A União pode ter de bancar uma fatura maior que os R$ 160 bilhões já previstos na PEC (proposta de Emenda à Constituição) da reforma tributária para compensar os benefícios fiscais concedidos por estados e que têm manutenção garantida até 2032.
Um dispositivo inserido no texto prevê que "a União deverá complementar os recursos" em caso de insuficiência do chamado Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais ou Financeiros-fiscais.
O fundo vai receber aportes graduais do governo federal, ao longo de oito anos. A soma chegará aos R$ 160 bilhões.
O valor será usado para ressarcir empresas contempladas por incentivos que sejam afetadas negativamente pela redução das alíquotas do ICMS na transição que ocorrerá entre 2029 e 2032. A medida é necessária porque os benefícios não serão transportados para o novo IVA (Imposto sobre Valor Agregado), e as perdas poderiam ser questionadas judicialmente pelas companhias.
O governo federal tem hoje uma noção de grandeza dos incentivos a serem compensados, mas a conta exata ainda é uma incógnita, já que cada estado tem critérios próprios para apurar os números.
Por isso, há técnicos que veem no dispositivo uma espécie de "cheque em branco", obrigando a União a arcar com uma fatura muito maior do que a sinalizada na PEC.
A visão do governo federal, porém, é de que se trata de um "risco calculado", uma vez que o custo não deve ficar muito acima do montante proposto pela União para o fundo de convalidação dos benefícios fiscais (R$ 160 bilhões). O tamanho desse risco, porém, é mantido sob sigilo devido à sensibilidade do tema para as negociações.
Algumas travas de proteção foram inseridas no texto na tentativa de blindar os cofres do Tesouro Nacional contra uma surpresa indesejada na condução desse processo.
Serão compensados apenas os benefícios fiscais concedidos por prazo certo e sob condição (contrapartidas, como a realização de um investimento). O ressarcimento também só se aplica aos incentivos dados até 31 de maio de 2023.
Além disso, na prática, o fundo financiado pelo governo federal terá de bancar benefícios usufruídos durante apenas quatro anos, de 2029 a 2032, período em que as alíquotas do ICMS serão reduzidas gradualmente.
Nesse intervalo, os incentivos não industriais já estarão em fase de redução, conforme determinado na própria Lei Complementar 160, aprovada em 2017 e que assegurou a convalidação.
A PEC ainda prevê que lei complementar poderá estabelecer critérios e limites para a apuração do nível dos benefícios, além de procedimentos para a União analisar o cumprimento dos requisitos pelas empresas que pleitearem a compensação.
Segundo interlocutores, o dispositivo que determina a complementação de recursos foi pactuado entre o relator, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), e o Ministério da Fazenda, que tem interesse em viabilizar uma transição mais célere do ICMS para o novo sistema tributário.
Sem o fundo de compensação dos benefícios, a avaliação de técnicos é de que ficaria muito difícil iniciar a migração antes de 2033, quando os incentivos alcançados pela lei da convalidação seriam extintos.
O maior temor do governo federal é alongar demais a transição para estados e municípios, abrindo espaço para lobbies que busquem a prorrogação desses benefícios, tumultuando a tentativa de simplificação do sistema.
Alguns governadores ensaiaram uma pressão nesse sentido durante as negociações. O relator da PEC, porém, incluiu uma espécie de vacina e previu de forma expressa no texto que "é vedada a prorrogação dos prazos" de convalidação previstos na Lei Complementar 160.
A necessidade de manter a convalidação dos benefícios fiscais até 2032 entrou no radar do governo federal diante de alertas internos sobre um "risco jurídico não pequeno" de qualquer impacto negativo do IVA sobre os incentivos ser questionado na Justiça.
O risco existe porque, ao reduzir gradualmente as alíquotas do ICMS para elevar a do novo IVA, as empresas beneficiadas terão um crédito menor do que o sinalizado quando elas tomaram suas decisões de negócio e planejaram a realização dos investimentos (sob a expectativa de determinado retorno).
Do ponto de vista jurídico, isso seria considerado uma espécie de quebra de contrato, deixando a porta aberta para uma enxurrada de ações.
Como mostrou a Folha de S. Paulo, as renúncias totais do ICMS devem alcançar a marca de R$ 227,9 bilhões neste ano, segundo estimativa da Febrafite (Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais) a partir de dados dos projetos de LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) dos Executivos estaduais.
Nem todo esse valor, no entanto, é alcançado pela lei da convalidação dos benefícios fiscais, nem está diretamente ligado à chamada "guerra fiscal", na qual os estados concedem créditos presumidos na tentativa de atrair empresas para seus territórios, permitindo que elas recolham menos tributos.
Há uma série de incentivos estaduais de prazo indeterminado, que, com a reforma, perderão eficácia sem obrigação de compensação pela União.
FATURA DOS BENEFÍCIOS FISCAIS
União fará aportes anuais no Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais ou Financeiros-fiscais do ICMS:
2025 - R$ 8 bilhões
2026 - R$ 16 bilhões
2027 - R$ 24 bilhões
2028 - R$ 32 bilhões
2029 - R$ 32 bilhões
2030 - R$ 24 bilhões
2031 - R$ 16 bilhões
2032 - R$ 8 bilhões
Total: R$ 160 bilhões