O presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Otto Alencar (PSD-BA), pautou para a próxima quarta-feira (24) a análise da chamada Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Blindagem, que prevê autorização prévia, por votação secreta, da maioria da Câmara ou do Senado para processar criminalmente deputados e senadores. A expectativa é de que a proposta seja rejeitada na Comissão, salvo se houver pedido de vista do texto.
Tanto Alencar quanto o relator da proposta, Alessandro Vieira (MDB-SE), já se manifestaram contra o mérito da PEC. A análise ocorre após protestos neste domingo (21), que reuniram milhares de pessoas em 33 cidades, incluindo todas as capitais. Os manifestantes apelidaram a proposta de “PEC da Bandidagem” e pediram ainda o fim do projeto de lei que prevê anistia ou redução de penas para os condenados por tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023.
O relator Alessandro Vieira afirmou que rejeitará a proposta na CCJ. “A Câmara aprovou uma PEC para proteger bandido, desde que ele seja parlamentar ou presidente de partido. É um absurdo injustificável, que vamos derrotar no Senado”, disse em rede social. O líder da bancada do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM), destacou que a medida cria um precedente perigoso e mina a transparência pública.
Mesmo parlamentares do PL, que votaram integralmente a favor da PEC na Câmara, apontam a necessidade de ajustes. O senador Jorge Seif (PL-SC) afirmou que o texto traz pontos relevantes, mas também “exageros” que precisam ser corrigidos, como o voto secreto e a extensão da imunidade para presidentes de partidos. Segundo ele, o objetivo é equilibrar a proteção dos parlamentares com a transparência do Congresso.
Blindagem ou prerrogativas?
A PEC da Blindagem ganhou força na Câmara após ações do Supremo Tribunal Federal (STF) contra parlamentares envolvidos na tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023, e diante do crescimento de inquéritos sobre o uso de emendas parlamentares, que movimentam cerca de R$ 50 bilhões por ano. A medida foi defendida por aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro como forma de proteger parlamentares de “perseguição política” do Judiciário.
Por outro lado, especialistas e organizações de combate à corrupção alertam que a proposta pode dificultar investigações sobre o uso irregular de recursos públicos. A exigência de autorização prévia do Parlamento para processar deputados e senadores havia sido abolida por Emenda Constitucional em 2001, após casos de impunidade que chocaram a sociedade na década de 1990. De aproximadamente 250 pedidos de autorização para investigação, apenas um foi concedido, o que motivou a mudança da regra.
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), também defendeu a PEC, alegando que a discussão foi distorcida. Segundo ele, a proposta não visa proteger parlamentares de crimes comuns, mas sim conter supostos excessos do Judiciário. “Temos deputados sendo processados por crimes de opinião, discursos na tribuna e uso das redes sociais”, afirmou Motta, citando críticas ao julgamento da trama golpista pelo STF.
O jurista Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do Grupo Prerrogativas, ponderou que a imunidade parlamentar não pode ser usada para proteger crimes contra a honra ou ataques à democracia. “Opiniões políticas legítimas são protegidas, mas discursos que carregam ódio, intolerância e violam a lei devem ser examinados à luz da legislação”, afirmou.
Anistia e dosimetria
Além da PEC da Blindagem, Motta defendeu a redução de penas para os envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023, sem configurar anistia. Ele ressaltou que mudanças na dosimetria das penas poderiam permitir que algumas das aproximadamente 180 pessoas presas atualmente pudessem cumprir penas alternativas ou reduzir seu tempo de prisão, distensionando o ambiente político.
Protestos e manifestações
Os atos deste domingo reuniram grandes públicos em várias capitais. Em São Paulo, cerca de 42,4 mil pessoas se concentraram na Avenida Paulista, enquanto no Rio de Janeiro 41,8 mil estiveram em Copacabana. Artistas como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Djavan e Chico Buarque participaram dos protestos.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva classificou as manifestações como “espetáculo da democracia” e comparou o engajamento popular aos movimentos históricos da redemocratização, como as Diretas Já nos anos 1980. “Isso nos traz a lembrança dos anos 70, durante a redemocratização, quando suas vozes se somaram à voz da população que clamava pela liberdade”, afirmou.






