#PAPO COM ELA Segunda-feira, 17 de Agosto de 2020, 11:06 - A | A

Segunda-feira, 17 de Agosto de 2020, 11h:06 - A | A

EXPLORAÇÃO DOS SONHOS

Tráfico de pessoas é a terceira prática ilícita mais rentável do mundo

A Organização das Nações Unidas, no Protocolo de Palermo (2003), define tráfico de pessoas como “o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo-se à ameaça ou ao uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração”.

Segundo a ONU, o tráfico de pessoas movimenta anualmente 32 bilhões de dólares em todo o mundo. Desse valor, 85% provêm da exploração sexual. No Brasil, balanço da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos referente ao tráfico de pessoas revela que, em 2018, foram 159 denúncias que resultaram em 170 violações. Entre os casos mais registrados está o tráfico interno para fins de exploração sexual (16,9%).

“A exploração sexual tem predominância nos casos e envolve, em sua grande maioria, mulheres de 18 a 21 anos, solteiras e com baixo grau de instrução”, explica o defensor público federal e coordenador do Comitê Estadual de Prevenção e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Cetrap), Matheus Figueiredo Alves da Silva. “Já quando se trata de trabalho escravo, os homens são a maioria”, afirma.

A situação de vulnerabilidade é uma facilitadora para que as vítimas caiam nas promessas dos aliciadores que geralmente envolvem a independência financeira. Segundo a advogada Tatiane Barros Ramalho, presidente da Comissão da Infância e Juventude da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Mato Grosso (OAB-MT), a vítima é, quase sempre, uma pessoa em situação social e financeira difícil que tem sonhos e vê no aliciador a possibilidade de mudar essa realidade. “Ela acaba sendo ludibriada, enganada por uma promessa falsa”, observa.

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Vale ressaltar que o tráfico de pessoas é crime, está presente no artigo 149 – A do Código Penal e prevê pena de 4 a 8 anos de reclusão.

De acordo com a advogada, esse crime ainda é subnotificado em Mato Grosso muito por conta da falta de esclarecimento da população a respeito. Uma situação que começa a mudar com o trabalho de entidades como a OAB em parceria com o Cetrap.

“Antes mulheres e crianças eram traficadas para diversas finalidades além da exploração sexual como a adoção ilegal e a retirada de órgãos, mas isso era muito invisível. Hoje a sociedade já enxerga essa realidade de maneira diferente, mas ainda há o que avançar. Ainda existe muita polêmica e questionamentos sobre a pessoa ser vítima ou não”.

Mato Grosso possui mais de 750 quilômetros de extensão de fronteira seca com a Bolívia, o que também facilita a prática desse crime. “O estado acaba sendo passagem do tráfico internacional. São organizações criminosas bem estruturadas e dificilmente se chega aos principais mandantes”, observa o defensor público.

Há também a alta rentabilidade. De acordo com Matheus Figueiredo, o tráfico de pessoas só perde em lucro para o tráfico de drogas e armas, sendo a terceira criminalidade mais rentável.

O defensor público ressalta que nesse período de isolamento social as organizações criminosas estão se reinventando e mantendo a prática do crime, agora pelas redes sociais.

“Pessoas vulneráveis e que estão ainda mais por conta da crise econômica aprofundada pela pandemia acabam sendo ludibriadas mais facilmente, enganadas por sonhos que não se concretizarão”, alerta.

Ele diz também que, diferentemente da vítima, o agenciador está numa classe social mais elevada, tem boa instrução e faz promessas muitas vezes irrecusáveis.

“Uma das maiores dificuldades são as denúncias por ser este um crime invisível. Às vezes estamos diante dele mas, por uma suposta anuência da vítima, a sociedade não enxerga como o crime. A ausência de denúncias dificulta a repressão e a prevenção”, diz.

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Na opinião de Tatiane Ramalho, a informação é a principal aliada contra a prática do tráfico de pessoas e deve atingir não apenas a vítima, mas a sociedade como um todo para que ela consiga enxergar o crime em situações que até pouco tempo atrás eram tidas como normais.

“As pessoas se chocam quando veem os rostos de mulheres traficadas e ouvem suas histórias. Não estamos acostumados a esse tipo de notícia, mas é fundamental para que possamos tomar conhecimento desse crime e denunciá-lo”.

Realidade em números

Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Undoc) mostra número recorde de casos detectados em 2016. Enquanto em 2003 menos de 20 mil casos foram registrados, o número subiu para mais de 25 mil em 2016.

No Brasil os dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos apontam as violações mais registradas durante o ano 2018. São elas: tráfico interno para fins de exploração sexual (16,9%), internacional para fins de exploração sexual (8,1%), interno para fins de adoção (7,5%), interno para fins de exploração de trabalho (6,9%), internacional para exploração de trabalho (5,0%), internacional para fins de adoção (2,5%), internacional para remoção de órgãos (1,8%) e, por fim, interno para remoção de órgãos (0,63%). “Outros” representa 57,23% das violações.

Entre as vítimas, 53,1% são do sexo feminino, seguidas por sexo masculino (11,7%), e de sexo não informado (35,14%). O balanço de 2018 também informou que a faixa etária das vítimas é de 15 a 17 anos (18,9%), 0 a 3 (7,2%), 25 a 30 anos (6,31%), 12 a 14 (4,50%), 18 a 24 anos (3,6%) e recém-nascido (1,8%). Desses, 54,9% não informaram a faixa etária.

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No que tange à relação entre suspeito e vítima, as avós são as principais denunciadas no que se refere às violações – elas representam 4,2%, seguidas por desconhecidos (2,4%), mães (1,8%), empregados (1,8%) e empregadores (1,2%). Não informados somaram os maiores índices (86,7%). Segundo as denúncias, as violações geralmente acontecem em casa (34,1%), casa do suspeito (20,2%), na casa da vítima (5,0%) e no local de trabalho (3,0%).

O Disque 100 é um serviço de discagem direta e gratuita disponível para todo o Brasil. O serviço tem como função acatar e encaminhar denúncias de violações de direitos humanos envolvendo crianças e adolescentes, pessoas idosas, pessoa com deficiência, população em situação de rua, população LGBT, igualdade racial, pessoas em privação de liberdade, conflitos agrários e urbanos, demandas indígenas, entre outros.

Coração Azul

O Dia Mundial de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas foi celebrado no dia 30 de julho e tem como objetivo conscientizar e combater este crime por meio da campanha Coração Azul que busca encorajar a participação da sociedade e servir de inspiração para medidas que ajudem a acabar com esse crime. O símbolo – coração azul – representa a tristeza das vítimas do tráfico de pessoas e lembra a insensibilidade daqueles que compram e vendem outros seres humanos. O uso da cor azul das Nações Unidas também demonstra o compromisso da Organização com a luta contra esse crime que atenta contra a dignidade humana.

Assista à entrevista ao #PapocomEla em vídeo

 



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