Os preconceitos são causados pelos desacordos gerados pelos nossos sistemas de crenças e as visões alheias a eles. Estes sistemas de crenças são os programas que pertencem a nossa personalidade, e, até certo ponto, são necessários para garantir padrões básicos de nossas vidas, tais como, alimentação, abrigo, segurança, equilíbrio homeostático que interfere no funcionamento do organismo e equilíbrio psíquico, responsável pelo nosso estado de humor, que, por sua vez, determina o equilíbrio dos nossos hormônios.
Nossa personalidade é o agente de nossa psique que dispõe de todas as escolhas aonde investir todos nossos recursos. Acontece que o nosso sistema de crenças funciona de forma ambivalente: ao mesmo tempo que é necessário, sua natureza radical impõe limites a nossa capacidade de aprender e promover mudanças.
James Hillman torna claro esse conflito neste texto: “... Paradoxalmente, estamos menos conscientes quando estamos mais conscientes. Quando estamos em plena eficiência egóica, certos de nós mesmos, sentindo-nos muito seguros, movimentando-nos dentro daquilo que mal conhecemos, estamos o menos reflexivamente cônscios. Muito perto da luz é aonde menos enxergamos. Nossa destrutividade é realmente sentida no que há de mais próximo e é o resultado da sombra que se forma a partir do próprio centro egóico de nossa luz. O ego faz sombra de sua própria luz, o ego é a sua própria sombra; talvez o ego seja a sombra. Portanto, o senex – nossa certeza egóica – representa exatamente esta força de morte mantida pela dureza brilhante de nossa própria certeza egóica, a egoconcentricidade que pode dizer “eu sei” – pois ele de fato sabe e esse conhecimento é poder. É também seco e frio”. (Hillman, James – O Livro do Puer, Editora Paulus, SP, 1.999, pág. 30)
O texto do Dr. Hillman esclarece a raiz dos desentendimentos e intolerâncias que se originam no indivíduo e são projetadas na coletividade. Isso de fato ocorre porque a própria identidade é buscada nos ídolos e nas ideologias, essas idealizações que roubam a consciência de cada pessoa ou grupo ocorrem pela falta de relação com a mente inconsciente. A falta de conhecimento da existência do mundo interior, que é sempre evitada para não confrontar a própria sombra, leva as pessoas a adotarem valores e verdades que não tem nada a ver com elas. Isso explica a busca pelas religiões e outros grupos sociais com os quais nos identificamos.
Nossa consciência depende de sermos portadores dos opostos. Eles constituem a anatomia básica da psique, principalmente no que se refere ao consciente e inconsciente; masculino e feminino, e muitos outros exemplos para nos atermos apenas no que se refere à psique, o aparelho que administra nossos recursos, ou energia psíquica, a qual Freud chamou de libido, que é gerada pela polarização dos opostos, tal qual a eletricidade que flui entre os pólos negativos e positivos de um circuito elétrico. Resumindo, se não quisermos lidar com os transtornos dos preconceitos, precisamos nos colocar no lugar do outro.
Em se tratando de preconceito racial, especialmente na questão da cor da pele, o entendimento da adjetivação natural das cores, embora não seja muito abordado, importa na formação do preconceito uma vez que essa qualificação das cores já está incorporada a nossa cultura e pensamos e falamos influenciados por ela, sem ao menos perceber.
Nós temos as cores primárias, amarelo, azul e vermelho, de onde surgiram toda a infinidade de cores. Temos duas outras que compõem os opostos. O branco que é a soma total de todas as cores, enquanto o preto, seu oposto, é a ausência de todas as cores. Então é normal considerarmos o branco e outras cores como qualidades positivas e as cores escuras como negativas. O branco expande enquanto o preto concentra, assim temos a vida que é feita de movimento.
Quando se trata de considerarmos pessoas, é necessário ir além da cor da pele para que possamos nos comunicar. Quando algo não vai bem, dizemos de forma natural: a situação está preta; está tudo escuro, e assim por diante.
Os grupos étnicos se formaram a partir de tribos com características próprias, tanto em relação à parte física, quanto aos costumes. A individualidade do ego, explicada acima, impede que consideremos outros coletivos de características diferentes por causa da preocupação da perda da identidade. Porém, nada pode justificar todas as atrocidades que resultam da discriminação racial, principalmente quanto à cor da pele.
A Psicologia como ciência e profissão pode contribuir para uma compreensão mais profunda do racismo. Considerando os recentes avanços dos marcos legais das políticas públicas afirmativas dos direitos humanos no Brasil, a Psicologia, cada vez mais, é convocada para dimensionar e contribuir para o entendimento do fenômeno do racismo e seus efeitos devastadores.
Na formação do Psicólogo a disciplina de antropologia cultural deveria ser mais abrangente contemplando não apenas a compreensão do fenômeno em si, mas contribuir com estudos diretivos que alcançassem também os primeiros anos escolares, pois precisamos nos conscientizar da importância da escola fundamental na construção da consciência social.
As universidades são espaços privilegiados para transformação e mudança de preconceitos, podendo investir na formação de profissionais qualificados para uma atuação comprometida com a superação dessa e de outras causas de grandes desigualdades no país.
É importante entender que, até os dias de hoje, não só a discriminação, mas também o preconceito racial ainda assolam a sociedade brasileira, embora haja inúmeros discursos que tentam apaziguar a problemática enraizada, a democracia racial, as quotas nas universidades, a harmonia entre brancos e negros está longe de ser uma realidade, pois o modo de estruturação social e relacional racista instaurado desde o período colonial, uma vez que os primeiros brasileiros eram filhos de portugueses com índias e negras escravas, abandonados pelos pais. Esses processos se instauraram de forma natural.
O termo raça é um operador social utilizado para unir pessoas que possuem semelhanças em seus aspectos físicos e, a partir desses agrupamentos, surgem atitudes negativas frente a outros grupos específicos. Esta concepção é uma construção social amplamente aceita e reforçada cotidianamente, haja vista a maior tragédia da humanidade que foi o holocausto, ainda hoje negado por muitos, pois a maioria das pessoas acredita na racionalização ou racionalismo, isto é, acredita na ideia de que há distintas raças humanas.
Conforme afirma Joel Rufino (1984), não existe raça, o que existe é racismo. Esse termo foi criado para justificar a colonização, escravidão, segregação, perseguição e morte de milhões de pessoas. O racismo é sustentado por essas lógicas que afirmam, explicita ou implicitamente, que há uma raça superior a outras.
Li uma história, não me lembro onde, que na colonização inglesa na América, um grupo de colonizadores ingleses ocupou um local próximo a uma tribo que foi totalmente dizimada pelas doenças dos brancos. Os ingleses então oraram a Deus agradecendo por Ele ter livrado aquela terra dos indígenas ignorantes e deixado a terra pra eles, ingleses. Quem não se lembra da expressão “Índio bom é índio morto”, ou ainda do “herói”? búfalo bil e outros matadores de índios.
Finalmente precisamos considerar uma questão pouco explorada que é o auto preconceito. Ocorre quando a pessoa ou comunidade discriminada se coloca como vítima e se torna massa de manobra de outros grupos que o usa na busca pelo poder. Fiquei intrigado e reflexivo quando atendia uma mulher negra, inteligente e intelectualmente qualificada, que usava a foto de seu cão como foto de perfil do seu WhatsApp. Entendi, a partir daí, que ela tinha um auto preconceito, então pude ajudá-la reforçando aspectos reais de suas qualidades. Um perfeito exemplo do auto preconceito é abordado no filme Manderley Lars von Trier.
Valer ainda ressaltar que o pensamento científico sempre esteve a serviço das classes dominantes, forneceu bases para se discriminar os negros, o que legitimou a desigualdade em relação aos brancos.
Como você toma decisões?
Pessoas com dificuldades em confrontar suas emoções raramente conseguem expressar a própria opinião. No mais das vezes, apenas repetem frases prontas ou citam trechos de obras importantes com o propósito de angariar apoiadores. Vivemos uma cultura de opostos onde o certo e o errado arrebanham uma série de crenças estéreis.
Como exemplo temos o problema da cor de pele que facilmente se vincula a ideia de que tudo que é branco, é bom e promissor, conquanto o negro se mostre negativo e desqualificado. E apesar dos muitos discursos disponíveis, o fato é que estamos mergulhados em uma cultura de pouca ou nenhuma avaliação da essência em detrimento a forma. Somos produtos inacabados, de argumentos vazios e com baixa consciência de nossas emoções.