Quando se recebe a abençoada oportunidade de observar a própria vida pelas lentes do distanciamento, longe da rotina, dos horários e hábitos cotidianos, mesmo aquilo que parece incômodo desperta ternura. Até o que normalmente irrita vem trazer nostalgia.
Um mês longe de tudo o que me é familiar e me ponho a acreditar completamente que a distância arrefece os conflitos e acentua os afetos. Reaviva a benquerença.
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O peito se inquieta à espera do abraço. Quer dengo pra se aninhar, quer colo pra se amoldar, pra se esconder do mundo e recarregar as baterias.
Assim, atravesso os dias buscando aromas, melodias, palavras soltas que tragam pra mais perto o que está fora do alcance. Mesmo os silêncios, as pausas, vão buscar lembranças. Ventam memórias selecionadas ao acaso, deliciosas, suculentas, coloridas, que saboreio ávida.
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Agarro-me com todas as forças aos meus referenciais, como a folha aprende a buscar a seiva nas raízes, pra me manter forte, sã, equilibrada entre a minha intensidade e o caos exterior.
Ergo templos, monto altares em meu coração. Rezo, muito, o tempo todo, imersa num mesmo mantra, desfiando um rosário de ausências.
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E se um dia me julguei autossuficiente e independente o bastante, vejo dentro de mim mesma o quanto também sou feita de tudo o que está do lado de fora, mas intensamente conectado a mim.
Como já disse um reflexivo Manoel de Barros, “tem mais presença em mim o que me falta”. E nada em mim, hoje, é maior do que a saudade de casa, a falta desesperada de poder ser e pertencer ao meu mundo. Meus tudos. Meu lar.
Simara 23/10/2020
É impressionante e irônica a falta que a falta faz.
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