Na Delegacia Especializada de Defesa da Mulher, em Cuiabá, a delegada Judá Marcondes atende diariamente casos em que a violência doméstica vai além das paredes da casa e alcança filhos, familiares e até a rede de apoio da vítima. Esse tipo de prática, chamada de violência vicária, é uma forma de agressão indireta: o agressor utiliza crianças, parentes ou pessoas próximas para ferir emocionalmente a mulher.
A Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados aprovou projeto que inclui na Lei Maria da Penha, de modo expresso, a violência vicária entre as definições de violência doméstica contra a mulher. No entanto, a tramitação do projeto ainda ocorre no Congresso Nacional. Ele ainda será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, antes de ser votada pelo Plenário da Câmara. Para virar lei, a medida precisa ser aprovada pelos deputados e pelos senadores.
“Mesmo quando não há mais contato direto por causa de medidas protetivas, muitos homens continuam o controle por meio dos filhos. Falam mal da mãe para as crianças, praticam maus-tratos ou deixam de pagar pensão como forma de ameaça. Tudo com o objetivo de abalar o emocional dessa mulher”, explica a delegada.
De acordo com Marcondes, há situações em que o agressor denuncia a ex-companheira ao Conselho Tutelar apenas por estar trabalhando até tarde, tentando impor restrições à vida dela. “É uma maneira de vigiar e controlar. Se o trabalho já gera esse tipo de acusação, imagine quando a mulher busca lazer, estudo ou atividades sociais”, aponta.
A violência vicária ainda não tem previsão legal específica no Brasil. Enquanto o projeto de lei que trata do tema tramita no Congresso Nacional, os casos são enquadrados como violência psicológica. “O que vemos é que essa prática adoece profundamente. Mulheres chegam à delegacia emocionalmente fragilizadas e muitas vezes os filhos também precisam de acompanhamento psicológico. É uma violência cruel, porque além da omissão paterna, há agressões diretas e indiretas que deixam marcas para a vida toda”, observa a delegada.
Essa forma de controle, segundo ela, também atinge mães, irmãs ou novos companheiros da vítima. Ao enfraquecer a rede de apoio, o agressor mantém a mulher em situação de vulnerabilidade. “Há casos em que a mulher deixa de fazer determinadas coisas por medo de que o ex-companheiro pratique violência contra quem ela ama. Esse é o grau de crueldade da violência vicária”, destaca.
A cultura machista que naturaliza agressões dentro das famílias contribui para a perpetuação do problema. “Quando o homem entende que a violência física deixa vestígios, passa a manipular pela palavra. Faz críticas sobre a aparência, acusa de traição, desqualifica a mulher até que ela adoeça psicologicamente. E os filhos que crescem nesse ambiente tendem a reproduzir a mesma lógica de violência”, afirma.
Para a delegada, a denúncia é essencial para interromper o ciclo. Ela lembra que grande parte das vítimas de feminicídio nunca havia registrado ocorrência ou solicitado medida protetiva. “Quando o homem descumpre a medida e continua usando os filhos ou familiares para controlar a vítima, a mulher pode registrar novo boletim. Esse descumprimento permite prisão preventiva ou até flagrante”, reforça.
Judá Marcondes deixa um recado direto: “Nenhuma mulher deve se submeter a esse tipo de violência. Denunciar salva vidas”.
Em Cuiabá, o atendimento é realizado no Plantão 24 horas da Mulher, na Avenida dos Trabalhadores, e na Delegacia Especializada de Defesa da Mulher, na Avenida Carmindo de Campos.
Veja a entrevista na íntegra: