Após pressão da ministra Rosa Weber, a PGR (Procuradoria-Geral da República) pediu ao STF (Supremo Tribunal Federal) a abertura de inquérito para apurar o suposto crime do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) por prevaricação no caso da compra das vacinas Covaxin.
A suspeita sobre a compra de vacinas veio à tona em torno da compra da vacina indiana Covaxin, quando o jornal Folha de S.Paulo revelou no último dia 18 o teor do depoimento sigiloso do servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda ao Ministério Público Federal, que relatou pressão "atípica" para liberar a importação da Covaxin.
Com a abertura do inquérito, caso venha a ser autorizado pelo Supremo, Bolsonaro passa a ser investigado oficialmente perante a corte pelo caso da Covaxin. Geralmente, nesse tipo de procedimento, a Polícia Federal e a PGR têm de pedir autorização do STF para realizar medidas investigativas.
Depois de finalizar a investigação, a PF produz um relatório, e a Procuradoria decide se denuncia os envolvidos ou se pede o arquivamento do inquérito.
Quando é caso de denúncia, a Câmara precisa autorizar, com o voto de dois terços dos deputados, o STF a julgar a acusação.
Se a Casa der o aval, o Supremo precisa definir se aceita a denúncia e torna o investigado réu. Caso siga essa linha, é aberta uma ação penal que, ao final, pode resultar ou não em condenação.
Procurada, a Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social) do governo afirmou que "não se manifesta sobre a atuação de outros Poderes ou órgãos externos ao Executivo".
Inicialmente, a Procuradoria havia pedido para aguardar o fim da CPI da Covid para se manifestar sobre a necessidade ou não de investigar a atuação do chefe do Executivo neste caso. Rosa Weber, que é relatora do caso, porém, rejeitou a solicitação e mandou a PGR se manifestar novamente sobre o caso.
Em uma decisão com duras críticas à PGR, a magistrada afirmou que a Constituição não prevê que o Ministério Público deve esperar os trabalhos de comissão parlamentar de inquérito para apurar eventuais delitos.
"Não há no texto constitucional ou na legislação de regência qualquer disposição prevendo a suspensão temporária de procedimentos investigatórios correlatos ao objeto da CPI", disse.
Segundo a ministra, "no desenho das atribuições do Ministério Público, não se vislumbra o papel de espectador das ações dos Poderes da República".
A PGR, então, recuou e pediu nesta sexta-feira (2) a abertura de inquérito contra Bolsonaro.
A Procuradoria solicitou a Rosa Weber que seja autorizada a buscar informações junto à Controladoria-Geral da União, ao Tribunal de Contas da União, à Procuradoria da República no Distrito Federal e à CPI da Covid sobre as negociações relativas à Covaxin.
A PGR também pediu o aval para a PF "produzir provas, inclusive através de testemunhas" para identificar se houve de fato prevaricação do chefe do Executivo.
A PGR também requer que a PF seja autorizada a colher o depoimento do chefe do Executivo e dos autores da denúncia de irregularidades, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) e seu irmão, Luís Ricardo Miranda.
A manifestação é assinada pelo vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques.
Jacques afirmou que é necessário esclarecer se Bolsonaro se omitiu sobre as denúncias de irregularidades que chegaram até ele e se o presidente agiu de maneira intencional com "o intuito de satisfazer interesse ou sentimento pessoal".
"A despeito da dúvida acerca da titularidade do dever descrito pelo tipo penal do crime de prevaricação e da ausência de indícios que possam preencher o respectivo elemento subjetivo específico, isto é, a satisfação de interesses ou sentimentos próprios dos apontados autores do fato, cumpre que se esclareça o que foi feito após o referido encontro em termos de adoção de providências", disse Jacques.
A Procuradoria pediu que seja estabelecido um prazo de 90 dias para adotar as providências a fim de conclui se houve ou não prevaricação de Bolsonaro. Agora, Rosa deve decidir se atende ao pedido e determina a instauração do inquérito ou não.
Além deste caso, a Procuradoria da República no Distrito Federal também investiga as supostas irregularidades na negociações .
Bolsonaro já é alvo de outro inquérito em curso no Supremo, que apura a veracidade das acusações do ex-ministro Sergio Moro de que o presidente tentou violar a autonomia da Polícia Federal.
A investigação, porém, está travada desde setembro do ano passado devido a um impasse em relação ao depoimento a ser prestado pelo chefe do Executivo. O presidente pediu ao STF para que possa prestar o depoimento por escrito, mas o plenário da corte ainda não definiu se ele tem essa prerrogativa ou se deve depor presencialmente.
Desde que o jornal Folha de S.Paulo revelou o teor do depoimento do servidor Luis Ricardo Miranda, o caso virou prioridade da CPI no Senado. A comissão suspeita do contrato para a aquisição da Covaxin por ter sido fechado em tempo recorde, em um momento em que o imunizante ainda não tinha tido todos os dados divulgados, e prever o maior valor por dose, em torno de R$ 80 (ou US$ 15 a dose).
Meses antes, o ministério já tinha negado propostas de vacinas mais baratas do que a Covaxin e já aprovadas em outros países, como a Pfizer (que custava US$ 10).
A crise chegou ao Palácio do Planalto após o deputado Miranda relatar que o presidente havia sido alertado por eles em março sobre as irregularidades. Bolsonaro teria respondido, segundo o parlamentar, que iria acionar a Polícia Federal para que abrisse uma investigação.
A CPI da Covid, no entanto, averiguou e constatou que não houve solicitações nesse sentido para a PF. Desde a revelação do caso, o governo mudou sua versão mais de uma vez.
A última versão é que Bolsonaro teria comunicado as suspeitas ao então ministro Eduardo Pazuello e que ele teria repassado ao então secretário-executivo do Ministério da Saúde Elcio Franco, que não teria encontrado irregularidades.
Entretanto, praticamente três meses depois da data em que os irmãos Miranda teriam alertado o presidente sobre possíveis irregularidades, o Ministério da Saúde decidiu suspender o contrato com a Precisa Medicamentos para obter 20 milhões de doses da Covaxin.
Além disso, ao se manifestar sobre o assunto, Bolsonaro primeiro disse que a Polícia Federal iria abrir inquérito para apurar as suspeitas e depois afirmou que não tem "como saber o que acontece nos ministérios".
No dia 30 de junho, a PF instaurou um inquérito para investigar a compra da vacina Covaxin pelo governo. No mesmo dia, também o MPF (Ministério Público Federal) abriu um procedimento investigatório criminal, conhecido internamente pela sigla PIC, para apurar as suspeitas de crime no contrato de compra.
A partir do caso Covaxin, a Folha de S.Paulo chegou a outro caso de suspeitas de irregularidades, envolvendo a empresa Davati Medical Supply. A reportagem localizou Luiz Paulo Dominguetti Pereira, que se apresentou vendedor da empresa.
Em entrevista à Folha de S.Paulo na última terça-feira (29), ele disse que então diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, cobrou a propina de US$ 1 por dose de vacina para fechar contrato. As acusações foram repetidas em depoimento à CPI da Covid na quinta-feira (1º). Dias foi exonerado do cargo nesta semana.
CRONOLOGIA DO CASO COVAXIN
Reportagem aponta pressão atípica (18.jun)
Em depoimento mantido em sigilo pelo MPF (Ministério Público Federal) e obtido pela Folha de S.Paulo, Luís Ricardo Fernandes Miranda, chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde, afirmou ter sofrido pressão de forma atípica para tentar garantir a importação da vacina indiana Covaxin,
'É bem mais grave' (22.jun)
Irmão do servidor do Ministério da Saúde, o deputado federal Luís Miranda (DEM-DF) disse à Folha de S.Paulo que o caso é "bem mais grave" do que a pressão para fechar o contrato.
Menção a Bolsonaro (23.jun)
Luis Miranda afirmou ter alertado o presidente sobre os indícios de irregularidade. "No dia 20 de março fui pessoalmente, com o servidor da Saúde que é meu irmão, e levamos toda a documentação para ele".
CPI aprova depoimentos (23.jun)
Os senadores da comissão aprovaram requerimento de convite para que o servidor Luís Ricardo Miranda preste depoimento. A oitiva será nesta sexta-feira (25) e o deputado Luis Miranda também será ouvido.
Os parlamentares também aprovaram requerimento de convocação (modelo no qual a presença é obrigatória) do tenente-coronel Alex Lial Marinho, que seria um dos autores da pressão em benefício da Covaxin. A CPI também decidiu pela quebra de sigilo bancário, fiscal, telefônico e telemático de Lial Marinho.
Denúncia grave (23.jun)
Presidente da CPI, o senador Omar Aziz (PSD-AM) afirmou que as denúncias de pressão e a possibilidade de que o presidente Jair Bolsonaro tenha tido conhecimento da situação talvez seja a denúncia mais grave recebida até aqui pela comissão.
Bolsonaro manda PF investigar servidor e deputado (23.jun)
O presidente mandou a Polícia Federal investigar o deputado Luis Miranda e o irmão dele, Luis Ricardo Fernandes Miranda. O ministro da Secretaria-Geral, Onyx Lorenzoni, e Elcio Franco, assessor especial da Casa Civil e ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, foram escalados para fazer a defesa do presidente. Elcio é um dos 14 investigados pela CPI.
Empresa diz que preço para Brasil segue tabela (23.jun)
A Precisa Medicamentos, representante no Brasil do laboratório indiano Bharat Biotech, afirmou que o preço de US$ 15 por dose da vacina oferecido ao governo segue tabela mundial e é o mesmo praticado com outros 13 países.
Governistas dizem que Bolsonaro repassou suspeitas a Pazuello (24.jun)
Senadores governistas da CPI afirmaram que o presidente pediu que Pazuello verificasse as denúncias envolvendo a compra da Covaxin assim que teve contato com os indícios.
'Acusação é arma que sobra' (24.jun)
Bolsonaro fustigou integrantes da CPI, repetiu que não há suspeitas de corrupção em seu governo e afirmou que a acusação sobre a vacina é a arma que sobra aos seus opositores. "Me acusam de quase tudo, até de comprar uma vacina que não chegou no Brasil. A acusação é a arma que sobra", disse o presidente na cidade de Pau de Ferros, no Rio Grande do Norte.
'Foi o Ricardo Barros que o presidente falou' (25.jun)
Em depoimento à CPI da Covid, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), que é irmão do servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda, afirmou ter alertado Bolsonaro. "A senhora também sabe que foi o Ricardo Barros que o presidente falou", disse o parlamentar à senadora Simone Tebet (MDB-MS). Segundo ele, Bolsonaro afirmou: "Vocês sabem quem é, né? Sabem que ali é foda. Se eu mexo nisso aí, você já viu a merda que vai dar, né? Isso é fulano. Vocês sabem que é fulano".
Governo suspende contrato com a Covaxin (29.jun)
Praticamente três meses depois da data em que os irmãos Miranda teriam alertado o presidente sobre possíveis irregularidades, o Ministério da Saúde decidiu suspender o contrato com a Precisa Medicamentos para obter 20 milhões de doses da Covaxin. Segundo membros da pasta, a decisão foi pela suspensão até que haja novo parecer sobre o caso. A pasta, porém, já avalia a possibilidade de cancelar o contrato.
Abertura de inquérito pela Polícia Federal (30.jun)
A Polícia Federal instaurou um inquérito para investigar a compra da vacina Covaxin pelo governo de Jair Bolsonaro, após pedido de abertura da investigação pelo ministro da Justiça, Anderson Torres. O caso será conduzido pelo Sinq (Serviço de Inquéritos) da Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado da PF.
MPF instauração procedimento de investigação (30.jun)
O MPF (Ministério Público Federal) instaurou um procedimento investigatório criminal, conhecido internamente pela sigla PIC, para apurar as suspeitas de crime no contrato para compra da Covaxin. O procedimento foi aberto pela Procuradoria da República no Distrito Federal, que considerou suspeita a existência de muitos atos para a efetivação do contrato no mesmo dia ou em tempo curto. Uma celeridade contraditória em relação à postura da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que negou em março um pedido de importação.