A pandemia de Covid-19 está intimamente ligada à evasão escolar. Levantamento do Unicef aponta que 44 milhões de crianças e adolescentes deixaram de ir para a escola por causa do novo coronavírus e 4 milhões não conseguiram continuar as atividades em casa. Em Mato Grosso, de acordo com a Secretaria de Estado de Educação (Seduc), ainda não existe uma estimativa quanto ao número de alunos que abandonaram os estudos porque o ano letivo iniciou no dia 03 de agosto, mas o fato acendeu o alerta de gestores e da comunidade escolar, em especial os pais e os próprios estudantes.
No Senado foi montada uma comissão mista para acompanhar as políticas públicas adotadas durante a pandemia e, entre as medidas para evitar que estudantes abandonem a escola, os integrantes dessa comissão defenderam a ampliação do acesso à internet banda larga e estratégias pedagógicas de acolhimento.
As dificuldades de acesso e a ausência de internet são tidas como principais obstáculos para a continuidade dos estudos em tempos de distanciamento social. Pelo menos 4,8 milhões de crianças e adolescentes em todo o Brasil não têm acesso à internet em casa. Quando têm, o acesso é precário, bem como o equipamento, o que dificulta e desmotiva o aluno, independentemente do nível escolar em que ele se encontra.
Estudante do sexto semestre de medicina veterinária da Universidade Federal de Mato Grosso, Marcelo Victor Francischinelli Sonvezzo, 21, está tendo aulas flexibilizadas desde o dia 10 de agosto e aponta a conexão ruim como um dos principais entraves.
“A empresa não entrega a velocidade que promete, e as videoaulas requerem uma internet de boa qualidade para não ter esses problemas. Eu, como estudante, me sinto um pouco prejudicado, pois mesmo que algumas aulas fiquem gravadas depois, a atenção não é a mesma. Essa falta de concentração, de uma forma geral, vai gerando uma irritabilidade que acaba prejudicando o entendimento”, afirma. Ele acrescenta ainda a ausência de interação entre professor e aluno nas aulas gravadas como um dificultador.
De acordo com a Seduc, 79% dos municípios de Mato Grosso têm condições de acesso à internet, tanto em banda larga como 3G ou 4G. Para os alunos que não têm acesso, a Secretaria disponibiliza material impresso. As escolas distribuem gratuitamente as apostilas para os pais ou diretamente aos alunos. A entrega é quinzenal ou mensal, conforme definido pela unidade escolar. As atividades são desenvolvidas pelos estudantes e encaminhadas ao professor para que faça a correção comentada e devolva ao aluno posteriormente.
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Há também uma orientação para que os professores utilizem os recursos tecnológicos das unidades de ensino, assessorias pedagógicas e Centros de Formação e Atualização dos Profissionais da Educação (Cefapros).
“Eu não pensei em parar ainda, mas é possível que, se a situação não melhorar, ou piorar de certa forma, eu acabe trancando o curso para esperar pelo retorno das aulas presenciais”, frisa o estudante Marcelo.
Diretora de uma das maiores escolas públicas do estado, a EE Presidente Médici, em Cuiabá, a professora Elina Padilha Fernandes acredita que a precariedade do país em conectividade e internet contribuem para essa falta de interesse dos alunos pelo ensino remoto.
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“Percebi de início uma grande resistência a essa nova forma de ensino. Acredito que seja pelo fato de encararmos a internet e as mídias sociais mais como instrumento de entretenimento do que como uma ferramenta e forma de ensino e formação. Porém, já enxergo mudanças de comportamento de alguns alunos, encarando as aulas online de uma forma mais positiva e com a expectativa de uma real aprendizagem”, afirma.
Segundo ela, perceber que é possível utilizar as ferramentas digitais para enriquecer o processo educativo vai gerar uma nova realidade para a educação no pós-pandemia.
Ainda há, no entanto, um longo caminho a percorrer. Elina revela que não obteve sucesso na adesão à Plataforma Microsoft Teams, disponibilizada pela escola. Segundo a diretora, apenas entre 20% e 25% dos alunos matriculados estão na plataforma.
“O que mais nos preocupa é a falta de conectividade dos nossos alunos e da estrutura tecnológica deles, a grande maioria não tem computadores e muitos utilizam os aparelhos celulares dos pais, que vão ceder aos filhos quando chegam em casa após um dia de trabalho. O aluno dependerá desse único aparelho com internet para realizar as aulas virtuais”, conta.
Mesmo com todos estes recursos e ferramentas, a evasão é um medo real entre professores e, especialmente, os pais. De acordo com o presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), Luiz Roberto Liza Curi, cerca de 30% das famílias temem que os filhos desistam da escola. O presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação, Luiz Miguel Martins Garcia, frisa que a dificuldade de acesso à internet tem gerado novos excluídos. A evasão, portanto, é algo bem real dentro desse cenário da educação em meio a uma pandemia.
“Como gestora da maior escola do estado percebo que a situação de evasão é certa, pois houve uma ruptura no ano letivo de 2020”, diz Elina. “Muitos alunos estão se inserindo no mercado de trabalho para ajudar em casa, já que os pais e responsáveis perderam o emprego na pandemia. Já temos relatos de alunos que começaram a trabalhar e vão buscar fazer o ensino médio em escolas com a Educação de Jovens e Adultos (EJA)”.
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Ela cita ainda a quebra na rotina de estudos, as dificuldades de acesso às aulas virtuais, mesmo com o reforço das apostilas impressas e a falta de acompanhamento de um professor.
“Isso desestimula muito a continuidade dos estudos e afasta os grupos sociais da escola. Esses fatores certamente estão influenciando e influenciarão na volta às aulas”, conclui.