Não é algo que você coloca aí como se fosse uma linha de montagem”, declarou.

Ele explicou que investigações de alta complexidade, como as de recuperação de ativos ou de inteligência, podem durar meses ou até mais de um ano, envolvendo um trabalho intelectual que não resulta diretamente em prisões efetuadas pela mesma equipe.

“Aquele que fez todo trabalho intelectual, todo trabalho investigativo que permitiu a prisão... Acredito eu que a pessoa que idealizou esta minuta deste decreto talvez não conheça tão bem o trabalho desenvolvido pela Polícia Civil”, pontuou.

Para o sindicalista, a medida pode gerar investigações falhas, pois o policial, enquanto ser humano com necessidades financeiras, pode se ver diante de um dilema. “Se eu, pai de família, [...] tenho a possibilidade de ir fazer uma prisão ou eu fazer uma investigação que vai demandar tempo, sendo que essa prisão vai me dar um retorno de uma gratificação. Enquanto ser humano, o que é mais fácil pra mim? Abandonar essa parte investigativa”.

Castañon fez questão de ressaltar que a finalidade principal da instituição não é prender, mas investigar. “A prisão é consequência de todo processo investigativo [...]. E para que essa prisão, realmente, seja efetiva, para que haja uma condenação, ela necessita de uma investigação de qualidade. E a investigação de qualidade demanda tempo”.

A Lei Orgânica Nacional como alternativa

Em contraponto à política de bonificação, Castañon apresentou o que considera a solução estrutural: a implementação integral da Lei Orgânica Nacional das Polícias Civis (Lei nº 14.735, de 23 de novembro de 2023) no estado de Mato Grosso. “O que nós estamos defendendo, e não é de agora, [...] é a implementação da Lei Orgânica Nacional aqui no estado de Mato Grosso”, afirmou.

A nova legislação federal moderniza a estrutura das polícias civis do país. Um de seus pontos centrais é a unificação dos cargos de escrivão e investigador na nova carreira de Oficial Investigador de Polícia, conforme previsto em seu Artigo 29.

Segundo o presidente do Sinpol-MT, essa mudança otimiza o trabalho e melhora o tempo de resposta à sociedade, pois o mesmo policial poderá realizar tanto a investigação de campo quanto a formalização dos procedimentos em cartório.

“Hoje, o policial completo que seria o oficial investigador de polícia, ele está apto a fazer a investigação e a ele mesmo formalizar”, explicou. Ele citou como exemplo o atendimento a uma vítima de violência doméstica (Lei Maria da Penha) em uma cidade do interior, que hoje depende da presença de um escrivão e de um investigador. Com a unificação, um único policial poderia conduzir todo o atendimento inicial.

Castañon argumentou que a categoria não busca gratificações, mas sim uma reestruturação salarial compatível com a exigência de nível superior para ingresso nos cargos. “Nós queremos a reestruturação da carreira, acompanhada da reestruturação salarial, tendo um salário decente, digno [...]. A gente quer um tratamento isonômico com as demais carreiras de nível superior”.

Pressão e sobrecarga de trabalho

O decreto de produtividade, na visão do sindicalista, também pode intensificar a pressão sobre os policiais da base, uma vez que a distribuição dos percentuais beneficiaria principalmente os cargos de chefia. “Olhando o decreto, o percentual e a produtividade, ela é maior para delegados regionais, delegados titulares. No nosso ver, isso vai trazer o quê como consequência? Pressão para que os outros trabalhem, pra que quem está no comando receba”.

Além disso, Castañon expôs a rotina de sobrecarga de trabalho dos policiais civis, especialmente no interior, causada pelo déficit no efetivo. Ele detalhou que um policial em regime de plantão pode trabalhar 192 horas por mês, somadas a mais 192 horas em regime de sobreaviso, totalizando 384 horas de disponibilidade. Em 2013 o efetivo era de 4 mil policiais. Hoje, passados 12 anos, são pouco mais de 2 mil. 

“O que que é o sobreaviso? Ele vai ficar vinte e quatro horas com o seu celular disponível, sem poder sair [...], aguardando ser acionado. Então, na verdade, esse policial, quantas horas ele está trabalhando por mês?”, questionou, comparando com as cerca de 176 horas mensais de um trabalhador da iniciativa privada.

Essa escala, segundo ele, impede que o policial tenha um único final de semana de folga com a família ao longo de um ano.

Assembleia e "operação padrão"

Diante do cenário, Castañon informou sobre a realização de uma Assembleia Geral Unificada, marcada para a próxima segunda-feira, dia 10. Ele esclareceu que, por decisão judicial, os policiais civis não podem entrar em greve, mas podem optar por cumprir estritamente o que a lei determina, em uma espécie de "operação padrão".

“Ou a gente senta pra negociar [...], ou nós poderemos tomar ações no seguinte sentido: a carga horária prevista em lei é de quarenta horas semanais? É. Então vamos cumprir quarenta horas semanais”, exemplificou.

Ele citou ainda a possibilidade de escrivães e investigadores se recusarem a realizar atos que são de atribuição privativa do delegado de polícia, como a liberação de local de crime ou a condução de interrogatórios, conforme estabelece o Código de Processo Penal. “E se a gente fizer isso, você pode ter certeza, equivale a uma greve”.

Autonomia e papel da polícia

Questionado sobre a autonomia da Polícia Civil para investigar membros do próprio governo, Castañon afirmou que a instituição não deve fazer "investigação política", mas sim "apurar crime, apurar fato, independente de qual lado seja".

Ele reconheceu que existem "limitações legais" para investigar autoridades com foro privilegiado, mas defendeu que a polícia deve atuar como uma instituição de Estado, e não de governo.

Por fim, o sindicalista criticou a ideia de fomentar a competitividade em uma área que lida com a liberdade das pessoas, argumentando que tal modelo pode funcionar em uma indústria, mas não no serviço policial. Para ele, a métrica de produtividade deveria ser qualitativa. “A pergunta que deve ser feita [...] deveria ser o seguinte: de cem prisões que a Polícia Civil fez, quantas resultaram em condenação? Porque aí, sim, a gente teria uma métrica da qualidade do nosso trabalho e não da quantidade”.

As ponderações feitas por Castañon ocorreram em razão do decreto 1716/2025, publicado pelo governo de Mato Grosso, que regulamenta a Premiação Anual por Eficiência e Resultado (Paer/Sesp) destinada aos profissionais da Segurança Pública. O documento vincula o pagamento de gratificações ao cumprimento de metas quantitativas, como prisões, apreensões e operações realizadas. Entre os policiais, o texto ganhou o apelido de “Decreto Tadala”. 



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