O Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC), um órgão do Departamento de Tesouro dos Estados Unidos, aplicou uma sanção contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes. A medida foi anunciada às vésperas do início de um aumento de tarifas contra produtos brasileiros. As informações são dos jornalistas Lucas Pordeus León e Luciano Nascimento, publicadas pela Agência Brasil (Abr).
De acordo com o governo americano, a sanção se baseia em acusações de que Moraes teria violado a liberdade de expressão e autorizado “prisões arbitrárias”. O OFAC cita como exemplos o julgamento relacionado à tentativa de golpe de Estado no Brasil e decisões judiciais contra empresas de mídia social sediadas nos Estados Unidos.
Em declaração oficial, o Secretário do Tesouro, Scott Bessent, afirmou que o ministro brasileiro seria o responsável por uma campanha de censura e processos politizados. “Moraes é responsável por uma campanha opressiva de censura, detenções arbitrárias que violam os direitos humanos e processos politizados – inclusive contra o ex-presidente Jair Bolsonaro”, declarou Bessent.
O secretário complementou que a ação visa responsabilizar aqueles que ameaçam os interesses dos EUA. “A ação de hoje deixa claro que o Tesouro continuará a responsabilizar aqueles que ameaçam os interesses dos EUA e as liberdades de nossos cidadãos”, concluiu.
A argumentação do governo americano reflete a narrativa do ex-presidente Jair Bolsonaro, que alega ser vítima de perseguição política no processo em que é investigado por supostamente liderar uma articulação para um golpe de Estado. A denúncia aponta que Bolsonaro teria pressionado comandantes militares para anular o resultado da eleição presidencial de 2022, na qual foi derrotado por Luiz Inácio Lula da Silva.
Além do inquérito sobre os atos de 8 de janeiro de 2023, o OFAC mencionou como justificativa para a sanção as decisões de Moraes contra redes sociais ligadas ao presidente americano Donald Trump. “Ele também emitiu ordens diretamente a empresas de mídia social dos EUA para bloquear ou remover centenas de contas, muitas vezes de seus críticos e outros críticos do governo brasileiro, incluindo cidadãos americanos”, comunicou o órgão.
Entre as decisões citadas estão a suspensão da plataforma Rumble em fevereiro, pertencente à Trump Media & Technology Group (TMTG), e da plataforma X, em agosto de 2024. Em ambos os casos, a justificativa legal foi o descumprimento de decisões judiciais e a não apresentação de um representante legal no Brasil, conforme exige a legislação nacional.
O Departamento de Tesouro dos EUA acusa Moraes de minar o direito à liberdade de expressão. “Por meio de suas ações como ministro do STF, Moraes minou os direitos de brasileiros e americanos à liberdade de expressão”, comentou o OFAC, que também mencionou a determinação de “prisões preventivas sem acusações” e a prisão de um jornalista, sem especificar os casos.
Analistas consultados pela Agência Brasil apontam que a narrativa sobre censura e perseguição é uma distorção da realidade dos processos judiciais no país. Segundo Pedro Kelson, do Programa de Democracia da Washington Brazil Office (WBO), a estratégia visa descredibilizar as investigações. “[Essa estratégia] tem como objetivo tentar desmoralizar as investigações de responsabilizações contra os ataques ao Estado Democrático de Direito do Brasil com informações incompletas e superficiais sobre a realidade brasileira”, afirmou.
Flávia Santiago, professora de direito constitucional da Universidade Estadual de Pernambuco (UPE), ressaltou que a liberdade de expressão não é ilimitada em democracias. “Por atuar dentro do Brasil, a plataforma está sujeita às leis e decisões judiciais do país. Cada democracia estabelece os seus limites. A democracia brasileira tem limites e um deles é não pôr em dúvida as próprias instituições democráticas”, explicou.
Muitos dos perfis suspensos por ordem de Moraes são investigados por crimes como a abolição violenta do Estado Democrático de Direito, previsto na Lei 14.197 de 2021. Fábio de Sá e Silva, pesquisador associado do WBO, argumenta que o Judiciário brasileiro possui respaldo para tais ações. “No Brasil, a ‘liberdade de expressão’ encontra limites na proteção de outros bens jurídicos individuais, como a honra; ou coletivos, como a segurança e o equilíbrio eleitoral”, disse.
O especialista acrescenta que, conforme a lei brasileira, perfis ou postagens que incentivem crimes, como golpe de Estado ou pedofilia, podem ser removidos judicialmente. Ele contrasta a legislação com a dos EUA, onde se pode fundar um partido nazista, algo que no Brasil é tipificado como crime.
Entenda a Lei Magnitsky
A sanção contra o ministro Alexandre de Moraes foi baseada na Lei Magnitsky, um dispositivo da legislação americana utilizado para punir unilateralmente indivíduos estrangeiros acusados de violações de direitos humanos ou corrupção. A principal consequência é o bloqueio de bens e empresas que os alvos possam ter sob jurisdição dos EUA.
A lei foi criada em 2012, durante o governo de Barack Obama, com o objetivo inicial de sancionar os responsáveis pela morte do advogado russo Sergei Magnitsky. Em 2016, sua aplicação foi ampliada pelo Global Magnitsky Act, passando a abranger agentes de governos estrangeiros envolvidos em abusos de direitos humanos em qualquer parte do mundo.
As sanções incluem o bloqueio de contas bancárias e bens em solo americano e a proibição de entrada no país. A medida pode ter efeitos indiretos, como a interrupção de serviços de operadoras de cartão de crédito e de gigantes da tecnologia (bigtechs) como Google, Meta e Apple, que, por terem sede nos EUA, seriam obrigadas a cumprir a sanção.
A aplicação da lei é um ato administrativo do governo americano, baseado em investigações de órgãos como o Departamento de Estado e o Departamento do Tesouro, não sendo necessária uma condenação judicial prévia. Os sancionados são incluídos na lista de Cidadãos Especialmente Designados e Pessoas Bloqueadas (SDN) do OFAC.
Entre outras personalidades já sancionadas pela Lei Magnitsky estão o líder da Chechênia, Ramzan Kadyrov; o ex-presidente do Paraguai, Horacio Cartes; e o presidente do Zimbábue, Emmerson Mnangagwa.