O choque de ter que deixar seu país bruscamente por questão de sobrevivência, ter que se habituar a um novo lugar, a uma nova cultura e nova língua, é uma situação desafiadora para qualquer adulto. Imagine só para as crianças!
Consciente de quanto esse processo de mudança pode deixar cicatrizes profundas na vida dos pequenos, é que a musicista e educadora musical Yndira Villarroel, que é venezuelana, idealizou um projeto pensado especialmente para crianças haitianas. Ela criou um espaço de confiança onde o idioma comum é a música.
Nesta sexta-feira (21), depois de dois meses de encontros, eles realizam o último deles, antecedendo uma apresentação intimista que realizarão para suas famílias. O show particular será na sede do Instituto Ciranda, no bairro Jardim Guanabara. O evento será restrito e o uso de máscaras, obrigatório.
Yndira conta que ao executarem o repertório, farão “um passeio pela paisagem sonora que remonte às origens haitianas”. O percussionista moçambicano Hermínio Nhantumbo terá participação especial.
“Elas vão mostrar um pouco do que aprenderam. Durante o período de realização das aulas, as crianças tiveram acesso a conteúdos diversos. Apresentamos instrumentos de orquestra, mas focamos no aprendizado da flauta doce. A propósito, elas foram presenteadas com este instrumento, pois assim, puderam praticar o conteúdo das aulas em casa”, explica Yndira.
Ao longo do curso, as aulas foram oferecidas às sextas-feiras, sob a condução da professora Jéssica Gubert (flauta doce) e a própria Yndira, que deu aulas de musicalização. Como convidados o projeto Aculturação Musical recebeu Thieres Brandini (violoncelo), Leonnid Paniago e Rodrigo Dal Cortivo (flauta transversal), Laerte Tavares (oboé), Rute Oliveira (fagote), Murilo Alves (saxofone), Flávio Silva (Trompete), Alaécio Martins (Trombone) e Wender Couto (percussão).
Jéssica e Yndira também demonstraram às crianças suas habilidades com a clarineta – no caso de Jéssica – e viola de arco e violino, pela professora venezuelana. “O percussionista moçambicano Hermínio Nhantumbo também partilhou com as crianças sobre sua história na música e vivências pessoais diante de um novo território”.
E o projeto, segundo Yndira, não só marcou a vida das crianças, como pode tê-las estimulado a seguir na música. Dos participantes do projeto, dez deles se matricularam como aluno no Instituto Ciranda – Música e Cidadania, dentro das classes de violino (5 alunas), trompete (1 aluna), percussão (1 aluno), musicalização (3 alunos).
“Todos estes alunos tiveram a oportunidade, pela parceria entre o projeto Aculturação Musical e o Instituto Ciranda, de obter uma vaga para continuar realizando aulas de música, porém, agora com o foco do instrumento selecionado e indicado em alguns casos, recebendo em caráter de empréstimo o instrumento e o material para as aulas. Isto produz na vida destes alunos e de suas famílias um sentido de pertencimento, além de alcançar os objetivos da proposta”.
Ela relembra que ao anunciar o projeto com aulas gratuitas, muitas pessoas da comunidade de migrantes ficaram surpresas com a proposta. “Ficaram impressionados! Muitas vezes perguntavam se realmente isso era para eles, sendo explicado que sim, que foi um projeto pensado para a comunidade haitiana e que o mais importante era o aproveitamento das atividades e dos materiais envolvidos”.
Durante as aulas, também se observou como a socialização deu-se entre eles, já que no início estavam muito desconfiados, porém pouco a pouco foram sendo mais espontâneos.
“Temos até um caso de uma aluna que não falava português e nas últimas aulas, começou a conversar com fluidez com as professoras. Nessa troca, todos ganhamos”, orgulha-se ao constatar o êxito do projeto.
“Agradeço às famílias que aceitaram participar conosco e especialmente ao presidente da Associação de Haitianos, Clercius Monestine, que prestou suporte em várias oportunidades através de traduções e contato com os pais e alunos participantes. Seu apoio foi essencial. Assim como o do artista visual e designer Fred Gustavos, que nos deu suporte no registro fotográfico e na produção de artes”.
O projeto Aculturação Musical foi selecionado em edital da Lei Aldir Blanc realizado pelo Governo de Mato Grosso via Secretaria de Estado de Cultura, Esportes e Lazer (Secel-MT) em parceria com o Governo Federal, via Secretaria Nacional de Cultura do Ministério do Turismo.