OPINIÃO Segunda-feira, 04 de Agosto de 2025, 05:15 - A | A

Segunda-feira, 04 de Agosto de 2025, 05h:15 - A | A

DIELCIO MOREIRA

Perguntar não ofende. E ainda ilumina nossas almas

Dielcio Moreira

Jornalista, professor universitário e pesquisador.

É muito comum nos defrontarmos com algum problema e lamentar: “Eu poderia ter pensado antes!”; “Por que não pensei nisso?”. Liyan Páez, cubana, com cidadania americana, viu seu esposo ser deportado dos Estados Unidos. Disse à imprensa que se sentiu “completamente traída” pelo presidente Trump, de quem diz ter sido eleitora. Estava certa de que seriam expulsos do país somente os imigrantes tidos como criminosos. Não era o caso de seu esposo e de milhares de outros estrangeiros. Faltou a ela perguntar: será que, uma vez presidente, ele vai agir como está prometendo? O que ele entende por imigrante criminoso? 

Quando vamos tomar uma decisão, seja ela pessoal, relacionada ao trabalho, ao país, aos candidatos a cargos políticos, o caminho mais seguro, com menor probabilidade de erro, é fazer perguntas e buscar as respostas em sites de notícias responsáveis, dialogar com diferentes pessoas, inclusive com aquelas que não pensam como nós. Procurar amigos e familiares, pessoas lúcidas, com discernimento. Perguntas nos ajudam a decidir.

Parece fácil, assim falando, mas parar, pensar e perguntar não é tão simples. Geralmente, no cotidiano, nós estamos envolvidos em diferentes tipos de problemas, em relações profissionais, pessoais, muitas delas tóxicas, carregadas de emoção. Circunstâncias assim são comuns e, às vezes, embaralham o nosso pensamento. Ocorre também que quase sempre estamos certos do que pensamos, então parar e perguntar é desnecessário, porque mesmo sem perguntar já sabemos as respostas

Uma situação complexa, delicada e de risco, por exemplo, é quando alguém se torna refém de uma relação abusiva. Nesta, só de pensar em perguntar a mente se incendeia de temor. O medo é real. No trabalho, medo de perder o emprego; nos casos de violência doméstica, medo de ficar pior do que está, medo de mais violência, medo pelos filhos; medo do preconceito racial e de gênero. 

A violência contra as mulheres e o número de feminicídios em Mato Grosso, por exemplo, coloca o estado entre os mais violentos do Brasil. Proporcionalmente ao número de mulheres, Mato Grosso tem o maior índice de feminicídios do país. Por que isso ocorre? O problema é só policial?  Liderar o ranking de feminicídio é vergonhoso, disse o governador. Quase 80% das mulheres assassinadas não fizeram anteriormente qualquer denúncia. Isso provoca muitas perguntas. Entre elas, o Estado é acolhedor? As mulheres desconhecem os serviços prestados pelo estado ou não confiam? 

Há em Cuiabá serviços públicos confiáveis, como os projetos de apoio às mulheres no Ministério Público, na Defensoria Pública, Tribunal de Justiça, no governo do Estado e órgãos de segurança. O que preciso é que as mulheres confiem neles. E isso não se alcança com discursos, mas com acolhimento e escuta ativa. 

As mulheres são assassinadas em sua maioria por maridos, ex-companheiros, namorados. Em casos de ocorrências de violência, como as mulheres são recebidas? Por quem? E quando há filhos envolvidos, o que acontece com eles? Quem cuida? Como são atendidos pelo Estado? Muitas mulheres suportam a violência com medo de denunciar porque não sabem o que pode acontecer com sua vida e com a vida dos filhos. 

Parar, refletir, conversar e fazer perguntas. Isso não é simples! Mas o diálogo com as pessoas certas nos ajudam a alcançar respostas, muitas delas propositivas. As terapias, por exemplo, invocam em nós perguntas e respostas. Ninguém vive a nossa vida, cada um vive a sua, então muitas das respostas sobre nós estão em nós mesmos. Todos nós precisamos de ajuda para pensar.    

As perguntas formuladas pelos professores, por exemplo, conduzem nossos filhos ao aprendizado. Ao perguntarmos para nós mesmos acionamos o nosso espírito crítico. Agora, perguntar qualquer coisa é fácil, o difícil é fazer a pergunta certa, na hora certa. Isso exige colocar de lado o que já temos como resposta. Quer dizer, questionar as respostas que já temos prontas é um ato de coragem. 

Fazer perguntas e prever respostas é um excelente exercício para compreendermos o que acontece conosco e ao nosso redor. E por que não, para também compreender o que acontece distante de nós? Um dado acontecimento em outra cidade ou país, ou envolvendo um estranho, pode ser compreendido como não sendo um problema nosso, por não nos atingir diretamente. Esta percepção inicial, de algo que não nos afeta, de certo modo coloca em repouso o nosso espírito interrogador. Quer dizer, pouco ou quase nada aprendemos dos acontecimentos que aparentemente não nos dizem respeito. 

É certo que somos afetados direta ou indiretamente de diferentes formas quando um fato se dá em nossa vizinhança ou até mesmo distantes de nós. Um colega de trabalho, querido e amigo, por exemplo, demitido sem uma justa causa conhecida nos afeta de modo diferente daquele que pouco conhecemos. Os dois foram demitidos, choramos por um e, muitas vezes, ficamos indiferente ao outro. Do amigo temos um contexto comum, experiências e emoções compartilhadas. Do outro não. Mas será que a demissão de um estranho não nos afeta?

Sobre o amigo demitido temos muitas respostas, vieram da convivência, somos capazes de imaginar o que pode acontecer com seus filhos, com as finanças da família, as dificuldades de recolocação no mercado e tantas outras questões mais pessoais. Dos desconhecidos, podemos até imaginar as possíveis dificuldades decorrentes da demissão, comum a todos que são demitidos, mas não nos é possível desenhar com precisão como será o impacto da demissão em sua vida pessoal, familiar, financeira, porque dele pouco ou nada sabemos. 

Mesmo dos assuntos que dizem respeito à nossa vida, muitas vezes temos dificuldades de compreendê-los plenamente por que simplesmente não fazemos perguntas. Aceitamos o que os outros falam sem saber o interesse deles em nos persuadir a acreditar no que eles falam. E hoje, mais do que nunca, muita gente usa as redes sociais para falar qualquer coisa e dar respostas para tudo.  

Tem acontecimentos que nos sacodem, que nos fazem pensar, então somos surpreendidos com a nossa capacidade de perguntar, de buscar respostas, de ouvir diferentes fontes, de não nos satisfazer com respostas prontas, aquelas ditas de um jeito dissimulado por pessoas que querem, acima de qualquer outra coisa, conquistar nossos “likes”. 

Quando indagamos, questionamos uma informação ou acontecimento, as respostas obtidas vão nos levando a um estado de razão, as perguntas acionam nossos sentimentos, nossa consciência, nos tornam capazes de ser sujeitos de nossa história e não seguidores passivos das histórias dos outros.

Ao perguntar, questionar, relacionar o acontecimento, vizinho ou distante, com a nossa vida e compreender como e porque tal acontecimento nos afeta e qual o impacto tem sobre nós, nossa família, nosso país, nós nos distanciamos de respostas rasas e provocamos em nós uma experiência única. O ato de refletir, se aprofundar, buscar respostas, viver intensamente uma questão é um acontecimento que nos afeta, nos provoca, se torna uma experiência, o que para o professor espanhol Jorge Larrosa é aquilo que nos transforma. 

Há situações e pessoas que seguimos cegamente. O que estes influenciadores falam tornam-se verdades absolutas. Os seguidores, quase devotos, nem ousam questionar, perguntar o porquê. Como assim? Então, este estado de cegueira não é confiança, é um tipo de prisão, aprisiona nossos pensamentos porque nós nos negamos a refletir, a perguntar, a viver a experiência do conhecimento novo. 

Posso citar como exemplo o filme Adolescência. Depois da experiência de acompanhar o filme, vivê-lo intensamente, consigo ver no personagem não um adolescente qualquer, mas um filho ou muitos filhos que são deixados nas redes sociais à sua própria sorte. Com quem eles conversam? Quem eles seguem? Que sites visitam? Que música ouvem? São perguntas obrigatórias de todos os pais com filhos adolescentes.

A confiança nos ajuda a viver melhor, a acreditar em quem pensa e age a favor daquilo que realmente importa, que é importante para nós, para os nossos filhos, para os trabalhadores, para o futuro do nosso bairro, da nossa cidade. Por isso, evite os radicais. Eles agem como se já soubessem de tudo. Não ouvem. Só falam. O saber, o conhecimento obtido pelas perguntas certas quebra a crença cega no homem que fala o que queremos ouvir, mas não o que ele vai realmente quer obter. 

O conhecimento “é a condição básica para o resgate da confiança” em nossa história e nas pessoas que verdadeiramente nos acolhem com seus afetos e ações. Perguntar é trilhar um caminho como se ele fosse sempre novo. A cada pergunta, surge um novo detalhe, uma nova história.  

Este é o poder das perguntas. Elas nos transformam porque, ao final, encontramos em nós mesmos as melhores respostas. Não aceitamos as que vem prontas, decididas sabe se lá por quem ou com qual interesse. Aquelas informações que compartilhamos porque vieram de um conhecido seguem seu caminho muitas vezes nocivo e devastador sem que tenhamos feito uma simples pergunta: o que é isso que estou compartilhando? O que significa? Quem beneficia? Por que eu recebi?     

Para terminar, podemos pensar: qual o problema em falar o que se quer falar? São apenas palavras. Não! Não são apenas palavras, são pensamentos dados e espalhados, pois pensamos com palavras. Por isso quem lê tem mais palavras, quem pergunta tem mais repertório. Quanto mais palavras, melhor é o nosso entendimento. Com elas, nosso pensamento vai além da superficialidade, do que é raso e geralmente nocivo. 

“Pensar não é somente raciocinar ou calcular ou argumentar, como nos tem sido ensinado algumas vezes. Mas é sobretudo dar sentido ao que somos e ao que nos acontece”. É o que diz Jorge Larrosa. Por isso, perguntar sempre é um grande começo. Além de não ofender, ainda nos ilumina por completo.

Confira aqui JORGE LARROSA 

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