A CGU (Controladoria-Geral da União) conduz procedimentos de investigação distintos para apurar as suspeitas de corrupção envolvendo negociações de vacinas no Ministério da Saúde e já cumpriu diligências sigilosas como depoimentos de citados, requisições de documentos e até mesmo buscas e apreensões de computadores.
O trabalho feito pela área técnica do órgão, que integra o governo federal e tem a atribuição de fiscalizar os atos do próprio governo em busca de indícios de corrupção, contradiz as afirmações e posições do titular da CGU, o ministro Wagner Rosário.
Rosário é bolsonarista e tem se colocado como conselheiro e aliado de primeira ordem do presidente Jair Bolsonaro. Ele minimizou a gravidade das suspeitas que recaem sobre o contrato para a compra da vacina indiana Covaxin, antes mesmo de qualquer investigação.
No último dia 29 de junho, o governo Bolsonaro anunciou a suspensão do contrato de R$ 1,61 bilhão firmado entre o Ministério da Saúde, a fabricante indiana Bharat Biotech e a empresa intermediadora no Brasil, a Precisa Medicamentos.
O anúncio foi feito por Rosário e pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga.
Na ocasião, o titular da CGU afirmou: "A gente suspendeu por uma medida simplesmente preventiva, visto que existem denúncias de uma possível irregularidade que não conseguiu ainda ser bem explicada pelo denunciante. (...) Vamos fazer essa apuração para que a gente tenha certeza de que não existe nenhuma mácula no contrato".
Rosário disse que a apuração não duraria "mais que dez dias". Também omitiu a gravidade com que o assunto passou a ser tratado por áreas técnicas da CGU e forneceu informações distorcidas sobre prazo de apuração, natureza da investigação e motivação dos procedimentos.
A CGU instaurou um procedimento chamado IPS (investigação preliminar sumária), que tem caráter preparatório diante da complexidade de uma suspeita de irregularidades. A IPS antecede a instauração de um processo administrativo disciplinar e tem prazo para conclusão de até 180 dias.
A primeira IPS foi aberta para investigar as suspeitas que recaem sobre o contrato para compra da Covaxin, assinado em 25 de fevereiro deste ano.
O procedimento foi aberto após o jornal Folha de S.Paulo revelar, no dia 18 de junho, a existência e o teor do depoimento do servidor Luis Ricardo Miranda, chefe do setor de importação do Ministério da Saúde, ao MPF (Ministério Público Federal).
A revelação fez o caso da Covaxin se tornar o principal foco da CPI da Covid no Senado. O servidor e seu irmão, deputado Luis Miranda (DEM-DF), confirmaram à comissão a mesma afirmação de pressão atípica para liberação de importação da vacina.
O congressista ainda relatou ter avisado Bolsonaro sobre as suspeitas, pessoalmente, no Palácio da Alvorada, a residência oficial do presidente. O chefe do Executivo passou a ser alvo da PGR (Procuradoria-Geral da República) por suspeita de prevaricação.
Na CGU, a investigação do caso já resultou em oitivas, requisições de documentos e apreensão de computadores. Tudo é feito de forma sigilosa. São alvo da investigação tanto as pessoas jurídicas -Bharat Biotech e Precisa Medicamentos- quanto servidores públicos envolvidos no episódio.
Para instaurar a IPS, as áreas técnicas levaram em conta cinco fatores: tentativa de pagamento antecipado de US$ 45 milhões, sem previsão em contrato; possível pagamento a empresa que não faz parte do contrato; descumprimento de prazos contratuais; ausência de justificativa do preço de US$ 15 por dose; e reconhecimento recente, pelo ministério, de que há inadimplência pela Precisa.
Ao conceder a entrevista sobre a suspensão do contrato, o ministro da CGU omitiu que se tratou de uma medida administrativa cautelar, adotada pelo corregedor-geral da União, Gilberto Waller Júnior. A Corregedoria-Geral funciona no âmbito da CGU.
Conforme a decisão, a suspensão cautelar da execução do contrato deve valer "até que seja ultimada a investigação preliminar sumária em curso nesta CGU".
Assim, o prazo de suspensão está condicionado à IPS em curso, e não aos dez dias mencionados por Rosário. Além da IPS, uma auditoria faz uma análise específica sobre o contrato assinado, o que deve ser concluído dentro do prazo citado pelo ministro.
A medida cautelar de suspensão do contrato foi adotada na noite do dia 28. No começo da manhã do dia seguinte, o secretário-executivo do Ministério da Saúde, Rodrigo da Cruz, foi avisado formalmente sobre a medida, por ofício e email. Os ministros da Saúde e da CGU tornaram pública a suspensão no fim da tarde.
Outras duas investigações preliminares sumárias são conduzidas por áreas técnicas da CGU, segundo fontes ouvidas pela reportagem.
Uma apura suposto pedido de propina do então diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, ao policial militar de Minas Gerais Luiz Paulo Dominguetti Pereira. A acusação do PM foi revelada pelo jornal Folha de S.Paulo no dia 29 de junho.
Dominguetti se apresentou como representante da empresa Davati Medical Supply e de uma proposta de venda de 400 milhões de doses. Ele disse que Dias pediu propina de US$ 1 por dose, o que foi reafirmado em depoimento à CPI.
Uma terceira IPS investiga a conduta da Davati na oferta das vacinas. A empresa americana fez uma proposta de venda de 400 milhões de doses da vacina produzida pela AstraZeneca, que disse não ter intermediários no Brasil.
A reportagem questionou a CGU sobre o fato de Rosário ter minimizado a gravidade das suspeitas, levada em conta nas investigações em curso; sobre as omissões do ministro em relação às medidas adotadas pelas áreas técnicas; e sobre o prazo apontado para conclusão do procedimento.
O órgão disse, por meio da assessoria de imprensa, que não haverá resposta.
"Abrimos uma investigação preliminar na semana passada, uma auditoria específica em relação ao contrato, e o tempo de suspensão vai durar tão somente o prazo da apuração. Botamos uma equipe reforçada para fazer a apuração, para ser bastante célere nesse processo e esperamos ter uma resposta sobre essa análise em não mais que dez dias", disse o ministro no dia 29.
Segundo Rosário, a decisão de contratação ou não é um ato de gestão do ministro da Saúde.
"A CGU está suspendendo o processo única e exclusivamente para verificação de possíveis irregularidades trazidas por um servidor que alega algum tipo de irregularidade que ele não consegue ainda especificar qual é."