#PAPO COM ELA Quarta-feira, 14 de Outubro de 2020, 16:13 - A | A

Quarta-feira, 14 de Outubro de 2020, 16h:13 - A | A

DADOS DE 2018

No Brasil, 54% das vítimas de violência sexual são meninas de até 13 anos

Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2019, 82% das vítimas de violência sexual são do sexo feminino e 54% têm até 13 anos. A cada hora, quatro meninas de até 13 anos são violentadas. Muitas pessoas ainda entendem o abuso sexual como sendo tão somente o ato sexual com penetração, um equívoco que impede a detecção dos casos e a punição dos abusadores.

“Dentro da legislação existe uma série de comportamentos e condutas que são considerados abusos. O abusador costuma agir de maneira sutil até consumar o ato e, por isso, leva-se muito mais tempo para descobrir a violência, estando a criança exposta a ela por um período prolongado”, observa a psicóloga Geizi Sales de Marchi.

Mestranda pelo programa de pós-graduação em psicologia da Universidade Federal de Mato Grosso, ela atuou no Programa de Atendimento a Vítimas de Violência Sexual no Hospital Universitário Julio Muller e, atualmente, desenvolve uma pesquisa no mesmo programa. O hospital é referência nesse tipo de atendimento em Mato Grosso.

“A violência sexual não ocorre apenas contra meninas, mas com meninos também. Por conta de preconceitos e estigmas, a demanda maior de procura por serviços de assistência e cuidados é por meninas”, explica.

A violência sexual não faz distinção de classe social, ela está em todas as profissões e inclusive dentro das relações familiares.

“Qualquer um pode ser um abusador sexual, isso não está dentro de um contexto específico. A pobreza é um facilitador de um abuso, mas não é algo que acontece apenas em classes baixas. Nas classes mais abastadas as notificações não chegam porque a vergonha social encobre essas denúncias”, revela a psicóloga Olga Santana, também mestranda do programa de pós-graduação em psicologia da UFMT. Psicóloga do sistema penitenciário há 10 anos, ela enfatiza a necessidade de desmistificar o olhar para o abusador sexual.

“Falar da violência é importante porque ainda é um tabu, assim como sexualidade e abuso sexual. À medida que damos visibilidade, estamos prevenindo que crianças sejam vítimas do abuso sexual”, observa.

Com base em sua experiência no sistema prisional, Olga relata que os abusadores de crianças não são a maioria, mas existe um percentual significativo. Entre eles há os que buscam entender e compreender o que os levou a cometer os abusos e os que não se responsabilizam pelo ato.

“A maioria nega a prática do ato, culpa a criança pela relação sexual como se eles tivessem sido seduzidos. Relatam que a criança quis e cooperou. São distorções cognitivas da realidade. Há a minimização do ato sexual e muitos entendem que, pelo fato de não haver uma violência física de fato, esse ato não foi tão violento”, explica.

Vale ressaltar que nem todo abusador é pedófilo e nem todo pedófilo vai abusar sexualmente de uma criança.

“A pedofilia é uma doença, uma fantasia sexual que tem a criança como alvo. Há os que chegarão a realizar o ato, mas existem pessoas que têm o transtorno, mas não executam o ato de violência. Há também os abusadores sexuais que não são pedófilos”, diz.

Uma relação de poder desigual, a confiança e a falta de resistência são os facilitadores do abuso. De acordo com a psicóloga, em geral o ato é antecedido pela sedução, aproximação, proximidade com a criança, conhecimento das relações familiares e dos hábitos da vítima.

“O abusador pode estar em qualquer lugar. Há uma falsa ideia de que ele é um monstro. Pode ser um familiar, um amigo, professor ou alguém conhecido em quem a criança confia”, frisa.

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Sinais

Existem alguns sinais que, segundo Olga, podem indicar se há ou não a intenção de algum abuso. Não devem ser vistos como regras, mas observados com atenção pelos pais ou responsáveis pelas crianças.

Entre eles a psicóloga destaca um interesse insistente em crianças, em brincar e interagir com elas mais que com os adultos, aproximação excessiva, presentes sem motivos específicos, contato físico exacerbado como na hora do banho e da higiene pessoal da criança e acesso à sua intimidade.

A família também precisa estar atenta a sinais apresentados pela criança que foi vítima de abuso sexual. De acordo com Geizi, por mais instruída que a criança tenha sido e por mais comunicação que exista dentro de casa, dificilmente ela vai conseguir descrever de maneira clara o que está acontecendo.

“Ela precisa de um tempo para perceber que aquela conduta não era brincadeira, não era normal e só então vai buscar uma forma de se comunicar com alguém. Geralmente isso não é verbalizado, mas com alterações de comportamento”, diz.

Entre essas alterações, explica a psicóloga, estão distúrbios alimentares, pesadelo, alterações no sono, falta de vontade de brincar e ir à escola, repulsa ou resistência a determinadas pessoas e atitudes como voltar a fazer as necessidades fisiológicas na roupa e até mesmo brincadeiras com conotação sexual, entre outras.

“Uma criança é desacreditada, desmentida quando declara uma violência. O próprio abusador diz que ninguém vai acreditar nela. Ela então vê isso na prática e se cala, o que faz com que sofra o abuso durante muito tempo”, alerta.

A abordagem deve ser feita de maneira cuidadosa para não assustar a vítima e vencer suas resistências, além de dar a ela a sensação de acolhimento e o suporte emocional necessário. Além disso, é preciso dar encaminhamento às providências nos órgãos responsáveis.

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Atendimento

Em Mato Grosso a rede de atendimento a crianças vítimas de abusos sexuais é formada pelos Conselhos Tutelares, atenção básica em saúde, delegacias da infância e Ministério Público. Há também o Disque 100, canal onde é possível denunciar e buscar ajuda.

No dia 02 de outubro entrou em vigor a lei que cria o Cadastro Nacional de Pessoas Condenadas por Crime de Estupro. O cadastro deverá conter as características físicas e dados das digitais dos estupradores, além de informação do DNA e fotos.

Em alguns países, entre eles o Brasil, há também uma discussão sobre a castração química aos que cometeram crimes sexuais violentos como o estupro. Para a psicóloga Olga Santana, a questão do abuso tem raízes muito mais profundas que as alterações hormonais.

“Não se trata de efetivar e concretizar uma conjunção carnal. O desejo está além. O abuso pode se dar por toques e carícias, há outros modos de abusar”, observa.

Para ela, não se deve negar a prática do crime e tampouco a punição, mas é importante que o indivíduo seja observado e tratado em suas peculiaridades.

“É importante termos programas de reabilitação dentro das prisões. Há pessoas que pedem ajuda por não compreender a prática do seu desejo sexual compulsivo. A abordagem traz uma compreensão da sua forma de pensar e se relacionar. Há uma grande preocupação com relação ao depois, quando o indivíduo deixa a prisão porque os índices de reincidência são altos”, finaliza.



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