Apesar das chuvas esparsas que caíram há alguns dias em Mato Grosso, o Pantanal continua a queimar. Até agora os incêndios, que já duram 2 meses, destruíram 30% do bioma. Os danos atingem a fauna e flora e também as pessoas que vivem na região que, já impactadas pela pandemia de Covid-19, enfrentam a escassez de recursos e alimentos.
“É uma perda enorme de animais e flora e também de comunidades de povos tradicionais que sofrem por conta da ação do fogo, foram direta ou indiretamente impactados e que estão sem água e alimentos. É um cenário crítico e fica até difícil mensurar os impactos posteriores dessa destruição”, enfatiza Ana Paula Valdiones, coordenadora do programa de transparência ambiental do Instituto Centro de Vida (ICV).
“Estamos em um momento de emergência climática global decorrente de uma série de questões como o desmatamento da Amazônia, que foi o destaque do ano passado. Este ano é o Pantanal. Precisamos começar a pensar em políticas públicas que vão se adaptar a esse cenário de mudanças climáticas”, observou.
Ela classifica a situação como catastrófica e as queimadas em níveis absurdos que pegaram a todos de surpresa, até mesmo quem acompanha os incêndios florestais em Mato Grosso há alguns anos.
Há 25 anos o fotógrafo José Medeiros registra cenas do Pantanal e estava fazendo um trabalho sobre a pandemia na região quando os incêndios começaram. O profissional se uniu a voluntários e fez algumas imagens chocantes da devastação deixada pelas chamas.
“É até difícil descrever as cenas que vi porque nunca vivenciei uma situação destas. É uma das realidades mais impactantes para mim”, diz. São três tipos de fogo, as labaredas que vão de uma margem à outra ‘pulando’ os rios, levadas pelo vento, o fogo terrestre e o subterrâneo”.
Para ele, mostrar as imagens de destruição é também uma forma de sensibilizar as pessoas para uma situação que não deveria mais se repetir. Mas para isso é preciso que a sociedade se mobilize e cobre providências do poder público.
A coordenadora do ICV ressalta ainda outras ações como investimento em planejamento e prevenção, investimento nas brigadas e políticas públicas ambientais estruturadas.
“Agora que estamos no combate é preciso identificar e responsabilizar os culpados para que, no próximo ano, não exista essa sensação de impunidade que acaba levando a mais crimes ambientais”, acrescentou.
Ana Paula aponta o desmonte das políticas ambientais, ocorrido nos últimos anos, como um dos grandes responsáveis pelas ações predatórias vistas nos biomas brasileiros. O desmonte abrange a diminuição de orçamento dos órgãos de repreensão e fiscalização, bem como a redução das ações de prevenção.
“Nunca houve tanto incêndio no Pantanal, isso não é normal. A sociedade precisa se armar de dados claros e cobrar dos gestores públicos uma posição eficiente a respeito. Há um número muito pequeno de pessoas que ganham com a degradação ambiental e grilagem de terras. Um número reduzido de infratores ambientais que estão sujando o nome do estado como um todo e colocando em risco a economia do país em nível global”.
À ação humana somam-se condições favoráveis ao fogo como altas temperaturas, baixa umidade e ventos fortes que mudam de direção com muita frequência, conforme explicou o coordenador geral do Centro Integrado Multiagências (Cimam) e diretor operacional adjunto do Corpo de Bombeiros, tenente coronel Decio Silva.
Mesmo a preparação para este cenário com a implantação de um plano operacional no início de julho, quando começou o período proibitivo de queimadas em Mato Grosso, não foi suficiente para evitar a destruição que hoje se vê na região.
“Se formos somar todos os que estão trabalhando no combate aos focos e no atendimento aos animais e pessoas atingidos há mais de 300 pessoas, mas os desafios são enormes com dificuldades como as características topográficas, climáticas, de vegetação e o acúmulo da biomassa”, explicou.
Para o militar outros elementos são imprescindíveis como uma legislação mais específica, aportes financeiros como emendas e o planejamento conjunto com outros estados para uma ação mais eficiente e a longo prazo.
“O incêndio florestal tem vários fatores e frentes de análise. Ações estruturais e não estruturais, legislação, orçamento e pessoal. Quando todos estão andando ombreados, enxergamos êxito com maior clareza”.
Presidente da comissão externa do Senado Federal criada para discutir a situação atual do Pantanal, o senador Wellington Fagundes (PL) enfatiza a necessidade de haver uma legislação específica para a região. Ele liderou uma comissão de parlamentares que visitou a região em setembro e disse que nunca havia se deparado com uma situação tão catastrófica.
“O Pantanal é fauna, flora mas também é gente que vive por lá e precisa de apoio. O Brasil não tem a cultura do planejamento, ninguém acreditava que a situação seria tão grave”.
Segundo Fagundes, o trabalho dos parlamentares será no sentido de criar um estatuto objetivo para o Pantanal que dê atenção especial à região com suas condições e características específicas e únicas.
“Preservar o Pantanal não é esvaziá-lo, mas buscar uma legislação que permita o uso racional e sustentável, o manejo e o equilíbrio do local. A legislação tem que ser orientativa e de apoio à população, ouvindo organismos e instituições que podem nos auxiliar para que ela seja cumprida por todos”.