#PAPO COM ELA Sexta-feira, 05 de Setembro de 2025, 10:41 - A | A

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AMOR SEM MEDO

Violência doméstica vai além da relação conjugal e expõe raízes do machismo em MT

Michely Figueiredo

A violência doméstica não é praticada apenas por parceiros ou ex-parceiros. Ela pode vir de pais, irmãos, tios ou até amigos próximos, e se manifesta pelo simples fato de a vítima ser mulher. Essa é a reflexão da professora de Direito Penal da UFMT e criminóloga Vladia Soares, que aponta como o machismo e a cultura de posse ainda sustentam índices preocupantes de violência contra mulheres em Mato Grosso.

Apesar dessa amplitude, os números mostram que dos 36 feminicídios, apenas 3 não tiveram com autores companheiros ou ex-companheiros. A maioria dos casos ainda é protagonizada pelo parceiro ou ex-parceiro dessa mulher. 

“Quando a violência é enquadrada apenas como homicídio, perde-se a dimensão de que essas mortes acontecem porque a vítima é mulher. Reconhecer o feminicídio muda a concepção jurídica e social sobre o problema”, explica. Desde 2024, o artigo 121-A do Código Penal prevê penas de 20 a 40 anos para feminicidas — uma das maiores do sistema penal brasileiro. A articulação para que a pena se tornasse mais pesada nesses casos foi encabeçada pela senadora por Mato Grosso, Margareth Buzetti (PP). 

Para Vladia, no entanto, penas mais severas não são suficientes para conter o avanço dos crimes. Segundo a professora, muitos agressores agem movidos pela ideia de posse. “Há homens que não aceitam o fim da relação. O pensamento é: se não fica comigo, não fica com mais ninguém. Essa lógica resulta em mortes, muitas vezes cometidas com armas brancas, como facas ou machados”, afirma. Dos 36 casos registrados esse ano, 17 foram consumados através de armas cortantes ou perfurantes. 

A estudiosa lembra que Mato Grosso ainda carrega marcas históricas de machismo e patriarcalismo, o que agrava a violência de gênero. Vladia defende que parte dos homens violentos precisa de tratamento psicológico ou psiquiátrico. “A violência psicológica é gravíssima, pois mina a autoestima da mulher. Alguns agressores podem ser ressocializados, outros não. É preciso diferenciar e analisar caso a caso”, destaca. No Brasil, há apenas 89 psiquiatras forenses, número insuficiente para atender a demanda.

A professora relata experiências positivas de tratamento em Minas Gerais, onde acompanhou sessões com homens que praticaram violência psicológica. “Muitos conseguiram reconhecer até que ponto foram capazes de destruir emocionalmente suas parceiras. Esse é um caminho que precisa ser fortalecido”, observa.

Aqui em Mato Grosso ocorre o "Papo de homem pra homem", coordenador pela Polícia Civil. Segundo o delegado Mário Demerval, responsável pelo grupo reflexivo, apenas 5% dos homens participantes reincidem na violência contra a mulher. 

Entre as ferramentas legais já disponíveis para proteção das mulheres estão as medidas protetivas, que incluem o uso do botão do pânico em situações de risco. No entanto, Vladia reforça a necessidade de políticas públicas mais robustas. Ela cita como exemplo o auxílio financeiro de R$ 600, considerado insuficiente para garantir independência mínima às vítimas. O recurso é destinado para auxiliar no aluguel de uma nova morada. 

Outro ponto crítico é a criação de casas-abrigo de localização sigilosa, capazes de acolher mulheres e também seus filhos. Cuiabá aguarda desdce 2021 uma unidade da Casa da Mulher Brasileira, que ainda não saiu do papel. “Não basta retirar a vítima de casa se o agressor sabe onde ela está. O abrigo precisa ser seguro e também acolher crianças e adolescentes, que muitas vezes presenciam a violência e sofrem suas consequências diretas”, ressalta.

Vladia lembrou o caso de uma bailarina que saiu da casa onde era agredida, mas se abrigou na casa da irmã. O agressor conhecia o endereço. Mesmo com a denúncia e o afastamento, ele conhecia a rotina da ex-companheira e promnoveu um atentado fatal contra a vida dela. 

A professora destaca ainda a ampliação da aplicação da Lei Maria da Penha para mulheres trans em Mato Grosso. “A condição de ser mulher precisa ser respeitada, seja ela biológica ou de identidade de gênero. A lei já vem sendo utilizada para garantir essa proteção”, afirma.

Para Vladia, a conscientização deve alcançar não apenas as mulheres, mas também os homens, que precisam refletir sobre comportamentos abusivos. “A violência sempre dá sinais, seja numa piada depreciativa, numa atitude de controle ou numa explosão de agressividade em situações banais. Reconhecer esses sinais pode evitar tragédias”, aponta.

Romper o ciclo da violência é, segundo a criminóloga, um trabalho de longo prazo. “Às vezes parece enxugar gelo, mas cada roda de conversa, cada conscientização, cada atendimento faz diferença. Precisamos olhar para os dois lados: a vítima e o agressor. Prisão é necessária no caso de feminicídio, mas em outras situações é o tratamento que pode evitar a repetição da violência”.

Confira a entrevista na íntegra:






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