BLOG DO MAURO Sexta-feira, 19 de Dezembro de 2025, 11:49 - A | A

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DEVER PÚBLICO

O espelho de Mato Grosso sob a lupa do rigor institucional

Mauro Camargo

A decisão da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, que resultou na perda dos mandatos de Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Alexandre Ramagem (PL-RJ), enviou um sinal inequívoco para todos os gabinetes do Congresso Nacional. O recado é claro: o mandato não é uma concessão vitalícia de prestígio, mas um contrato de prestação de contas contínuo com o eleitor e com a Constituição. Enquanto o país digere a queda desses expoentes do bolsonarismo — um por absentismo deliberado e outro por condenação criminal —, os holofotes se voltam para as bancadas estaduais. Em Mato Grosso, estado que respira política e agronegócio, o desempenho dos seus oito representantes federais passa a ser observado sob uma lente de aumento inédita.

A queda de Eduardo Bolsonaro, motivada pelo descumprimento do dever básico de presença, e a de Ramagem, pela gravidade de uma condenação a 16 anos de prisão, criaram um novo patamar de exigência. No "Nossa República", acreditamos que a análise política deve ser baseada em dados concretos, transformando a complexidade dos gastos e das presenças em informações úteis para o cidadão. Quando olhamos para a bancada de Mato Grosso em 2024 (dados de 2025 ainda indisponíveis), vemos um mosaico de comportamentos: desde a assiduidade exemplar até custos de gabinete que desafiam o conceito de austeridade.

Para compreender como nossos parlamentares estão exercendo o poder delegado pelas urnas, consolidamos os dados de presença, gastos da Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar (CEAP) — o famoso "cotão" — e a destinação de emendas individuais. Em 2024, a bancada mato-grossense consumiu aproximadamente R$ 13,3 milhões entre cota parlamentar e verba de gabinete, um valor que reflete a logística complexa de representar um estado de dimensões continentais, mas que exige vigilância.

A análise dos dados revela uma disparidade que merece reflexão. Enquanto a deputada Gisela Simona (União) mantém um índice de presença de 100% nas sessões deliberativas, outros parlamentares apresentam oscilações que, embora dentro da legalidade regimental, contrastam com a produtividade esperada de quem representa os interesses de Mato Grosso na capital federal. No campo dos gastos, a Coronel Fernanda (PL) lidera o ranking de utilização da cota parlamentar, ultrapassando a marca dos R$ 500 mil. Esses recursos, destinados a passagens aéreas, combustíveis e divulgação do mandato, são legais, mas em um momento de crise fiscal e cassações por abandono de cargo, cada centavo é escrutinado pela opinião pública como um investimento que deve gerar retorno social.

No que tange às emendas parlamentares, o ano de 2024 consolidou o poder dos deputados federais sobre o Orçamento da União. Cada um dos oito parlamentares de Mato Grosso teve o direito de indicar aproximadamente R$ 37,8 milhões em emendas individuais impositivas. A aplicação desses recursos é o principal trunfo eleitoral nas bases regionais: prefeitos e lideranças locais dependem diretamente dessa "caneta" para obras de infraestrutura, saúde e educação. Contudo, a análise crítica do Nossa República sugere que a destinação deve ser pautada pela eficiência técnica, e não apenas por conveniência política, evitando que as emendas se tornem meros instrumentos de barganha partidária.

Para compreender a profundidade institucional das recentes cassações, é necessário mergulhar no texto da Constituição Federal. O artigo 55 é a espinha dorsal que sustenta o rigor aplicado a Eduardo Bolsonaro e Alexandre Ramagem. No caso de Eduardo, o inciso III estabelece que perderá o mandato o parlamentar que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias, salvo licença ou missão autorizada. O aspecto jurídico aqui é objetivo: não há necessidade de julgamento pelo Plenário. Uma vez constatada a ausência matemática sem justificativa, a Mesa Diretora tem o dever constitucional de declarar a vacância, sob pena de prevaricação.

Já a situação de Alexandre Ramagem invoca o parágrafo 3º do mesmo artigo, que trata da perda de mandato como efeito de condenação criminal transitada em julgado. Quando o Supremo Tribunal Federal (STF) impõe uma sentença de 16 anos por crimes contra o Estado Democrático de Direito, o mandato parlamentar perde sua substância jurídica de imunidade. A decisão da Mesa Diretora, portanto, não é um "tribunal político", mas um ato administrativo vinculado que reconhece a incompatibilidade entre o cumprimento de uma pena de reclusão e o exercício da representação popular. Esse rigor jurídico serve como um alerta para a bancada de Mato Grosso sobre a importância da integridade processual e do respeito absoluto ao regimento interno da Casa.

Entre o choque e a defesa estratégica

Em Mato Grosso, a cassação de nomes tão próximos ao ex-presidente Jair Bolsonaro reverberou como um trovão na direita local. Militantes e grupos de influência digital em Cuiabá e Rondonópolis reagiram inicialmente com indignação, classificando as medidas como "perseguição do sistema". Parlamentares mato-grossenses do PL, como José Medeiros e Nelson Barbudo, encontram-se em uma posição delicada: precisam sustentar o discurso de solidariedade aos correligionários enquanto cuidam para que seus próprios índices de presença e transparência não se tornem alvos de ataques similares.

A estratégia da direita mato-grossense tem sido focar no esvaziamento da soberania parlamentar, argumento ecoado pelo líder do PL, Sóstenes Cavalcante (agora sob grave investigação da Polícia Federal). Eles argumentam que as decisões deveriam passar pelo crivo do voto de todos os deputados, e não apenas de um ato da Mesa. Entretanto, para os formadores de opinião e líderes empresariais do estado, a imagem de um parlamentar "foragido" ou que "foge" das votações é extremamente corrosiva. O eleitorado mato-grossense, embora conservador, é pragmático e exige que o dinheiro público investido na bancada federal se converta em presença real nas comissões e em resultados tangíveis para os municípios.

A "bancada dos foragidos", como foi apelidada por opositores, deixa um vácuo que será preenchido por suplentes e por uma nova dinâmica política. A cassação de Eduardo e Ramagem serve como um espelho para os parlamentares de Mato Grosso: o mandato não é mais um bunker. Com o avanço dos portais de transparência e a vigilância em tempo real das redes sociais, a atuação "fantasma" tornou-se um risco político de alta letalidade. O Nossa República continuará acompanhando se os R$ 13,3 milhões gastos pela nossa bancada estão, de fato, sendo traduzidos em defesa dos interesses do estado ou se estamos diante de uma representação de custos elevados e presença diluída.

Ao fim e ao cabo, o recado institucional de Hugo Motta e da Mesa Diretora é um convite à seriedade. Em Mato Grosso, a resposta deve vir através de mandatos que não apenas ocupem as cadeiras em Brasília, mas que honrem a confiança de um povo que não aceita mais o abandono como prática política. A separação entre o Poder Legislativo e o Judiciário foi reafirmada: a imunidade parlamentar protege a palavra e o voto, mas jamais a ausência ou o crime.



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