BLOG DO MAURO Sexta-feira, 12 de Dezembro de 2025, 08:54 - A | A

Sexta-feira, 12 de Dezembro de 2025, 08h:54 - A | A

DEGENERAÇÃO DEMOCRÁTICA II

A Câmara de Motta: farsa seletiva e o cinismo da impunidade

Mauro Camargo

Glauber Braga, o combativo deputado do PSOL-RJ, ocupou a cadeira da presidência da Câmara dos Deputados em um ato de protesto desesperado, mas corajoso, contra a decisão de Hugo Motta (Republicanos-PB) de pautar o processo de cassação que ele enfrenta desde a gestão de Arthur Lira (PP-AL). Com quem Braga, aliás, travou embates verbais ferozes, custando-lhe a inimizade do ex-presidente e de seu "padrinho" político, Motta. O episódio, ocorrido em 9 de dezembro de 2025, não foi apenas um gesto isolado: revelou as entranhas de um Congresso dominado por autoritarismo seletivo, onde a esquerda é sufocada enquanto a extrema-direita escapa impune.

A reação de Motta ao gesto de Braga foi imediata e desproporcional, contrastando brutalmente com a leniência exibida quando dezenas de parlamentares da extrema-direita ocuparam a Mesa Diretora por quase 48 horas, para chantagear pela aprovação de um projeto de anistia ampla aos golpistas do 8 de janeiro. Naquele episódio, a Casa paralisou sem que houvesse qualquer ordem de retirada à força ou expulsão da imprensa. Desta vez, Motta não hesitou: determinou a intervenção da Polícia Legislativa, que arrastou Braga para fora do plenário após 45 minutos de tensão. A cobertura jornalística foi evacuada às pressas, e o sinal da TV Câmara foi cortado, na tentativa vã de ocultar a truculência autoritária de olhos públicos.

Errou feio o presidente da Câmara ao subestimar o alcance das redes sociais e da imprensa independente. O mundo inteiro assistiu ao espetáculo constrangedor: um deputado da oposição sendo tratado como criminoso comum por exercer o direito de contestar uma pauta que cheirava a retaliação política. Motta, eleito em fevereiro de 2025 com o apoio do Centrão, justificou a ação como defesa da "instituição", mas o que se viu foi o oposto: um desrespeito à pluralidade que a Câmara deveria encarnar.

Suspensão em vez de cassação: a manobra para silenciar a oposição

 Na sessão seguinte, em 10 de dezembro, o plenário votou o destino de Braga. Sem os 257 votos necessários para a cassação plena – que o manteria fora do Congresso e enfraqueceria a voz progressista nas trincheiras legislativas –, os aliados de Motta optaram por uma emenda de última hora: suspensão do mandato por seis meses, aprovada por 318 votos a 141. A primeira suplente, Heloísa Helena (Rede-RJ), assumiu a vaga temporariamente, garantindo que o PSOL não fique mudo, mas limitando o impacto de Braga em pautas cruciais como direitos humanos e combate à corrupção.

Essa meia-medida não foi um ato de clemência, mas de cálculo frio: manter Braga fora do radar por tempo suficiente para abafar suas denúncias, sem radicalizar a oposição a ponto de unir a esquerda contra o regime do Centrão. O processo contra ele, originado na gestão de Lira, remete a embates verbais que expuseram as manobras obscuras do ex-presidente – e Motta, como seu herdeiro ideológico, parece determinado a limpar o terreno para seus aliados.

A aberração com Carla Zambelli: desafio ao STF e à Constituição

A noite não se limitou as atrocidades contra Glauber Braga; foi um atentado multifacetado à democracia, ao Judiciário e à moralidade pública. Enquanto a oposição era punida, a extrema-direita celebrava a não submissão ao plenário do caso de Carla Zambelli (PL-SP). Condenada em definitivo pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em junho de 2025 a dez anos de prisão por violação ao sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e porte ilegal de arma, Zambelli já havia perdido o mandato, conforme determinação judicial. Presa na Itália e aguardando extradição, ela responde a outros processos, mas a direita, o Centrão e Motta manobraram para evitar uma votação simbólica que reforçasse a cassação, desafiando abertamente a decisão do STF.

A reação do Supremo foi imediata e necessária: o ministro Alexandre de Moraes, de ofício, determinou que Motta decretasse a perda do mandato em 48 horas e desse posse ao suplente, cumprindo o que a Constituição já impunha. A direita, que eufórica aplaudira a "vitória" no plenário, virou-se contra o Judiciário com fúria. Deputados como Sóstenes Cavalcanti (PL-RJ) vociferaram impropérios contra Moraes, acusando-o de interferência – como se ignorassem que o STF tem o dever de zelar pela Constituição, não por interpretações convenientes à visão de mundo golpista.

Essa seletividade é uma afronta gritante: enquanto Braga é suspenso por palavras duras, Zambelli, condenada criminalmente, escapa de accountability plena graças a aliados no Congresso. É o retrato de uma Casa que protege os seus, independentemente dos crimes.

O PL da Dosimetria: a coroa da impunidade golpista

O ápice do retrocesso veio na madrugada: unindo extrema-direita e Centrão, os parlamentares aprovaram o PL 2162/23, o infame Projeto de Lei da Dosimetria. Disfarçado de "reforma penal", sua verdadeira função é reduzir penas para criminosos envolvidos na tentativa de golpe de Estado de 8 de Janeiro de 2023, beneficiando diretamente líderes como o ex-presidente Jair Bolsonaro e articuladores do abolição violenta da democracia. Avançado em troca de acelerações em punições seletivas – como as de Braga e outros opositores –, o PL transforma o atentado à ordem constitucional em delito menor, aviltando os valores democráticos reconquistados há 40 anos.

Nunca, desde a redemocratização, uma sessão foi tão irresponsável e autoritária. A mesma direita que clama por penas mais duras contra criminosos comuns agora impõe dois pesos e duas medidas: rigidez para a esquerda, leniência para golpistas. Isso não é mera incoerência; é a revelação cristalina de que, para esses atores, o interesse público é secundário aos pessoais. Explica o radicalismo irracional, a intransigência e o flerte com a ditadura militar, as torturas e os assassinatos políticos. Eles não defendem a lei; defendem o poder a qualquer custo.

Hora de acordar nas urnas e fiscalizar o abuso

Esse caos na Câmara – com conflitos entre poderes, instabilidade crônica e uma maioria de extremistas bolsonaristas aliados a oportunistas do Centrão – é o veneno que ameaça a democracia brasileira. Os eleitores têm uma responsabilidade colossal nas eleições de 2026 para deputados federais e senadores: é imperativo barrar esses agentes do retrocesso, elegendo vozes comprometidas com a ética e a pluralidade. Paralelamente, urge uma investigação profunda sobre as emendas parlamentares, esse poço de suspeitas que financia o fisiologismo e distorce a atividade legislativa.

A Constituição é clara: o papel do parlamentar se restringe a legislar e fiscalizar, nem mais, nem menos. Qualquer desvio deve ser punido com rigor, sem exceções para os poderosos. Cabe à sociedade – jornalistas, ativistas e cidadãos – amplificar esse grito e transformar a indignação em ação. O futuro da República depende disso: ou revivemos o passado autoritário, ou construímos uma nação verdadeiramente democrática. A escolha é agora.

Em tempo: a escolha sugerida neste artigo não elimina candidaturas de direita nem de centro. É apenas um apelo para que busque candidaturas responsáveis, comprometidas com o diálogo democrático, com a seriedade, honestidade e respeito à Constituição, independentemente do espectro ideológico.



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