Em uma audiência pública tensa e marcada pela indignação popular, realizada na noite da última quinta-feira, 17 de julho de 2025, na Câmara Municipal de Chapada dos Guimarães, moradores e autoridades locais confrontaram representantes do governo estadual sobre dois temas cruciais para o município: a situação da MT-251, especialmente no trecho conhecido como Portão do Inferno, e o projeto de implantação do Parque da Quineira. Presidida pelo deputado estadual Wilson Santos (PSD), a sessão revelou o sofrimento econômico e social causado pelas intervenções na rodovia e gerou questionamentos detalhados sobre o novo equipamento turístico.
O calvário do Portão do Inferno
A discussão sobre o Portão do Inferno dominou grande parte da audiência, evidenciando o cansaço e a frustração da população. O deputado Wilson Santos abriu o debate destacando o impacto econômico devastador: "Lotes que eram vendidos a trezentos mil reais, antes do problema do Portão do Inferno, hoje são vendidos a cento e quarenta, cento e sessenta mil reais. Há um desespero aqui pelo setor imobiliário." Ele exemplificou a dificuldade no transporte de cargas e o fechamento de pousadas e comércios. "É um desespero, está muito sério mesmo", resumiu o deputado.
O vereador Zé Otávio, presidente da Câmara, expressou a "gastura" que o tema provoca, mencionando que a comunidade está "cansada" de dois anos de incertezas. O promotor Leandro Volosko corroborou a percepção de que a solução de retaludamento, inicialmente proposta e que custou milhões aos cofres públicos, "não era a mais apropriada", uma conclusão que o Ministério Público e estudos da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) já haviam antecipado, mas que, segundo ele, "as vozes não foram ouvidas".
A fala mais contundente veio de Uilza Pereira, professora e moradora local, que desabafou sobre a omissão do governo. Ela narrou o impacto direto na vida dos chapadenses: "Táxi em Chapada dos Guimarães, antes dessa questão do Portão do Inferno, Chapada dos Guimarães recebia muitos turistas e com isso o taxista chegava a fazer o quê em média cinco mil por mês, trabalhando direto com turista. Hoje quanto que um taxista desse faz? Menos de um salário mínimo porque ninguém quer vir para Chapada." Pereira criticou a ausência de um técnico do governo para responder aos questionamentos sobre a rodovia e a falta de respeito com a população, citando casos de estudantes e pacientes que ficaram horas retidos sem estrutura. "É inaceitável gastar quase dez milhões para fazer um galinheiro. Aquela obra lá é um galinheiro, gente, pelo amor de Deus", disse, revoltada.
Marialva Campos Martins, empresária e moradora, fez um apelo emocional ao governador Mauro Mendes: "Nós nunca passamos uma situação tão difícil, tão emocionalmente falando, financeiramente falando, em Chapada, nem na Covid nós passamos pelo que nós estamos passando. A população chapadense está tão desanimada, tão entristecida, tão depressiva, porque a gente não sabe o que fazer". Ela pediu que o governador "olhe para nós e que veja em nós um irmão".
O vereador Joair Siqueira classificou o projeto anterior como "morto" e reiterou que o gasto de "oito a onze milhões para não se fazer nada" deveria responsabilizar os gestores. Ele exigiu que o novo projeto seja discutido na cidade, com celeridade e viabilidade, e que o governo ouça os especialistas locais e a população. Márcia Marisa Bortoluzzi, da Associação dos Guias e Condutores de Ecoturismo, reforçou o impacto negativo no turismo, com baixa visitação ao Parque Nacional e em outros atrativos.
Análise técnica e propostas para a MT-251
O geólogo Caiubi Kuhn, da UFMT, apresentou detalhes do estudo contratado pela prefeitura, cujo custo foi de R$ 30 mil. Ele explicou que a rodovia possui áreas de alto risco de queda de blocos, como a Curva da Mata Fria, onde o sistema pare-e-siga tem colocado pessoas em situação perigosa. Kuhn destacou que o viaduto atual do Portão do Inferno "não está comprometido" e poderia suportar cargas maiores. Ele defendeu a construção de um viaduto como a melhor opção, pois "afasta a estrada da área de risco". O geólogo também desmistificou a ideia de que Cuiabá ficaria a apenas 30 km de Chapada com a nova rodovia 030, afirmando que a redução seria de, no máximo, 10 km, e que o custo dessa obra seria vultoso, ultrapassando os R$ 600 milhões, além de exigir desapropriações e licenciamentos complexos. Sua sugestão é uma "governança em gestão do risco" na MT-251, com o fim do pare-e-siga e maior segurança para a rodovia atual.
A secretária adjunta de Cidades, Rafaela Damiani, representante do governo estadual, informou que a questão do Portão do Inferno está sob responsabilidade de outra secretaria adjunta e que a Sinfra está realizando "estudos, vendo a melhor solução". Ela não pôde adiantar se a alternativa será um túnel ou um viaduto. O deputado Wilson Santos prometeu retornar à Chapada para discutir o tema assim que o governo definir o caminho a seguir.
Parque da Quineira: um novo horizonte com ressalvas
Sobre o Parque da Quineira, a Secretária Rafaela Damiani detalhou o projeto, que visa transformar o Parque Natural Municipal em um estadual, se houver consentimento da Câmara e da Prefeitura de Chapada. Ela explicou que o projeto estadual, orçado em R$ 13,7 milhões, foi desenvolvido pela Sinfra para "beneficiar e ajudar Chapada", buscando organizar o uso e ocupação da área, que hoje sofre com degradação ambiental. O parque terá calçadas, pista de caminhada, estacionamento, restaurante de pequeno porte, playground, pet park e trilhas, com a preocupação de preservar as questões ambientais. A licitação ocorreu na véspera da audiência, com quatro empresas habilitadas.
No entanto, a jornalista Lauristela Guimarães levantou uma preocupação crucial: a ausência de um plano de manejo para o parque. Ela alertou que, sem o plano, a obra corre o risco de ser embargada e que a lei de 2006, que autorizava a criação do parque, "nunca foi sancionada". A promotora solicitou à secretária que verificasse a inclusão desse ponto vital no edital de licitação. Rafaela respondeu que a prefeitura ficaria responsável pelo plano de manejo e que as licenças ambientais da Sinfra estavam em ordem, mas prometeu checar a informação.
O prefeito Osmar Froner complementou, explicando os esforços do município em relação a unidades de conservação e buscando recursos próprios, além de parcerias com o Ministério Público para projetos de lazer. Ele ressaltou a importância da preservação na Quineira, um "patrimônio ambiental importante" e "o único córrego que passa dentro da cidade", e defendeu a necessidade de monitoramento da execução das obras para evitar impactos ambientais, especialmente relacionados ao saneamento e águas pluviais. A Márcia, participante da audiência, também questionou o sistema de esgoto previsto para o restaurante do parque, uma vez que a cidade não possui rede de esgoto. Rafaela explicou que seriam usadas estações compactas, com coleta periódica por quem vencer a concessão.
A audiência, que se estendeu por horas, demonstrou a urgência da população de Chapada dos Guimarães por soluções concretas e diálogo transparente com o governo do estado. As autoridades presentes reforçaram a necessidade de união entre os poderes para superar os desafios impostos pela situação da rodovia e garantir um futuro sustentável para o município.