A aposentada Maria José da Silva, de 72 anos, pode ser apenas um número entre as 62 mil pessoas que morreram até agora em decorrência da Covid-19 no Brasil, mas para a nora, a dona de casa Josefa Viana, a perda repentina, ocorrida há menos de uma semana, ainda é muito difícil de aceitar.
A filha de Maria José trabalhava me uma clínica médica e teve sintomas de resfriado. Ao fazer o teste, foi constatada a infecção pelo novo coronavírus. Por morar na mesma casa que a mãe, a levou para fazer o exame, com resultado igualmente positivo. Maria José estava assintomática até então.
Diagnosticadas com Covid-19 mãe e filha foram medicadas com azitromicina, paracetamol e ivermectina por cinco dias. Antes do fim desse prazo, porém, Maria José teve febre alta e dor de cabeça. Em uma nova consulta, ouviu do médico que deveria ficar em casa e fazer uso do antitérmico receitado anteriormente. Dois dias depois ela teve falta e ar e foi levada novamente ao hospital. Foi internada em um sábado. No domingo o boletim médico apontava estabilidade, na segunda-feira o estado de saúde piorou e Maria José faleceu na quarta-feira (01). Ela tinha diabetes.
“Foi tudo muito rápido e inacreditável. É como um vazio repentino com o qual ainda estamos tentando nos acostumar”, relata Josefa. A sogra foi sepultada no mesmo dia, sem velório ou qualquer outra despedida, como tem sido com as vítimas da Covid.
A morte repentina e o luto nessa pandemia são temas que têm preocupado especialistas em saúde mental por conta dos impactos profundos e marcantes em quem sofre a perda, seja de um familiar, um amigo, companheiro ou um conhecido. Com o aumento diário no número de infectados e mortos, é como se um círculo estivesse se fechando, fazendo com que a doença estivesse cada vez mais próxima.
“A pandemia de Covid-19 trouxe um novo cenário para a trajetória do luto. Apesar de ser um processo individual e diverso, a pandemia alterou também os rituais e as etapas que são fundamentais para a aceitação da perda e a construção do sentido”, explica o psiquiatra Antonio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e da Associação Psiquiátrica da América Latina (Apal).
O sepultamento é um dos rituais mais antigos do ser humano e também o tempo exigido para elaborar a perda de alguém. Para o psiquiatra e psicanalista Gley Costa, essa cerimônia é importante para transformar a situação em lembranças.
“Há uma necessidade de haver uma elaboração para que aquilo se torne passado na vida da pessoa e ela possa se ligar ao futuro. Quando isso acontece de forma traumática, a pessoa entra no hospital e não é mais vista pela família, pois fica num caixão lacrado, vive-se um eterno presente, não se vivencia o luto”, observa. “O recurso é ter uma assistência para que essa perda seja elaborada, processada psiquicamente. Esse é o momento em que a psiquiatria pode prestar um grande auxílio às pessoas”, completa.
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