A investigação sobre as joias e presentes dados por autoridades de outros países a Jair Bolsonaro (PL) aponta as digitais do ex-presidente na suspeita de desvio de bens públicos para enriquecimento pessoal.
A ação deflagrada pela Polícia Federal na sexta-feira (11), batizada de Lucas 12:2, dá início à reta final das apurações que podem resultar na acusação de Bolsonaro como líder de uma organização criminosa.
Embora não tenha sido alvo das diligências, como foi o general Mauro Lourena Cid, pai do ajudante de ordens Mauro Cid, Bolsonaro teve pedido de quebra de seus sigilos e deve ser ouvido em breve pela Polícia Federal.
Para os investigadores envolvidos desde o início dos inquéritos relatados pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, dois pontos colocam o ex-presidente pela primeira vez na cena do crime de desvio de dinheiro público e enriquecimento ilícito no caso das milícias digitais.
O primeiro é o uso da aeronave da Força Aérea Brasileira para levar as joias e presentes aos Estados Unidos. O segundo, as mensagens indicando o retorno do dinheiro oriundo de vendas, em espécie, para o bolso do ex-presidente.
O segundo ponto ainda deve ser aprofundado, mas investigadores dizem não restar dúvida de como Bolsonaro participou de todo o estratagema.
A apuração partiu do inquérito das milícias digitais, que tem origem na investigação dos atos antidemocráticos de 2020. Após Augusto Aras -o procurador-geral indicado por Bolsonaro- pedir em 2021 o arquivamento do caso, Moraes ordenou a abertura de outra investigação, com o material angariado na apuração anterior.
Nesse cenário, a então delegada titular do caso, Denisse Ribeiro, passou a organizar na investigação sobre milícias digitais toda a apuração sobre o entorno de Bolsonaro e seus aliados, iniciada anteriormente no inquérito da fake news.
No entendimento da delegada, a organização criminosa alvo da apuração era responsável por todos os eventos da escalada golpista, que tinham começado em 2020, passado pela campanha de desinformação durante a pandemia, e chegado a ataques ao sistema eleitoral.
Denisse saiu da apuração no início de 2022 por causa de uma licença e deixou em seu lugar o delegado Fabio Shor.
O delegado deu prosseguimento à linha de investigação traçada por ela e, com as provas colhidas pela PF no caso das joias, em especial o uso da aeronave presidencial e o suposto recebimento dos valores proveniente da venda dos presentes, indica confirmar a tese da colega, de que Bolsonaro é líder de uma organização criminosa.
Ao pedir as buscas contra o pai de Mauro Cid e outros alvos, o delegado lembrou da estrutura do inquérito das milícias digitais e das frentes reunidas ao longo do tempo.
São cinco linhas de apuração: ataques virtuais a opositores, ataques às instituições e às urnas eletrônicas, tentativa de golpe de Estado, ataques às vacinas e medidas na pandemia e, por último, o uso de estruturas do Estado para obtenção de vantagens.
A PF já havia encontrado provas que levavam Bolsonaro ao centro de 3 das 5 linhas de investigação. Sobre a tentativa de golpe, falta a PF encerrar o inquérito sobre o 8 de janeiro, para apontar a sua participação no episódio.
No caso da suspeita de utilização do Estado para obtenção de vantagens, ainda não havia elementos para colocá-lo no centro das apurações, uma vez que a apuração sobre as transações suspeitas por integrantes da ajudância de ordens chefiada por Mauro Cid ainda está em andamento.
O outro caso dessa linha, o da falsificação do cartão de vacinação, no qual Bolsonaro foi alvo de busca em maio, também é visto como mais fraco em relação a provas e não envolveria dinheiro.
A equipe da PF, no entanto, é direta ao afirmar no relatório em que pediu as buscas contra o pai de Cid e outras pessoas ligadas a Bolsonaro que "há fortes indícios" de que a estrutura do Estado foi utilizada para "desviar bens de alto valor patrimonial" com o "intuito de gerar o enriquecimento ilícito" para Bolsonaro.
Os emails, trocas de mensagens e material de outras investigações mostram que, desde a derrota na eleição, o entorno de Bolsonaro, liderado por Mauro Cid, movimentou-se para garantir a reunião das joias e presentes para envio aos Estados Unidos, onde os itens seriam negociados.
O único presente valioso que não teria passado por tentativa de venda foi o apreendido pela Receita em Guarulhos, quando a comitiva do então ministro Bento Albuquerque tentou entrar com as joias sem declarar ao Fisco, em 2021.
A investigação mostra que o grupo do presidente mandou para fora do país e tentou vender ao menos quatro conjuntos de presentes.
O primeiro passo para isso, que foi retirar os itens do país, tem a participação direta de Bolsonaro, no entendimento dos investigadores.
Isso só foi possível, avaliam, com o uso pelo então presidente da aeronave oficial, na véspera de deixar o cargo, o que anulou eventuais procedimentos convencionais de saída de bens do país.
Além do voo de dezembro, a PF citou outra viagem, em junho de 2022 -Bolsonaro foi aos Estados Unidos para a Cúpula das Américas.
"As diligências realizadas indicam que Jair Messias Bolsonaro e sua equipe utilizaram o avião presidencial, no dia 30/12/2022, para evadir do país os bens de alto valor desviados, levando-os para os Estados Unidos", diz trecho da decisão de Moraes.
Uma vez nos EUA, afirma ainda o documento assinado por Moraes, "os referidos bens teriam sido encaminhados para lojas especializadas em venda e em leilão de objetos e joias de alto valor".
Com as digitais de Bolsonaro no uso das aeronaves, e as mensagens e demais provas confirmando a participação de seus auxiliares próximos -Mauro Cid, Oscar Crivelatti e Frederick Wassef- nas negociações de venda e recompra, os investigadores agora procuram reforçar as provas sobre como ele foi beneficiado.
De acordo com a apuração, os valores obtidos dessas vendas foram convertidos em dinheiro e ingressaram no patrimônio pessoal dos investigados, sem utilização do sistema bancário formal, com o objetivo de ocultar a origem, localização e propriedade dos valores.
Uma das evidências de que Bolsonaro teria recebido os valores é um áudio de Mauro Cid em que ele sugere que seu pai estava com US$ 25 mil em espécie de propriedade do ex-presidente.
A defesa de Bolsonaro afirmou na sexta-feira que o ex-presidente coloca sua movimentação bancária à disposição das autoridades e que ele "jamais apropriou-se ou desviou quaisquer bens públicos".
Disse ainda, em nota, que ele "voluntariamente" pediu ao TCU em março deste ano a entrega de joias recebidas "até final decisão sobre seu tratamento, o que de fato foi feito".
Procurado, o advogado de Mauro Cid, Bernardo Fenelon, disse que ainda não teve acesso aos autos da investigação que ocasionou as buscas e apreensões. "Por esse motivo não temos como fazer qualquer comentário", afirmou.
Frederick Wassef ainda não se pronunciou a respeito.