A família é a instituição mais importante na construção da identidade do indivíduo, pois dependendo da forma com que foi acolhido afetivamente pelo grupo familiar, ele terá sucesso ou fracasso no desenvolvimento de uma personalidade que lhe garanta a gestão de sua vida em sociedade. Os primeiros anos da infância são determinantes para o equilíbrio psicológico da pessoa e é justamente nessa fase que as instituições deixam de acolher o mundo da fantasia determinante para a criatividade e bem-estar para o resto da vida.
Para falar sobre a importância da família precisamos falar da infância, onde tudo começa. Quando Freud elaborou sua teoria do desenvolvimento psíquico sexual, isso em 1900, foi xingado, cuspido e abandonado até pelo seu mentor. Hoje, passados mais de cem anos, tal teoria é a base da compreensão do nosso desenvolvimento. Por exemplo a fase oral, mal elaborada durante o primeiro ano, levamos para a vida adulta, a necessidade de satisfação oral, o que nos leva a apreciar a comida e bebida para além do necessário. Assim também a má elaboração das outras fases do desenvolvimento implicam em fixação a comportamentos que nos impõem limitações à personalidade. Não pretendo aprofundar nessas fases do desenvolvimento, pois minha intenção é dar mais ênfase a solução às dificuldades criadas pela falta de acolhimento adequado da primeira infância.
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A Psicologia como ciência cuida das causas dos transtornos desenvolvendo assim a autoconsciência, enquanto a Psiquiatria cuida dos efeitos através da administração medicamentosa. De um modo geral, as pessoas são levadas a acreditar que são portadoras de algo que não é de sua responsabilidade, então a especialidade clínica cuida de um órgão sem levar em consideração o indivíduo como um todo. Também, dessa forma, muitas crianças são rotuladas nas escolas e nas famílias por causa de suas dificuldades emocionais.
Os temas sobre a primeira infância são, hoje em dia, vastos e profundos, embora ainda não tenham alcançado efetividades nas escolas ou instituições que cuidam das crianças. É importante entender que a criança não é um ser adulto em miniatura, cheio de ilusões e fantasias a respeito da realidade, mas é um ser divino especial, na fase mais importante da vida, suas principais características, as quais deveriam ser conservadas na idade adulta são a alegria, a falta de ressentimentos contra outros ou sentimento de culpa contra si, além de ter uma consciência de unidade. Por isso a criança está tão ligada aos animais e esses a elas, pois imaginam que eles possuem personalidade. Razão de todo sucesso da magia de Walt Disney e todos as estórias encantadas das crianças. A mesma imaginação que embala as crianças, também está presente nos grandes cientistas, inventores e artistas.
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No Novo Testamento em Mateus, 18, em fala atribuída a Jesus, lemos: “Na verdade eu vos digo que, se não converterdes e vos não tornardes criancinhas não entrareis no reino dos céus”. Em Assim Falava Zaratustra de Nietzsche, na parte em que se referem as três transformações do espírito, quando este se transmuta em leão no deserto, Nietzsche questiona - ...Mas dizei, meus irmãos, de que é ainda capaz a criança, de que nem mesmo o leão rapinante é capaz? Em que o leão rapinante tem ainda que se tornar em criança? Inocência é a criança, esquecimento, um começar-de-novo, um jogo, uma roda rodando por si mesma, um primeiro movimento, um sagrado dizer sim...” É evidente que todos os adultos que fazem parte de uma família foram antes de tudo uma criança. A família é, portanto, constituída por adultos que cresceram. Seu sucesso e equilíbrio dependem de como foram acolhidos enquanto crianças.
James Hollis em A passagem do Meio, quando todos devemos ressignificar nossas vidas, como um segundo nascimento dá especial atenção à infância, para construção de uma vida adulta plena. – Pág 12 e seguintes, A Passagem do Meio, Editora Paulus, São Paulo – “Para muitas pessoas, devido ao impacto da pobreza, da forma, dos diversos tipos de abuso, a experiência inicial do mundo é devastadora para sua concepção do eu. Quando crianças, elas sintetizam suas capacidades afetivas, cognitivas e sencientes para não serem ainda mais magoadas. Elas se transformam nos sociopatas e nas pessoas com distúrbios de caráter que enchem prisões e rondam nossas ruas...Quando a criança é oprimida ela vivencia a imensidão do outro jorrando através de suas frágeis fronteiras. Por não possuir o poder de escolher outras circunstâncias de vida – pois ela não tem nenhum poder ante a autoridade do adulto – por não possuir nem a objetividade de identificar a natureza do problema como o Outro, e por não possuir os elementos necessários a uma experiência comparativa, a criança reage de forma defensiva, torando-se excessivamente sensível ao ambiente e “escolhendo” a passividade, a co-dependência – a timidez e baixa autoestima – ou a compulsividade – a agressividade - para proteger o frágil território psíquico.
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Este texto não tem como objetivo expor as questões importantes que envolvem a infância e a verdadeira identidade da criança interior, esse objetivo precisa ser abordado profundamente em outra oportunidade. Por outro lado é impossível falar da importância da família sem considerar suas raízes, a infância. Enfatizando a proposta deste texto, toda família em sua concepção clássica, se inicia pela união de um homem e uma mulher, cada um, em seu processo de desenvolvimento da personalidade que define seu sucesso ou dificuldades durante a vida. Com o advento de profundas mudanças na sociedade, como um todo, as instituições que organizam nossas vidas ficaram rapidamente ultrapassadas e lutam para manterem-se no controle, pela natural resistência às mudanças. Se observamos apenas o aspecto tecnológico, que representa a parte material visível de tais transformações, observamos quantas pessoas ficaram alheias aos acontecimentos pelo simples fato de não conseguirem utilizar equipamentos como computadores e celulares. Além disso, muitas profissões foram extintas e tantas outras foram criadas; empresas centenárias perderam seu valor de mercado, enquanto outras simplesmente deixaram de existir, outras ainda já nasceram valiosas, pois se basearam no que existe de maior valor, o conhecimento. Essas instituições são formadas por pessoas que também constituem a constelação familiar, cuja capacidade de criatividades e inovação, indispensáveis nos dias atuais, dependem de seu equilíbrio psíquico, que, por sua vez, depende do equilíbrio do grupo família.
Considerando as necessárias mudanças no aspecto individual, uma vez que cada pessoa, por certo, fará parte de algum grupo coletivo, não podemos deixar de levar em conta a existência da mente inconsciente onde estão reprimidas as partes que geraram nossos traumas, constituindo assim o que Freud e outros autores chamaram de complexos, que carregam uma enorme carga emocional nos dificultando o acesso as nossas capacidades criativas. Outros agentes importantes do inconsciente são os arquétipos, a respeito dos quais não podemos deixar de falar se quisermos entender nosso inconsciente. Arquétipos são qualidades inatas que constituem a natureza humana. Para entendermos a influência da família na construção do indivíduo, vamos considerar dois dos principais arquétipos: o do pai e da mãe. Eles definem os papéis desempenhados pelo homem e pela mulher na relação familiar, o que acaba por influenciar profundamente a personalidade dos filhos.
Quanto ao arquétipo do pai Jung descreve da seguinte forma: “Atrás do pai está o arquétipo do pai, e neste arquétipo preexistente repousa o segredo do poder do pai, assim como o poder que impele o pássaro a migrar não é constituído pelo próprio pássaro, mas origina-se nos seus ancestrais”. O pai como arquétipo está carregado com o poder e o privilégio de um Rei, Protetor, Sacerdote e até mesmo Deus nas famílias e sociedade há milhares de anos. A lei, a ordem e a hierarquia são corporificadas – colocadas no corpo do homem – pelo arquétipo do pai, assim como a promessa de proteção, sustento e identidade.”
No Novo testamento Jesus fala diversas vezes do pai como arquétipo, quando diz: “...Eu e o pai somos um... Ninguém vai ao pai, senão por mim... Eu faço essas coisas porque o pai me glorifica, assim como Eu o Glorifico...” Há dois aspectos ambivalentes, como em tudo que existe, o pai identificado com o aspecto positivo do arquétipo do pai é o Rei Sábio, que utiliza seu poder com justiça e compaixão. Nesse aspecto podemos considerar os homens que mudaram o rumo da sociedade, seja como administradores públicos, cientistas, artistas e gênios inventores. Por outro lado, consideremos o aspecto negativo do arquétipo do pai é representado pelo Rei patriarcal que exerce seu poder de modo rígido e injusto. Esse aspecto do homem que representa o arquétipo negativo, nesse momento de nossas vidas pode ser identificado como sendo os homens que hoje lutam pelo poder a qualquer custo, pouco importando com a vida de seus concidadãos.
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O arquétipo da Grande Mãe, que caracteriza a relação do feminino com a maternidade, maior poder dado à mulher, por outro lado é identificado pela continuidade compulsiva da maternidade, somente interrompida pela atitude positiva do homem, quando cuida afetivamente da mulher e do filho. Apenas nesse caso é possível a renúncia, pela mãe, à maternidade compulsiva, que gera na filha atitudes racionais de poder, em prejuízo das características femininas. Já a maternidade compulsiva gera no filho o que Jung chamou de complexo materno, gerando dificuldades para escolha de uma profissão definitiva e flexibilidade nas relações afetivas, visto que esse tipo de homem está à procura da mãe em todas as mulheres, tem muitas dificuldades em ter focos nas suas atividades, como se o tempo dele ainda não tivesse chegado. Por todos esses motivos, sempre digo que nós temos a mãe como origem e o pai como destino. Assim toda psicoterapia baseada na Psicologia Transpessoal deveria iniciar pela compreensão dos papeis do pai e da mãe.