Cerca de 930 jovens e adolescentes dão à luz todos os dias no Brasil, totalizando mais de 434,5 mil mães adolescentes por ano. Segundo o Ministério da Saúde, este número já foi maior e agora está em queda. Ainda assim, o Brasil registra uma das maiores taxas se comparado aos países da América Latina e Caribe, chegando a 68,4 nascidos vivos para cada mil adolescentes e jovens. Entre 2000 e 2018, caiu em 40% o número de bebês de mães adolescentes (15-19 anos). Entre adolescentes menores de 15 anos a queda é de apenas 27%.
Mas um fato que chama atenção é que nem sempre a gravidez precoce é também indesejada. Estudo realizado pela enfermeira e pesquisadora da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) Ana Maria Nunes, em uma região periférica de Cuiabá, constatou que há muitas mães jovens que engravidaram porque assim o quiseram.
“Foram motivadas pela possibilidade de realizar um desejo, de constituir a própria família e, em algumas situações, até para recompor sofrimentos que elas tiveram ao longo da trajetória de vida”, explica a enfermeira. Há ainda o medo da solidão e a idealização da maternidade como o caminho para constituir uma família “perfeita”.
A gravidez precoce ocorre em meninas de todas as classes sociais, mas há uma predominância naquelas com baixa escolaridade, pouca condição socioeconômica, que vive em ambientes de desestruturação familiar ou em contexto de violência como abusos sexuais.
“É difícil traçar um único perfil porque a gente não pode homogeneizar os adolescentes como se fossem um único grupo. Há uma diversidade muito grande nesse universo amplo de pessoas que têm de 10 a 19 anos”, diz Ana Maria Nunes, enfermeira e pesquisadora da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
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Segundo ela, as políticas públicas voltadas a esse público devem considerar essa diversidade para alcançar, de maneira eficiente, todos os jovens e adolescentes. A informação também deve ser múltipla, não se restringindo apenas à orientação sexual.
“Hoje é importante auxiliar o adolescente no seu processo de comunicação, de tomada de decisão. Ajudá-lo a encontrar suas vocações e habilidades”, salienta Ana Maria.
Esse auxílio pode vir por meio das famílias ou na escola. A enfermeira ressalta a necessidade de um conjunto de ações que ampare e auxilie o adolescente em todos os aspectos da sua vida, incluindo a vida sexual e reprodutiva.
“O foco é sempre a gravidez, mas o início da atividade sexual sem uma proteção pode gerar outros problemas como as Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs)”, salienta a enfermeira.
Informação
“Há um preconceito muito grande com relação à gravidez na adolescência, seja na sociedade em geral, no sistema de saúde e nos hospitais. A pessoa olha para aquilo e pensa: como isso foi acontecer, será que a jovem não tinha informação?”, observa a psicóloga Marina Stech.
Para ela, a gravidez precoce é uma questão que envolve múltiplos fatores e precisa ser enxergada por ângulos diversos para que possa ser melhor compreendida.
“A mente de uma adolescente ainda não está preparada para entender e enxergar consequências, isso ainda é muito abstrato. Uma jovem mãe tem sua vida transformada, pula etapas do desenvolvimento, amadurece precocemente e é preciso ter essa compreensão para evitar problemas como uma depressão, por exemplo”, afirma.
Há que se levar em conta que o peso de uma gravidez não desejada não é o mesmo para ambos os sexos. De acordo com a psicóloga, existe um machismo que protege os meninos.
“O cenário ideal seria o acolhimento por parte da família e que o pai assumisse a criança. Infelizmente, não é o que acontece”, afirma.
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O início da vida sexual cada vez mais cedo (meninos com 13 anos, meninas com 12) é um dos fatores que contribuem para a gravidez precoce, o que faz com que a informação seja primordial.
“A família que coloca o jovem numa bolha no sentido de proteger vai se frustrar, não vai conseguir blindá-lo. O mais correto seria disponibilizar a informação correta, esclarecedora. Não é o controle, é o cuidado”, salienta.
Na opinião de Marina, família e escola são complementares nesse papel de informar e devem desempenhar essa tarefa de maneira conjunta e responsável.
Acolhimento
O anúncio da gravidez em uma fase inicial da vida como são a juventude e adolescência costuma “cair como uma bomba” nas famílias. Nessa hora, segundo a psicóloga, o acolhimento é essencial.
“Mesmo tendo desapontado os pais e a ela mesma a jovem deve ser recebida com carinho e não expulsa de casa, como muitas vezes acontece. Isso traz consequências muito ruins e tudo o que a jovem mãe precisa nessa hora é de apoio”, diz.
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“Quando o fato se concretiza elas se deparam com todas as dificuldades envolvidas nesse processo, por isso amparar as jovens mães que tiveram uma gestação consciente e planejada também é importante”, conclui Ana Maria.