A Rússia lançou nesta quinta (29) um dos maiores ataques aéreos contra cidades ucranianas desde outubro, quando passou a investir contra a infraestrutura energética do país que invadiu há dez meses.
A ação atingiu a rede energética em todas as regiões do país. A capital Kiev passou cinco horas com as sirenes de alerta ligadas, provavelmente um recorde na guerra, e tem 40% de seus edifícios no escuro. Na segunda maior cidade, Kharkiv, na porção leste, a queda de energia é de 45%.
Com as temperaturas invernais do Hemisfério Norte em torno de zero grau nesta quinta na Ucrânia, o efeito no cotidiano civil é enorme. Para manter as defesas antiaéreas ocupadas, a barragem foi precedida em alguns pontos pelo envio de drones kamikazes de origem iraniana, que, por serem lentos, são mais fáceis de abater. Depois vieram os protagonistas, mísseis de cruzeiro lançados de navios e aviões, além de versões de foguetes antiaéreos de sistemas S-300 modificadas para ataque sem precisão no solo.
Os números são imprecisos. A Força Aérea inicialmente reportou o envolvimento de dois navios e 13 bombardeiros, número que permitiu ao assessor presidencial Mikhailo Podoliak especular que 120 mísseis foram lançados. Depois, os militares disseram que foram 69 modelos de cruzeiro, sem especificar quantos de outros tipos, dos quais 54 haviam sido derrubados por defesas antiaéreas. É um número algo otimista, dadas as cenas de destruição em todo o país, como em Odessa e Mikolaiv, na costa sul.
Ao mesmo tempo, as imagens alimentam a campanha de Kiev por mais sistemas de defesa antiaérea do Ocidente. Até aqui, o grosso de sua força é de versões mais antigas do S-300, desenvolvido na União Soviética e empregado também pelos russos.
Aos poucos, alguns modelos ocidentais foram enviados para os ucranianos, como o alemão Iris-T. Na semana passada, os Estados Unidos fizeram a promessa mais vistosa, de baterias avançadas Patriot, mas há muita dúvida acerca de como esses modelos difíceis e caros para operar serão integrados e em qual quantidade, dado que são relativamente escassos nos inventários ocidentais.
Em um desenvolvimento paralelo, um míssil de sistema S-300 caiu em território da Belarus durante o ataque. Pela direção, é provável que tenha sido um erro da defesa antiaérea ucraniana, que não deixou vítimas ou estragos, mas que atiça politicamente a situação.
Nas últimas semanas, o presidente russo, Vladimir Putin, e o ditador local, seu aliado Aleksandr Lukachenko, têm mantido encontros e conversas que são vistos por muitos como uma preparação da entrada da Belarus na guerra –o país serve de base para forças russas em ação.
Tanto Minsk como Moscou negam isso, mas os alertas da liderança em Kiev de que uma ofensiva está sendo planejada para o começo do ano, enquanto a Ucrânia lida com o impacto físico e psicológico dos ataques à vida civil, estão no ar e fazem sentido.
Seja como for, 2023 se aproxima com um cenário desolador na guerra. O ataque desta quinta parece ser um recado político do Kremlin à escaramuça retórica da véspera, quando seu porta-voz, Dmitri Peskov, respondeu ao proposto plano de paz do presidente Volodomir Zelenski.
Para conversar, o ucraniano quer a retirada total das forças russas, não só das áreas invadidas neste ano, mas também da Crimeia anexada e do leste ocupado por rebeldes pró-Moscou há quase nove anos.
Peskov disse que Kiev se nega a aceitar "realidades", citando as quatro regiões absorvidas por Putin em setembro, mesmo sem o controle total sobre elas. O impasse segue enquanto os combates recrudescem em torno de Bakhmut, em Donetsk, no leste, ponto mais agudo da frente de batalha hoje.
Da mesma forma, os ataques aéreos continuam, enquanto os 320 mil homens mobilizados por Putin para reforçar a invasão vão sendo preparados para o que Kiev vê como uma ofensiva talvez contra a própria capital assim que o frio do inverno congelar a lama e a neve do outono.