LIVROS E OUTRAS LETRAS Terça-feira, 24 de Novembro de 2020, 14:49 - A | A

Terça-feira, 24 de Novembro de 2020, 14h:49 - A | A

A MULHER NA JANELA - A. J. FINN

Não é paranóia se realmente está acontecendo

Letícia Franco Camacho

[email protected]

arquiteta, urbanista e técnica em edificações. Amante da literatura, dos animais e da matemática. @lefcamacho

A mulher na Janela é o livro de estreia do autor A. J. Finn que foi lançado em 2018 pela Editora Arqueiro no Brasil. A história vai acompanhar a mente e as memórias da Dra. Anna Fox, uma psicóloga infantil que sofre de agorafobia - transtorno psiquiátrico em que a pessoa apresenta um medo absurdo de se expor a ambientes abertos.

Anna tinha uma vida perfeita, morava em sua casa - que por sinal é enorme e muito bonita - num bairro agradável com o marido e a filha. Porém, por algum motivo eles se separam e ela passa a viver sozinha na mansão. Há cerca de 11 meses presa dentro de casa, triste, decepcionada com a separação e sozinha na bela residência que um dia abrigou sua família feliz, Anna compartilha a vida monótona com os remédios e a fobia que a mantém reclusa e passa os dias bebendo muito vinho, assistindo a filmes antigos e conversando com estranhos na internet. Terapia ? Em casa. Fisioterapia ? Em casa. Aulas de francês ? Em casa também. Além disso, seu hobby favorito de todos: espiar os vizinhos pela janela - ou melhor - pelas lentes de sua câmera Nikon.

Nunca pare de acreditar

Já no início da história, uma nova família recém-chegada de Boston muda-se para a casa do outro lado do parque: Jane, Alister e Ethan - mãe, pai e filho respectivamente - os Russells, são eles. Jane e o filho Ethan procuram fazer amizade com Anna, indo até a casa dela, entregando presentes e fazendo visitas. Anna e Jane passam alguns momentos juntas, compartilham confidências, jogam xadrez e brindam taças de vinho. Nossa protagonista então, vai ficando obcecada por aquela família perfeita e os vigia todo dia pela janela. O centro da história se apresenta quando, em determinada noite, bisbilhotando através de sua câmera, ela vê na casa dos Russells algo que a deixa aterrorizada e faz seu mundo – e seus segredos – começar a ruir.

Thriller é, sem dúvida, o meu gênero favorito. Me interessei por 'A mulher na janela' desde que soube de seu enredo. O livro segue o mesmo estilo de títulos como o clássico 'Janela indiscreta' de Alfred Hitchcock. A trama se parece muito também com a história de 'A garota no trem' e 'A mulher na cabine 10' - este último, inclusive já resenhei por aqui (leia no link abaixo) - ambos possuem protagonistas mulheres cujas memórias estão comprometidas e, por isso, geram dúvidas em relação a terem ou não testemunhado algum crime. Com a mistura do vinho e a medicação pesada que toma, Anna é mais uma das personagens de histórias como essas, em quem ninguém parece acreditar. Ela perde sua credibilidade e começa a duvidar de si mesma, enquanto tenta montar o quebra cabeças que parece ir se fechando à sua volta.

Como deter um assassino se não acreditam na sua existência?

Como acreditar nela? Uma mulher que vive sozinha, bebe muito, não toma os medicamentos de maneira correta - e devido a isso pode ter alucinações. Até qual ponto o que acontece é verdade ou fruto de sua imaginação? Será que o que ela testemunhou aconteceu mesmo? O que é realidade? O que é imaginação? Existe realmente alguém em perigo? E quem está no controle?

O livro é narrado em 1ª pessoa e assim, seus anseios, dúvidas e temores são muito bem retratados a ponto de podermos senti-los. A narrativa alterna entre o que ela pensa e o que ela diz, há muitos fluxos de pensamentos e regressões em sua história, para que possamos entender alguns fatos do presente. As frases e os diálogos dos filmes que Anna assiste, em alguns momentos fazem parte da narrativa e a mesma contém muitas referências cinematográficas e arquitetônicas do começo ao fim. Pelo fato de ser alcoólatra e portadora de transtorno psiquiátrico, Anna nos faz - e faz os outros personagens também - desconfiar do quão confiável será sua 'realidade' ou a distorção dela. Alguns momentos de 'gaslighting' são colocados no livro como forma de ratificar essa dúvida e é com essa dualidade que o autor trabalha as reviravoltas dessa aventura que será capaz de surpreender os leitores uma vez que é difícil saber quando é paranóia ou quando realmente está acontecendo.

Jovens para sempre

Devido à fobia de Anna - que a impede de sair de casa - o livro carece de cenários e passa a ser monótomo em alguns momentos, pois ficamos 'vendo' Anna andar para lá e para cá dentro de casa, lamentando da vida, devaneando e bebendo sem parar. Os capítulos iniciais têm um ritmo mais lento, mas após os acontecimentos chaves, a leitura torna-se mais rápida e fixante e fará o leitor confabular bastante, suspeitar de todos os personagens e criar teorias.

'A mulher na janela' virou filme. Produzido pela 20th Century Studios, foi parar nas mãos da Disney. Seu lançamento era aguardado para 4 de outubro de 2019, mas acabou sendo adiado quando não pôde estrear por causa da pandemia. Porém, em agosto de 2020, segundo o Tecmundo, o filme - estrelado por Amy Adams - não será mais lançado nos cinemas. Em vez de chegar às telonas, os produtores estão na fase de finalização de um contrato para que seja lançado diretamente - e muito em breve - na Netflix, plataforma de streaming. O longa foi dirigido por Joe Wright, de O Destino de Uma Nação. Fica a dica para aqueles que não se apegam muito a leitura; assistam ao filme. O desfecho final faz valer muito a pena.

Imaginar o mundo deve ser mais bonito

Em geral, 'A mulher na janela' é um livro capaz de entreter positivamente o leitor. Assuntos como alcoolismo, fobias, agressão, traição, obsessão e transtornos psíquicos são tratados na história de maneira bem interessante. Seu grande diferencial são as ações que vão acontecendo e interligando os capítulos e além disso, existem três principais reviravoltas que são um pouco inimagináveis - impossível não se surpreender com nenhuma delas. Uma história sobre amor, perda e loucura escrita de forma muito bem elaborada. Nesse thriller, ninguém – e nada – é o que parece.

Às vezes fico pensando em muitas coisas diferentes ao mesmo tempo. É como se tivesse um cruzamento no meu cérebro e todo mundo estivesse tentando atravessar ao mesmo tempo. Minha querida, você não pode continuar batendo a cabeça com a realidade achando que ela não existe. Muitos de nós não conseguimos sair de casa, precisamos nos esconder da bagunça do mundo, alguns têm pavor de gente, outros, da desordem do trânsito. Para mim, o problema está na vastidão do céu, no simples fato de estar exposta à pressão acachapante da vida ao ar livre. Não é paranóia se está realmente acontecendo.



Comente esta notícia

Nossa República é editado pela Newspaper Reporter Comunicação Eireli Ltda, com sede fiscal
na Av. F, 344, Sala 301, Jardim Aclimação, Cuiabá. Distribuição de Conteúdo: Cuiabá, Chapada dos Guimarães, Campo Verde, Nova Brasilândia e Primavera do Leste, CEP 78050-242

Redação: Avenida Rio da Casca, 525, Bom Clima, Chapada dos Guimarães (MT) Comercial: Av. Historiador Rubens de Mendonça, nº 2000, 12º andar, sala 1206, Centro Empresarial Cuiabá

[email protected]/[email protected]

icon-facebook-red.png icon-youtube-red.png icon-instagram-red.png icon-twitter-white.png