BLOG DO MAURO Sexta-feira, 05 de Dezembro de 2025, 10:35 - A | A

Sexta-feira, 05 de Dezembro de 2025, 10h:35 - A | A

JUSTIÇA AUTÔNOMA

Gilmar Mendes preserva o STF da banalização do impeachment

Mauro Camargo

No dia 3 de dezembro de 2025, o ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal (STF), proferiu uma decisão monocrática que altera o curso de um debate antigo e sensível no Brasil. Em resposta às Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) 1259 e 1260, ajuizadas pelo partido Solidariedade e pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Mendes suspendeu diversos trechos da Lei do Impeachment (Lei nº 1.079/1950). A medida central estabelece que apenas o Procurador-Geral da República (PGR) tem legitimidade para apresentar denúncias por crimes de responsabilidade contra ministros do STF ao Senado Federal. Essa liminar não é um ato isolado. Ela reflete uma interpretação constitucional profunda, ancorada na necessidade de preservar a autonomia do Judiciário em um país marcado por polarizações intensas e tentativas de desestabilização institucional.

A decisão de Mendes surge em um contexto de crescente tensão entre os Poderes. Nos últimos anos, o STF tem enfrentado uma enxurrada de pedidos de impeachment protocolados por cidadãos comuns, muitos deles motivados por discordâncias políticas com decisões da Corte. Esses pedidos, facilitados pelo artigo 41 da lei de 1950, permitiam que qualquer pessoa, sem filtros prévios, iniciasse processos que poderiam paralisar o trabalho dos ministros. Mendes argumentou, em sua decisão publicada no site oficial do STF, que essa norma não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988. A lei, editada em plena ditadura Vargas, ignora as garantias constitucionais de vitaliciedade (artigo 95) e independência judicial (artigo 2º), transformando o impeachment em ferramenta de intimidação cotidiana.

Considere o raciocínio jurídico exposto por Mendes. Ele destaca que o impeachment, como instituto excepcional, deve ser acionado apenas em casos de crimes de responsabilidade graves e comprovados. Permitir denúncias irrestritas abre as portas para abusos. Qualquer cidadão poderia, por mera insatisfação com uma sentença, iniciar um processo que exige tempo, recursos e atenção do Senado. Isso não equilibra os Poderes. Pelo contrário, submete o Judiciário a um controle legislativo excessivo, onde maiorias transitórias ditam o destino de juízes. A liminar corrige isso ao centralizar a iniciativa na PGR, o chefe do Ministério Público da União (artigo 128 da CF/88), que atua como fiscal da lei e possui expertise para avaliar a viabilidade jurídica de uma denúncia. Essa filtragem inicial evita o caos processual e assegura que apenas casos sérios avancem.

Além disso, Mendes elevou o quórum para abertura do processo no Senado para dois terços dos membros (54 senadores), alinhando-o ao padrão constitucional para impeachments presidenciais (artigo 52). Essa exigência não é arbitrária. Ela reflete o equilíbrio entre accountability e estabilidade. O STF, como guardião da Constituição (artigo 102), não pode ser refém de decisões impulsivas. Juristas como Lenio Luiz Streck, em artigo publicado no ConJur em dezembro de 2025, endossam essa visão. Streck afirma que a banalização do impeachment "transformou o instituto em uma arma de pressão política, incompatível com a estabilidade democrática". Ele elogia a decisão como um "freio necessário", que restaura o rigor constitucional sem eliminar a responsabilização.

A legalidade da liminar é inquestionável. Mendes baseou-se em precedentes do próprio STF, como o julgamento da ADI 5.526, que já questionava a recepção da Lei 1.079 pela CF/88. A Constituição prioriza a harmonia entre os Poderes, mas não permite que um domine o outro. Permitir que o Legislativo interfira livremente no mandato vitalício de ministros violaria o princípio da inamovibilidade, essencial para que juízes julguem sem medo de retaliação. Como relatado na notícia oficial do STF, Mendes enfatizou: "O impeachment infundado de Ministros da Suprema Corte se insere nesse contexto de enfraquecimento do Estado de Direito". Essa frase resume a essência: sem filtros, o instrumento perde sua função corretiva e vira mecanismo de deslegitimação.

Agora, examinemos as reações contrárias, que não resistem a um escrutínio sério. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), classificou a decisão como "grave ofensa à separação dos Poderes", conforme nota divulgada no site do Senado em 3 de dezembro de 2025. Ele argumenta que a lei de 1950 assegura a qualquer cidadão o direito de propor denúncias, e que abusos deveriam ser corrigidos por legislação, não por decisão judicial. Essa crítica ignora o cerne do problema. A Constituição de 1988, com sua ênfase em direitos fundamentais e controle de constitucionalidade (artigo 102), permite ao STF declarar a não recepção de normas incompatíveis. Alcolumbre sugere uma "alteração legislativa", mas isso seria uma tentativa de contornar o Judiciário, perpetuando uma lei obsoleta que favorece o populismo processual.

A Advocacia-Geral da União (AGU – do indicado pelo presidente Lula ao STF, Jorge Messias) também pediu reconsideração, em manifestação enviada ao STF no dia 4 de dezembro, conforme portal oficial do governo. A AGU defende a "legitimidade popular" para denúncias. alegando que restringi-las não ameaça a independência judicial. Essa posição é frágil. Ela equipara o impeachment de um ministro – que julga a constitucionalidade de atos do Executivo e Legislativo – ao de um presidente, onde a sociedade tem interesse direto. Mas ministros do STF não exercem poder executivo. Sua função é interpretativa, protegida pela vitaliciedade para evitar autocensura. Permitir denúncias anônimas ou motivadas por ideologia, como ocorreu em mais de 100 pedidos contra Alexandre de Moraes em 2024, só gera ruído, não justiça. A AGU, ao defender isso, subestima o risco de judicialização da política cotidiana.

Entre bolsonaristas, as críticas são mais veementes e reveladoras. O deputado Luciano Zucco (PL-RS) chamou a decisão de "golpe e escárnio", em postagem no X (antigo Twitter) no dia 3 de dezembro, segundo cobertura da Rádio Itatiaia. O senador Eduardo Girão (Novo-CE) foi além, acusando Mendes de "agir em benefício próprio". Essas reações não são jurídicas. São políticas, ecoando a narrativa de uma "ditadura do Judiciário" usada para deslegitimar o STF após condenações nos atos de 8 de janeiro de 2023. Zucco e Girão representam o espectro que vê o impeachment como vingança contra decisões que barraram narrativas golpistas. Refutá-los é simples: a liminar não imuniza ministros. Ela exige que denúncias passem por análise técnica da PGR, evitando que fake news ou protestos de rua se transformem em processos formais. Como Streck observou em entrevista à Brasil 247, "isso não é privilégio; é o mínimo para um Judiciário funcional".

Juristas críticos, como a advogada Katia Magalhães e o doutor Alessandro Chiarottino, em análise no GP1 de 3 de dezembro, alegam que a decisão viola a soberania popular e torna o impeachment "praticamente impossível". Chiarottino vai mais longe, dizendo que o STF interfere na separação de poderes. Essa visão é míope. A soberania popular não significa anarquia processual. A CF/88, aprovada por representação popular via Constituinte, prioriza a estabilidade institucional. Se denúncias irrestritas fossem "soberania", o Congresso poderia aprovar leis que anulam decisões do STF por voto simples – o que já tentaram com PECs em 2023. Chiarottino ignora que a PGR, indicada pelo presidente, mas aprovada pelo Senado, já atua como filtro em outros processos. A decisão de Mendes apenas estende essa lógica ao impeachment, promovendo eficiência, não obstrução.

Magalhães argumenta que o controle sobre juízes é essencial para a democracia. Concordo em parte: accountability é vital. Mas o mecanismo correto não é o impeachment facilitado. É a responsabilização por atos concretos, via Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ou processos disciplinares. A liminar preserva isso, focando o impeachment em crimes graves, como corrupção ou abuso de poder, avaliados pela PGR. Sem ela, o STF vira alvo de campanhas midiáticas, como as vistas em 2024 contra Moraes, orquestradas por grupos bolsonaristas. Essas pressões não buscam justiça. Buscam paralisia.

 A importância do STF transcende essa liminar. Considere seu papel nos julgamentos dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. A Corte condenou mais de 1.300 réus por tentativa de golpe de Estado, incluindo líderes que invadiram o Congresso, o Planalto e o STF. Essas decisões, sob relatoria de Alexandre de Moraes, reafirmaram o artigo 5º da CF/88, que veda a interrupção da ordem democrática. Sem autonomia, esses julgamentos poderiam ter sido sabotados por impeachments paralelos. Imagine se, durante o inquérito das fake news, denúncias populares travassem o STF. A liminar de Mendes garante que o tribunal julgue atos antidemocráticos sem o espectro de retaliação imediata.

 Os eventos de 8 de janeiro expuseram uma ameaça real: mobilizações de extrema direita, financiadas por bolsonaristas, visavam derrubar o governo eleito. O STF, ao condenar participantes a penas de até 17 anos, aplicou a Lei de Segurança Nacional e o Código Penal de forma imparcial. Juristas como Conrado Hübner Mendes, em análise para a Folha de S.Paulo em janeiro de 2024, destacam que essa independência foi crucial. "O STF atuou como contrapeso, impedindo que o Legislativo, influenciado por radicais, anistiasse golpistas", escreveu Hübner. A decisão de Mendes estende essa proteção. Ela impede que grupos perdedores usem o impeachment como "chantagem" contra ministros que condenam conspirações.

Pressões externas não param em protestos. Em 2024, caravanas bolsonaristas marcharam a Brasília exigindo "impeachment de Moraes". Redes sociais amplificaram petições com milhões de assinaturas falsas. Esses movimentos não são espontâneos. São coordenados por aliados de Bolsonaro, que veem o STF como obstáculo à narrativa de "fraude eleitoral". A liminar responde a isso ao exigir análise da PGR, que pode descartar denúncias infundadas baseadas em desinformação. Como relatado pela Agência Brasil em dezembro de 2025, Mendes negou que a medida proteja o STF pessoalmente. "É aplicação da Constituição. A lei de 1950 caducou", disse ele. Essa declaração refuta acusações de corporativismo. É defesa do sistema.

A autonomia do STF não é luxo. É pilar do Estado de Direito. Sem ela, o Judiciário se curva a maiorias volúveis, como ocorreu na República de Weimar, onde pressões políticas levaram ao colapso democrático. No Brasil, o STF barrou abusos durante o impeachment de Dilma Rousseff em 2016 e investigou o 8 de janeiro. Em ambos, sua independência evitou escaladas. Gilmar Mendes, ao limitar denúncias ao PGR, reforça esse papel. O quórum de 2/3 no Senado garante debate amplo, mas filtrado. Isso equilibra accountability com estabilidade, permitindo que ministros julguem sem autocensura.

Refutando mais uma crítica comum: opositores alegam que a decisão concentra poder na PGR, indicada pelo presidente. Isso ignora o checks and balances. O PGR é aprovado pelo Senado (artigo 128, §2º, CF/88) e pode ser destituído por irregularidades. Além disso, denúncias rejeitadas pela PGR ainda podem ser revistas pelo STF em mandado de segurança. Não há monopólio. Há racionalidade. Como Oscar Vilhena, reitor da FGV Direito SP, comentou em seminário da OAB em novembro de 2025, "a liminar de Mendes é sólida juridicamente porque alinha o impeachment à CF/88, evitando que vire circo político".

A condenação de responsáveis por atos antidemocráticos depende dessa autonomia. Nos julgamentos do 8 de janeiro, o STF aplicou a lei sem favoritismos: condenou réus de todos os perfis, de manifestantes a financiadores. Responsáveis como Jair Bolsonaro, inelegível até 2030 por abuso de poder (decisão de 2023), enfrentam processos por disseminação de fake news. Sem a liminar, esses réus poderiam retaliar com impeachments em massa, paralisando a Corte. A decisão assegura aplicação imparcial da lei, como manda o artigo 5º, caput, da CF/88: todos são iguais perante a lei.

Grupos de extrema direita bolsonarista, derrotados nas urnas e nos tribunais, recorrem a "chantagens" como protestos e petições. Em 2024, o acampamento em frente ao STF durou meses, com ameaças veladas. A liminar corta esse ciclo. Ela declara que discordância com decisões não é crime de responsabilidade. Divergências interpretativas, como em julgamentos de atos normativos, são o cerne da jurisdição. Criminalizá-las, como Mendes alertou, equivaleria a "criminalização da hermenêutica". Isso preservaria o STF para julgar futuros golpes, como tentativas de anistia aos golpistas em 2025.

A decisão contribui para a maturidade democrática. O Brasil, pós-ditadura, construiu instituições para evitar retrocessos. O STF, com sua jurisprudência contra o autoritarismo – vide o julgamento da ADPF 635 durante a pandemia –, precisa de espaço para atuar. Pressões do Congresso, influenciado por radicais, ameaçam isso. Alcolumbre fala em "nova lei", mas qualquer PEC para facilitar impeachments seria inconstitucional, violando o artigo 60, §4º (cláusulas pétreas). Melhor: o plenário do STF referendar a liminar em dezembro, como indicam fontes internas à Corte (Brasil 247, 4 de dezembro de 2025).

A liminar de Gilmar Mendes não é capricho. É salvaguarda constitucional. Ela refuta críticas ao demonstrar que accountability existe, mas com filtros. Protege o STF de pressões bolsonaristas que visam vingar derrotas no 8 de janeiro. Garante condenações imparciais de golpistas. E, acima de tudo, preserva a democracia ao equilibrar Poderes. Juristas como Streck e Hübner Mendes, em análises recentes, veem nisso um avanço. O Brasil precisa de um Judiciário forte, não submisso. Essa decisão pavimenta esse caminho. E reafirma a coragem e altivez de Gilmar Mendes na sua atuação no Supremo, no enfrentamento de temas polêmicos.

 



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