NOTICIÁRIO Segunda-feira, 10 de Novembro de 2025, 17:53 - A | A

Segunda-feira, 10 de Novembro de 2025, 17h:53 - A | A

CLIMA AMEAÇADO

Brasil no palco global: Expectativas para a COP 30 na Amazônia

Mauro Camargo

Herman de Oliveira, ambientalista e secretário executivo do Fórum Popular Socioambiental de Mato Grosso (FORMAD), abordou o cenário da Conferência das Partes (COP 30) – o principal órgão decisório da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) – e os complexos desafios socioambientais enfrentados pelo estado. O FORMAD, uma rede robusta criada em 1992, é composto por 34 organizações da sociedade civil de Mato Grosso, atuando como uma voz coletiva em prol da sustentabilidade.

A rede se dedica à mobilização em pautas socioambientais, ao enfrentamento político e à formação de juventudes, coletivos e grupos sociais, buscando empoderar comunidades e influenciar políticas públicas. Oliveira, mestre e doutor em educação pela UFMT, destacou a relevância crítica de discutir a questão ambiental em um contexto de crescentes crises climáticas e sociais.

O FORMAD foi estabelecido em 1992, em meio à efervescência do debate ambiental global, impulsionado pela Cúpula da Terra (Rio 92). A iniciativa reuniu ambientalistas, incluindo figuras históricas na criação do Parque Nacional da Chapada dos Guimarães, com o objetivo primordial de articular a participação da sociedade civil em discussões que, tradicionalmente, envolvem apenas estados e tomadores de decisão.

Naquele período, a compreensão de como a sociedade civil poderia atuar era considerada fundamental para abordar os responsáveis pela degradação ambiental e para propor soluções mais equitativas e sustentáveis. A rede, originalmente denominada Fórum Matogrossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento, atualizou seu nome para se adequar às mudanças conceituais e temporais, refletindo uma visão mais abrangente e popular das questões socioambientais.

O FORMAD congrega uma diversidade de ONGs e movimentos sociais, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), que atua na defesa dos direitos de camponeses e na luta contra a violência no campo; o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), focado na proteção dos povos indígenas; e a OPAN (Operação Amazônia Nativa), organização com mais de 50 anos de atuação em defesa de populações tradicionais e do meio ambiente. Também inclui entidades ligadas à agroecologia e questões fundiárias, como a FASE (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional), e grupos de pesquisa ambiental, como o NEAST (Núcleo de Estudos Ambientais e Sociedade Tradicional) e o GEPEIA (Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Ambiental).

A pluralidade do fórum abrange ainda movimentos sociais, a exemplo de movimentos atingidos por barragens e trabalhadores sem terra, que frequentemente sofrem os impactos diretos de projetos de desenvolvimento predatórios. O trabalho do FORMAD concentra-se em grupos sociais muitas vezes invisíveis e inaudíveis, como quilombolas, indígenas, ribeirinhos e pescadores, cujas vozes são imprescindíveis para a construção de um futuro sustentável.

Esta atuação visa assegurar a centralidade da questão ambiental e da democracia, entendida não apenas como o direito ao voto, mas como a participação qualitativa e efetiva de todos os segmentos da sociedade na formulação e fiscalização de políticas públicas. Em um contexto em que as vozes desses grupos precisam ser efetivamente ouvidas e ter espaços de participação garantidos, o FORMAD se posiciona como um facilitador e um defensor incansável.

Herman Oliveira mencionou avanços na capacidade de exercício de controle social, com a atuação do FORMAD em conselhos estaduais e comitês de bacia hidrográfica, onde a sociedade civil pode monitorar e influenciar decisões. No entanto, apontou recuos significativos relacionados à criminalização do terceiro setor, que se manifesta através de ataques à reputação, restrições financeiras e burocracia excessiva, e à disseminação de um discurso considerado falacioso, que busca deslegitimar a atuação de ambientalistas e organizações sociais, muitas vezes associando-os a interesses estrangeiros ou agendas ideológicas.

Entenda: grilagem em Mato Grosso

O ambientalista descreveu um processo de grilagem de terras públicas em Mato Grosso, que se consolida e se legitima com o tempo. A "grilagem" refere-se à apropriação ilegal de terras, geralmente públicas, por meio de falsificação de documentos (como títulos de propriedade antigos ou "esquentados" em cartórios coniventes) ou ocupação violenta, seguida de desmatamento e uso econômico para "legitimar" a posse. A omissão do estado foi mencionada como um fator determinante que contribui para a situação, criando um vácuo de fiscalização e punição que encoraja a prática. Ele exemplificou com a RESEX (Reserva Extrativista), a única reserva extrativista do estado, onde grupos se intrusam em áreas já consolidadas legalmente e destinadas à subsistência de comunidades tradicionais.

Estes grupos, classificados como grileiros, promovem o desmatamento ilegal e consolidam suas ocupações, muitas vezes com o objetivo de transformar a terra em pastagem ou área agrícola. A inação do estado foi caracterizada como conivência com o crime, dado que a invasão de terras públicas e unidades de conservação sem direito é uma infração legal grave, com impactos ambientais e sociais devastadores. A falta de fiscalização efetiva, a morosidade da justiça e a impunidade perpetuam esse ciclo.

A COP 30, que é realizada em Belém, Pará, a primeira na Amazônia, conferindo-lhe um simbolismo e uma responsabilidade imensos. Oliveira observou que a sociedade civil tenta inserir-se nesses espaços, os quais são descritos como “muito institucionais”, com decisões restritas à diplomacia dos países e frequentemente articuladas nos bastidores, dificultando a participação de atores não-estatais.

A Conferência é estruturada em camadas: o "setor azul" é reservado para diplomatas, chefes de estado e negociadores, onde as decisões formais e os acordos são forjados; o "setor verde" funciona como um espaço de transição, com pavilhões de países, exposições, eventos paralelos e discussões menos formais, mas ainda dentro da estrutura oficial. Complementar à COP, existe a Cúpula dos Povos, um espaço paralelo e autônomo para manifestação livre da sociedade civil, onde são apresentadas críticas, propostas alternativas e demandas das bases.

Algumas organizações do FORMAD devem participar de ambos os espaços, reconhecendo a importância estratégica de ocupar também o ambiente oficial para tentar influenciar as negociações. A influência da sociedade civil nas decisões da COP pode ocorrer por participação direta em diálogos com diplomatas, através de lobby e apresentação de relatórios técnicos, ou pela mobilização e visibilidade gerada na mídia e nas ruas, pressionando os governos a adotarem medidas mais ambiciosas.

Oliveira destacou que o tempo da diplomacia e do estado, muitas vezes lento e burocrático, diverge drasticamente do tempo da realidade enfrentada nas comunidades, rios e florestas, onde os impactos das mudanças climáticas e da degradação ambiental são urgentes e irreversíveis.

A respeito de Mato Grosso, o estado tem sua economia fortemente baseada no setor primário, com destaque para a produção de grãos (soja, milho) e pecuária. O ambientalista apontou a falta de compreensão, por parte de setores do agronegócio, da relação intrínseca entre essa dependência econômica e a necessidade vital de preservação do ambiente, incluindo o ciclo hidrológico e a capacidade de suporte dos ecossistemas. A degradação ambiental, como o desmatamento, afeta diretamente a regularidade das chuvas, a qualidade do solo e a disponibilidade de água, prejudicando a própria produtividade agrícola a médio e longo prazo.

A questão do avanço sobre áreas intocadas foi levantada, com a resposta de que não é necessário manter a velocidade de desmatamento de décadas anteriores, pois há vasta área degradada que poderia ser recuperada e utilizada de forma mais eficiente. O estado possui um déficit de 5 milhões de hectares em reservas legais, abrangendo os biomas Amazônia, Cerrado e Pantanal, apesar de se reportar uma alta porcentagem de área preservada. A "reserva legal" é uma área de vegetação nativa que deve ser mantida em propriedades rurais, conforme o Código Florestal. O déficit indica que muitas propriedades não cumprem essa exigência, e as áreas "preservadas" frequentemente estão em outros tipos de proteção ou fora das propriedades privadas.

A moratória da soja foi citada como uma iniciativa empresarial que contribuiu para frear o desmatamento na Amazônia, especialmente após 2006. Trata-se de um acordo voluntário entre grandes tradings de soja para não comprar grãos produzidos em áreas desmatadas ilegalmente após uma data de corte. No entanto, o comércio de soja oriunda de áreas desmatadas, especialmente no Cerrado ou através de cadeias de suprimentos menos transparentes, continua a encontrar seus canais. Há um setor empresarial mais consciente, influenciado por cobranças comerciais de mercados internacionais e pressões de ESG (Environmental, Social, and Governance), e outro setor caracterizado como "rudimentar", que persiste na prática do desmatamento ilegal e na exploração predatória, muitas vezes com foco em ganhos rápidos e sem preocupação com a sustentabilidade.

A Assembleia Legislativa de Mato Grosso foi mencionada por, em diversas ocasiões, defender o fim da moratória e promover teses que contradizem a lógica ambiental, como a de que o desmatamento reduz a chuva, prejudicando a própria lavoura e podendo levar à desertificação – um fenômeno comprovado cientificamente, onde a remoção da floresta diminui a evapotranspiração e o transporte de umidade para a atmosfera, alterando os padrões de precipitação.

A dificuldade de diálogo com alguns parlamentares e a blindagem de interesses privados no setor público foram destacados. Essa "blindagem" se manifesta através de legislações que favorecem o desmatamento, falta de fiscalização e até mesmo a cooptação de órgãos públicos. Herman Oliveira também apontou que a falta de concursos públicos contribui para a fragilidade da fiscalização ambiental, pois servidores temporários estão mais suscetíveis a pressões políticas e econômicas, comprometendo a independência e a qualidade das decisões e ações de controle.

A desmobilização da sociedade foi atribuída a múltiplos fatores: o envelhecimento das lideranças e a dificuldade de renovação; a cisão entre a necessidade de preservação e a sobrevivência cotidiana, onde a pauta ambiental é vista como um luxo em detrimento das necessidades básicas; o individualismo decorrente de um "projeto neoliberal" que desvaloriza a ação coletiva e a solidariedade; e a blindagem de pautas socioambientais, que são marginalizadas ou distorcidas pela mídia e pelo discurso político dominante.

Um exemplo dessa blindagem é a moratória da pesca em Mato Grosso. Segundo Oliveira, a proibição de pesca para pescadores artesanais, sob um “falso pretexto” de escassez de peixes, não teve repercussão significativa na mídia local, enquanto um grande produtor de pescado anunciava expansão. Isso evidencia como interesses econômicos poderosos podem influenciar políticas públicas e a narrativa midiática, em detrimento das comunidades tradicionais.

O Brasil tem sido historicamente uma liderança na discussão ambiental global, especialmente após a Rio 92 e pela importância da Amazônia. No contexto de Mato Grosso, o ambientalista ressaltou a interdependência entre a floresta amazônica e o cerrado, visto que muitos rios que alimentam a Amazônia nascem no cerrado, funcionando como "caixas d'água" para a floresta. O cerrado, por sua vez, é o bioma mais devastado do Brasil, com taxas de desmatamento alarmantes que comprometem essa interconexão vital.

A relação entre a crise climática e a crise hídrica é evidente, com a seca extrema na Amazônia servindo de alerta global para os efeitos do desmatamento e das mudanças climáticas. A COP de Baku (Azerbaijão) foi citada como um exemplo de exclusão da sociedade civil devido aos altos custos de participação, dificuldades logísticas e restrições impostas por regimes autoritários à liberdade de expressão e manifestação.

Oliveira salientou que o grande vilão da crise climática são os combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás), e não apenas o desmatamento. Embora o Brasil esteja avançado em energias renováveis (hidrelétrica, eólica, solar), ainda está atrasado na contenção do desmatamento e na mudança do uso do solo, que são as principais fontes de emissões do país.

Os impactos da crise climática atingirão a todos, embora de forma desigual no início, afetando primeiramente aqueles com menor capacidade de proteção e resiliência, como comunidades indígenas, quilombolas e populações de baixa renda. A importância de uma guinada civilizatória, que priorize a sustentabilidade e a justiça social, e o engajamento da sociedade, escolhendo representantes com compromisso ambiental genuíno, foram destacados como fundamentais para enfrentar esses desafios existenciais.



Comente esta notícia

Nossa República é editado pela Newspaper Reporter Comunicação Eireli Ltda, com sede fiscal
na Av. F, 344, Sala 301, Jardim Aclimação, Cuiabá. Distribuição de Conteúdo: Cuiabá, Chapada dos Guimarães, Campo Verde, Nova Brasilândia e Primavera do Leste, CEP 78050-242

Redação: Avenida Rio da Casca, 525, Bom Clima, Chapada dos Guimarães (MT) Comercial: Av. Historiador Rubens de Mendonça, nº 2000, 12º andar, sala 1206, Centro Empresarial Cuiabá

[email protected]/[email protected]

icon-facebook-red.png icon-youtube-red.png icon-instagram-red.png icon-twitter-white.png